[VotoEletronico] voto a clique de mouse

2002-08-18 Por tôpico Amilcar Brunazo Filho

Publicado hoje (18.08) no Estado de São Paulo:

O clique de mouse
JOÃO UBALDO RIBEIRO

Modéstia à parte, tenho mais experiência em eleições que a maioria de vocês.
Repilo os engraçadinhos que atribuam isso à minha já avançante (avançada
ainda não) idade, embora não possa negar que ela desempenha um certo papel
nesta situação. Diferentemente dos outros membros de minha mesa de boteco,
onde costumo ser o menos jovenzinho, cheguei a votar nas eleições que
levaram Jânio Quadros à Presidência, embora minha escolha tenha sido o
marechal Lott, candidato das esquerdas, o que lá quisesse dizer isso. Como
já contei aqui, fiz muita força para ser comunista, mas não consegui e votar
em Lott fazia parte. Além disso, vi Jânio falar na Faculdade de Direito da
Universidade Federal da Bahia, onde eu estudava, e fiquei com medo dele.

Mas, quando, logo mais tarde, votar passou a ser o exercício temporário de
um direito que não se sustentava, até por causa das cassações, eu já tinha
uma bagagem eleitoral invejável.

Meu avô materno, o intimorato coronel (não do Exército ou da PM, mas do
interior mesmo, da velha estirpe) Ubaldo Osório, com a assessoria da não
menos combativa avó d. Pequena Osório, era mestre em eleições. Tudo parecia
tão desorganizado quanto a enorme biblioteca dele, que consistia numa casa
de dois cômodos e sem estantes ou mobília, onde se andava na ponta dos pés
para pisar no menor número de livros possível e dava vontade de pegar um
facão para abrir uma picada entre os volumes, mas onde ele achava
instantaneamente qualquer livro que quisesse. Quem visse as coisas na
superfície, acharia que a desorganização era geral, mas se equivocaria
redondamente.

Por exemplo, como muitos outros coronéis nordestinos, meu avô foi pioneiro
do voto para o analfabeto. Esta juventude de hoje, adolescente dos
cinqüentinha para baixo, pensa que conquistou o direito de voto para a vasta
porção do eleitorado brasileiro que não sabe ler. Grave erro histórico. Isso
é porque nunca viram o departamento de desenho de assinaturas capitaneado
por d. Pequena, com a assessoria de alguns auxiliares de confiança. O
pessoal do Baiacu, arraial da ilha até hoje meio longe do resto do mundo,
era o que dava mais trabalho, porque, de uma eleição para outra, muitos
desaprendiam a desenhar o nome. Minha avó punha em prática métodos
revolucionários, de resultados imediatos, mas não duradouros. O tratamento
era individual, porque experiências como a do quadro-negro falharam
clamorosamente, numa eleição, não me lembro qual, em que o pessoal ficava
diante do quadro-negro com um lápis e um papel na mão e, no fim do dia,
constatava-se que muitos haviam aprendido a desenhar o nome errado, o que
não ficava bem na hora da votação, ocorrendo casos deploráveis, como
Edinovaldo da Conceição assinando Alzanelvira dos Santos, ou vice-versa.

Independentemente do voto, a liberdade do eleitor era total. Havia um grande
número que só aceitava votar se fosse calçado com sapatos legítimos e de
paletó e gravata; feria a honra aparecer sem esses adereços cívicos. Nenhum
problema. O departamento de vestuário cuidava de tudo e diversos voluntários
ficavam à espera dos votantes, para retomar-lhes o paletó, a gravata e os
sapatos, para uso dos seguintes, o que não era obstáculo sério, já que a
fila dos eleitores começava a formar-se de madrugada e só acabava à noite.

Desenhar o nome sem saber ler não é empresa das mais fáceis e,
compreensivelmente, alguns levavam seus dez a quinze minutos para concluir a
operação.

A introdução de elementos religiosos nas campanhas também não é novidade,
como muitos de vocês também pensam, quando lembram o voto evangélico, hoje
muito em voga. Na ocasião, protestante era considerado herege e muita gente
se benzia quando passava por um deles. Mas, na eleição em que Cristiano
Machado, do PSD, concorreu com Getúlio Vargas, do PTB, e perdeu, muitos
votos pessedistas foram obtidos sob a alegação de que o eleitor, com essa
escolha, se cristianizava. Verbos como collorir, malufar e semelhantes
foram de longe precedidos por cristianizar e diversos destinos eleitorais
devem ter sido decididos sob essa óptica religiosa.

Quanto à escolha de candidatos, ainda peguei o tempo dos envelopes e das
chapas, o mais eficiente de todos. O eleitor ia à casa do coronel e recebia
o envelope já com todas as chapas dentro, papeluchos impressos com os nomes
dos candidatos, dos partidos e dos cargos. Na boca de urna, havia
especialistas em examinar envelopes a pretexto de uma fiscalização fictícia
qualquer e trocar esses envelopes por outros, contendo outras chapas, o que
só fazia estressar o coronel, muito atilado para tal tipo de tática baixa.

Se não me engano, chegou a espalhar-se a história de que a mão de quem
trocasse de envelope murcharia e cairia em pouco tempo, como castigo pela
gravíssima infração.

Quando um voto mais difícil ou valioso era comprado a dinheiro, também a
modernidade de métodos se impunha. A nota, ou notas, de dinheiro era cortada
ao 

[VotoEletronico] Voto a clique de mouse

2002-08-18 Por tôpico Heitor Reis


-Mensagem Original-
De: Amilcar Brunazo Filho [EMAIL PROTECTED]


Publicado hoje (18.08) no Estado de São Paulo:

O clique de mouse
JOÃO UBALDO RIBEIRO

Modéstia à parte, tenho mais experiência em eleições que a maioria de vocês.
Repilo os engraçadinhos que atribuam isso à minha já avançante (avançada
ainda não) idade, embora não possa negar que ela desempenha um certo papel
nesta situação. Diferentemente dos outros membros de minha mesa de boteco,
onde costumo ser o menos jovenzinho, cheguei a votar nas eleições que
levaram Jânio Quadros à Presidência, embora minha escolha tenha sido o
marechal Lott, candidato das esquerdas, o que lá quisesse dizer isso. Como
já contei aqui, fiz muita força para ser comunista, mas não consegui e votar
em Lott fazia parte. Além disso, vi Jânio falar na Faculdade de Direito da
Universidade Federal da Bahia, onde eu estudava, e fiquei com medo dele.

Mas, quando, logo mais tarde, votar passou a ser o exercício temporário de
um direito que não se sustentava, até por causa das cassações, eu já tinha
uma bagagem eleitoral invejável.

Meu avô materno, o intimorato coronel (não do Exército ou da PM, mas do
interior mesmo, da velha estirpe) Ubaldo Osório, com a assessoria da não
menos combativa avó d. Pequena Osório, era mestre em eleições. Tudo parecia
tão desorganizado quanto a enorme biblioteca dele, que consistia numa casa
de dois cômodos e sem estantes ou mobília, onde se andava na ponta dos pés
para pisar no menor número de livros possível e dava vontade de pegar um
facão para abrir uma picada entre os volumes, mas onde ele achava
instantaneamente qualquer livro que quisesse. Quem visse as coisas na
superfície, acharia que a desorganização era geral, mas se equivocaria
redondamente.

Por exemplo, como muitos outros coronéis nordestinos, meu avô foi pioneiro
do voto para o analfabeto. Esta juventude de hoje, adolescente dos
cinqüentinha para baixo, pensa que conquistou o direito de voto para a vasta
porção do eleitorado brasileiro que não sabe ler. Grave erro histórico. Isso
é porque nunca viram o departamento de desenho de assinaturas capitaneado
por d. Pequena, com a assessoria de alguns auxiliares de confiança. O
pessoal do Baiacu, arraial da ilha até hoje meio longe do resto do mundo,
era o que dava mais trabalho, porque, de uma eleição para outra, muitos
desaprendiam a desenhar o nome. Minha avó punha em prática métodos
revolucionários, de resultados imediatos, mas não duradouros. O tratamento
era individual, porque experiências como a do quadro-negro falharam
clamorosamente, numa eleição, não me lembro qual, em que o pessoal ficava
diante do quadro-negro com um lápis e um papel na mão e, no fim do dia,
constatava-se que muitos haviam aprendido a desenhar o nome errado, o que
não ficava bem na hora da votação, ocorrendo casos deploráveis, como
Edinovaldo da Conceição assinando Alzanelvira dos Santos, ou vice-versa.

Independentemente do voto, a liberdade do eleitor era total. Havia um grande
número que só aceitava votar se fosse calçado com sapatos legítimos e de
paletó e gravata; feria a honra aparecer sem esses adereços cívicos. Nenhum
problema. O departamento de vestuário cuidava de tudo e diversos voluntários
ficavam à espera dos votantes, para retomar-lhes o paletó, a gravata e os
sapatos, para uso dos seguintes, o que não era obstáculo sério, já que a
fila dos eleitores começava a formar-se de madrugada e só acabava à noite.

Desenhar o nome sem saber ler não é empresa das mais fáceis e,
compreensivelmente, alguns levavam seus dez a quinze minutos para concluir a
operação.

A introdução de elementos religiosos nas campanhas também não é novidade,
como muitos de vocês também pensam, quando lembram o voto evangélico, hoje
muito em voga. Na ocasião, protestante era considerado herege e muita gente
se benzia quando passava por um deles. Mas, na eleição em que Cristiano
Machado, do PSD, concorreu com Getúlio Vargas, do PTB, e perdeu, muitos
votos pessedistas foram obtidos sob a alegação de que o eleitor, com essa
escolha, se cristianizava. Verbos como collorir, malufar e semelhantes
foram de longe precedidos por cristianizar e diversos destinos eleitorais
devem ter sido decididos sob essa óptica religiosa.

Quanto à escolha de candidatos, ainda peguei o tempo dos envelopes e das
chapas, o mais eficiente de todos. O eleitor ia à casa do coronel e recebia
o envelope já com todas as chapas dentro, papeluchos impressos com os nomes
dos candidatos, dos partidos e dos cargos. Na boca de urna, havia
especialistas em examinar envelopes a pretexto de uma fiscalização fictícia
qualquer e trocar esses envelopes por outros, contendo outras chapas, o que
só fazia estressar o coronel, muito atilado para tal tipo de tática baixa.

Se não me engano, chegou a espalhar-se a história de que a mão de quem
trocasse de envelope murcharia e cairia em pouco tempo, como castigo pela
gravíssima infração.

Quando um voto mais difícil ou valioso era comprado a dinheiro, também a