Só completando...

Apesar de números irracionais serem conhecidos desde a época de Pitágoras
(vide a famosa historinha do pitagórico Hipaso, que supostamente foi
afogado por ter "vazado" o segredo da existência dos irracionais), me
parece que eles só começaram a realmente fazer falta no século 19, quando
os matemáticos estavam preocupados em formalizar a análise. Foi naquele
ponto que o Dedekind se deu conta da importância da completeza (essa
palavra tá certa?...) dos reais e da necessidade dela ser garantida por um
axioma. Se não me engano, o teorema que ele queria provar é o de que uma
sequência monótona e limitada de números reais sempre converge. E descobriu
que não conseguiria sem fazer uma hipótese adicional sobre o corpo
dos reais, capaz de diferenciá-lo dos racionais (também um corpo ordenado),
mas dentro do qual nem toda sequência converge (por exemplo, x(n+1) =
(1/2)*(x(n) + 2/x(n)), com x(0) = 1, a qual converge pra raiz(2): um
irracional). A princípio, bastaria ele incluir o axioma de completeza dos
reais e provar que este axioma não contradiz os demais axiomas. Mas ele foi
mais longe e acabou inventando uma construção dos reais a partir dos
racionais (via os chamados "cortes de Dedekind"). Talvez (estou
conjecturando aqui) ele só tenha feito isso por uma necessidade psicológica
de provar que algo é possível (no caso a extensão dos racionais aos reais)
exibindo uma construção explícita. Isso talvez seja um reflexo da ojeriza
que matemáticos da época tinham (e alguns poucos têm até hoje) de
argumentos não construtivos pra provar a existência de fatos ou objetos
matemáticos. Por exemplo, demonstrações usando o princípio das casas de
pombos são desse tipo.

Sobre "entender sem compreender", lembrei de um ditado do John von
Neumann: "Em matemática, você nunca entende as coisas. Apenas se acostuma
com elas."

[]s,
Claudio.

On Wed, Nov 16, 2022 at 6:52 PM Claudio Buffara <claudio.buff...@gmail.com>
wrote:

> Não entendi como uma homotetia poderia reduzir um par ordenado a um único
> número... enfim...
>
> O que se faz, no caso da relação de equivalência que descrevi, é
> representar o par (a,b) pela notação a-b.
> Daí, (a,b) e (c,d) são equivalentes sss a-b = c-d.
> E a novidade são os números negativos: as classes de equivalência de pares
> (a,b) com a < b, representadas, por exemplo, pelo par (0,c), onde c = b-a.
> Ou, na notação usual, -c.
>
> Mas não acho que se deva perder muito tempo com a construção de sistemas
> numéricos via classes de equivalência, estendendo naturais para inteiros
> para racionais para reais e para complexos.  Até porque é extremamente
> sacal, a cada etapa, checar que as operações usuais (+ e *), quando
> aplicadas aos novos números, têm todas as propriedades que conhecemos da
> escola.
> Essas construções foram a maneira que os matemáticos acharam pra
> formalizar os sistemas numéricos, a partir de conceitos mais básicos (no
> caso, pares ordenados e relações de equivalência) - é o programa do Hilbert
> (ou de Russell e Whitehead), de reduzir toda a matemática à teoria dos
> conjuntos.
> Mas, no fundo, esta é uma construção artificial, ex post.  Pois
> matemáticos já usavam todos os números muito antes dessa formalização ser
> inventada.
> E não acho que ela renda muitos frutos, nem pedagógicos (a menos que seu
> objetivo seja "entender sem compreender") e nem pra ampliação da fronteira
> do conhecimento, exceto colocar os sistemas numéricos numa base axiomática
> sólida.
> Em particular, no que diz respeito aos números reais, a única coisa que
> interessa é que eles são um corpo ordenado completo. Tanto é que vários
> livros de análise partem deste axioma e não se preocupam em construir os
> reais a partir dos naturais.
>
> []s,
> Claudio.
>
>
>
> On Tue, Nov 15, 2022 at 5:07 PM Pedro José <petroc...@gmail.com> wrote:
>
>> Obrigado a você e ao Cláudio. Mas não sou criativo para inventar. Mas já
>> vi que terei que fazer uma homotetia, para as classes de equivalência para
>> representar só como um número e não como um par, creio eu.
>>
>> Cordialmente,
>> PJMS
>>
>> Em ter., 15 de nov. de 2022 às 16:00, Anderson Torres <
>> torres.anderson...@gmail.com> escreveu:
>>
>>>
>>>
>>> Em ter, 15 de nov de 2022 14:33, Pedro José <petroc...@gmail.com>
>>> escreveu:
>>>
>>>> Boa tarde!
>>>> Para os |Naturais, temos os postulados de Peano.
>>>>
>>>> Para os Inteiros há alguma formalização?
>>>>
>>>
>>> invente uma!
>>>
>>> Pode ser por exemplo o conjunto de pares (p,q) tais que p-q é constante.
>>>
>>> ou melhor (p1,q1)=(p2,q2) se e só se p1+q2=p2+q1.
>>>
>>>
>>>> Acho pobre dizer que é necessário ter outros números devido ao problema
>>>> de fechamento nos naturais para a subtração que é fato e daí introduzir os
>>>> simétricos que são inteiros e ainda não foram caracterizados.
>>>>
>>>> No meu antigo ginásio aprendi que os Reais era a união dos conjuntos
>>>> disjuntos irracionais e racionais. Os racionais haviam sido bem definidos.
>>>> Aí questionei e o que são irracionais? resposta: são os Reais que não são
>>>> racionais, os que não podem ser escritos na forma p/q p e q inteiros e
>>>> q<>0. Mas me deram um tombo. Definiram os |Reais com base nos irracionais e
>>>> os irracionais com base nos |Reais. 3 +2i também não pode ser inscrito na
>>>> forma p/q. Só mais tarde no científico, é que meu professor definiu
>>>> irracional como um número que não podia ser escrito na forma p/q e cuja
>>>> representação decimal tinha uma infinidade de algarismos, sem haver uma
>>>> periodicidade.
>>>> Na época foi o maior nó que tive com a matemática. O mestre demonstrou
>>>> que os racionais eram densos, mas entre eles ainda cabiam os irracionais.
>>>> Não satisfeito mostrou que os racionais eram enumeráveis e por absurdo
>>>> mostrou que os |Reais não. Não satisfeito mostrou que a cardinalidade do
>>>> intervalo [0,1] era maior que a dos |Naturais. Não conseguia conceber que
>>>> havia um infinito maior que outro. Outra coisa que demorei a aceitar,mesmo
>>>> vendo a bijeção, era que os inteiros e naturais tinham a mesma
>>>> cardinalidade. Na minha cabeça, os inteiros têm todos os naturais ainda
>>>> sobram os negativos, como é igual?
>>>> Hoje, depois de velho, arrumei uma enteada, que muito me pergunta e
>>>> estou enrolado. Para dar um ar de superioridade, questionei se conhecia os
>>>> inteiros de Gaus, que 5 não era primo nos inteiros de Gaus. Estrepei-me, a
>>>> danada foi pesquisar e me questiona sobre o que não tenho um domínio pleno.
>>>> Em suma, como apresentei a ela os postulados de Peano para a
>>>> caracterização dos Naturais, ela me cobra por algo semelhante para os
>>>> Inteiros, e não sei responder.
>>>> HELP! SOCORRO! AU SECOURS! AYUDA! AIUTO! HILFE!
>>>> Cordialmente,
>>>> PJMS
>>>>
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>>>> Esta mensagem foi verificada pelo sistema de antivírus e
>>>> acredita-se estar livre de perigo.
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