Brasília/DF - Conhecida
como o maior escritório de advocacia do Brasil, a Advocacia-Geral da
União (AGU) passa no momento por um processo de redução de pessoal
que ameaça a defesa do governo em processos estratégicos. Mais de
500 advogados pediram exoneração nos últimos meses. Do quadro total
de 1624 vagas, a AGU conta com pouco mais de mil. As exonerações
chegam a dez por dia e as ameaças de greve são constantes.
O
principal motivo são os salários, que não chegam a R$ 4 mil líquidos
e são considerados baixos na advocacia. Em contrapartida, os
processos são importantíssimos por envolverem bilhões de reais ou
decidirem estratégias políticas de governo.
No primeiro caso,
estão milhares de ações contra a União por mudanças feitas em planos
econômicos nos governos anteriores - mais particularmente as
realizadas nos governos Collor (1990-92) e Sarney (1985-90) - e
pedidos de indenização por obras públicas, como o da rodovia do
Paraná orçado em R$ 20 bilhões.
No segundo, há desde temas
delicados que dividem setores do governo, como a proibição dos
transgênicos, a assuntos vitais para a continuidade de políticas
recém-implementadas pelo governo, como o novo modelo do setor
elétrico e a reforma da Previdência. Os dois últimos devem ser
julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a partir de
fevereiro.
"A batalha mais importante que teremos neste ano
será a de salvar a própria AGU", afirmou ao Valor o advogado-geral,
ministro Alvaro Augusto Ribeiro Costa. "Há um processo de evasão de
pessoal e tivemos mais de um terço de nossos quadros dissolvido",
lamentou.
Não há perspectiva de ocupação de vagas ociosas no
curto prazo porque os concursos públicos demoram pelo menos um ano,
entre a elaboração do edital e a posse do advogado.
Os
advogados da União pedem transferência para outros órgãos do governo
em busca de gratificações que não recebem na AGU. Se conseguirem
mudar de ares dentro do governo, podem também adquirir experiência
em assuntos específicos de ministérios, o que conta, depois, caso
tenham a intenção de tentar vagas no mercado privado. Se continuarem
na AGU, não podem exercer outra atividade e carregam o peso de atuar
em processos de muita responsabilidade, ganhando "pouco".
A
equipe que trabalhou na desobstrução da reforma tributária era
formada por advogados que ganhavam aproximadamente R$ 3,5 mil por
mês. Muitos já deixaram a AGU. O mesmo salário é pago para os
advogados que defendem as normas do setor elétrico e a reforma da
Previdência.
Isso criou um processo contraditório dentro do
governo. A União exonera os advogados atendendo a pedidos e, ao
mesmo tempo, fica com equipes reduzidas para se defender em milhares
de ações judiciais. Estimativas da Justiça Federal indicam que o
governo responde em 80% das ações que tramitam no Brasil. Os
escritórios privados pagam melhor e possibilitam uma melhor divisão
de tarefas.>brbr> A AGU tem 1064 advogados, segundo dados da
primeira semana de janeiro. O Pinheiro Neto - o maior escritório
privado do Brasil - tem 341 advogados, de acordo com o último
ranking feito pela revista inglesa "Latin Lawyer". O Demarest e
Almeida vem em segundo lugar no ranking, com 310. O Tozzini, Freire,
Teixeira e Silva está em terceiro, com 281, e o Machado, Meyer,
Sendacz e Ópice em quarto, com 256. Essas quatro bancas já superam o
números de advogados da União.
Com menos advogados,
reduzem-se as perspectivas de a União vencer em causas importantes.
"O esvaziamento prejudica o governo em todos os níveis", disse
Costa. No ano passado a AGU atuou em julgamentos que poderiam causar
um rombo de R$ 117, bilhões nos cofres públicos a longo prazo.
Apenas a contestação de precatórios superfaturados garantiu a
economia de exatos R$ 5,26 bilhões que seriam executados contra a
União em 2003. A União foi executada em R$ 7,21 bilhões mas só
concordou em pagar R$ 1,945 bilhão. Os cálculos são extrapolados se
não contam com o monitoramento de advogados do governo.
A
vitória mais importante foi contra a revisão dos índices de reajuste
dos contratos imobiliários que vigoravam durante o Plano Collor, em
março de 1990. Este processo poderia gerar um rombo aos bancos
públicos e privados de até R$ 66 bilhões, segundo estimativas da
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Em abril passado, o Superior
Tribunal de Justiça (STJ) deu ganho de causa aos
bancos.