Prezado Sergio,
o texto em português que
analisa o panorama médico neurológico da chamada
"anencefalia" (pediria que sua
integralidade não fosse omitida em suas respostas e o estou acrescentando
ao final para melhor entendimento dos demais) demonstra que o que
chamam de "anencefália" não tem a precisão
semântica ou sequer diagnóstica
que está sendo invocada como se existente.
Você está me apresentando em sua resposta um trecho
descontextualizado da análise neurológica que foi enviada e
quem ler todo o texto verá que ele não apoia o
que está sendo dito por você, ao contrário procura desfazer confusões quanto ao
uso do jargonismo médico tão usado entre nós como meio de promover
reserva de conhecimento (que pertence à sociedade) e de
poder, portanto.
A assertiva de que anencefalia é expressão
imprópria e generalizante está certa (não por
postulação mas por demonstração), e a ausência de precisão
nessa terminologia tem implicações desejáveis em outros
"diagnósticos", especialmente o da morte encefálica, que no que
concerne ao CFM é um objetivo assumido pela Resolução dos "anencéfalos" para
impor uma ética utilitarista, como o gestor médico Luiz Alcidez
Manreza sustentou em debate conosco na CPi do tráfico de Órgãos no dia 23
de junho deste ano, de promover a saúde apena para quem pode pagar,
extinguindo com o atendimento à saúde pública gratuito, que é dever do Estado,
mas que é visto visto por esses gestores como um mercado que
lhes esta sendo subtraido. Peço que leiam o texto com atenção. Não
se confunda cérebro com tronco
encefálico. O "anencéfalo" nasce pelo
menos com o tronco
encefálico, que é onde hoje se realiza a verificação
final da morte encefálica. Não é correto dizer que ele já
nasce com morte encefálica como já foi argumentado pelo
advogado Barroso no STF, no caso recentemente julgado por
esse Órgão em caráter de preliminar
técnica processual desrespeitada pelo Ministro
Marco Aurélio ao proferir uma cautelar sem examinar os pressupostos
processuais da ação (inexistentes no caso) e arvorar-se em
legislador (o que evidentemente ele não é). Caso o
Judiciário queira legislar, sem usurpar
essa competência constitucional do Poder
Legislativo, então, deverá haver uma reforma constitucional e
esse Judiciário necessariamente deverá ser eleito pelos
brasileiros, porque este poder, que é concursado ou
indicado pelo executivo, não representa a vontade
popular. Ele é poder técnico, querendo cada vez
mais ser poder político com se eleito fosse. Para pessoas do meio
jurídico isso é um acinte com pretensões ditatoriais que extrapolam a questão da
"anencefalia". Alguém aqui votou em algum membro do Judiciário de qualquer
instância para ser seu representante no Judiciário? Alguém votou para
eleger os 11 ministros do STF? Eu não votei e nem posso
votar. O problema dos chamados "anencéfalos" deve ser debatido e
legislado no âmbito do poder eleito pelos brasileiros para essa
finalidade, porque se não o for o Judiciário irá abrir um perigoso
precedente de usurpação e concentração de poder. Não se trata de decidir
ou interpretar lacuna de lei, mas de decidir contra a lei o que emergiu
dessa ocorrência, o que é vedado para esse Poder Técnico. A lei está
desatualizada? Então cabe ao Poder Legislativo ou aos cidadãos pautar essa
questão na via legislativa e lá debaterem suas razões. A legislação
brasileira continua (se cumprida ou não é outro assunto) protegendo o nascituro
e quem nasce com vida, sendo que vida associa-se ao ato de respirar, e não à sua
perspectiva curta ou longa. Assim os numerosos exemplos que foram
propostos em sua mensagem como possível analogia, entendo que não
estão de acordo com o que se discute. A "interrupção da gravidez"
(eufemismo), que o Ministro Marco Aurélio não chamou pelo nome que tem
(aborto) está especificada em lei quando pode ocorrer. Mudem a
lei mas não confiram por comodidade poderes ditatoriais ao Estado
jurisdicionador.
Para discutirmos (falo de forma geral) questões como essas e
suas mais profundas considerações precisamos nos
liberar dos erros
semânticos ou/e de conteúdo que existem entre
nós sobre assuntos técnicos de interesse de
todos (e não apenas da especialidade de
uma profissão seja ela qual for), inclusive em parcela
importante do meio médico, cada vez mais despreparado em sua formação
inicial.
O Relatório final da CPI do Tráfico de Órgãos menciona a
necessidade de suprir a desinformação dos médicos, pois não
foram poucos os neurologistas que disseram
desconhecer o protocolo de morte encefálica do CFM.
Nesse relatório é exigida a revogação da Resolução do CFM sobre
a retirada de órgãos de "anencéfalos" porque ele contraria o processo
legislativo, usurpando sua competência que é do Poder Legislativo e não do
CFM.
Os próprios gestores médicos reconhecem que o ensino médico
está cada vez pior e gerando médicos cada vez mais despreparados que recebem um
CRM e saem a destruir a saúde da população.
Enquanto isso o atual governo está querendo remeter
questões essencialmente legais (entenda-se aqui questões que devem ser decididas
por poder eleito para legislar) para um Conselho Nacional de
Bioética em vias de
criação, formado por "notáveis"
que evidentemente serão escolhidos pelo executivo com critério de carteira de
partido político.
Da mesma forma que o amigo digo que esse debate serve para estimular
reflexões atuais e indispensáveis que não podem mais ficarem ausentes de uma
abordagem inter e transdiciplinar,
como se o conhecimento fosse
propriedade de uma determinada profissão, o
que alguns estudantes de direito estão sustentando devido à inexperiência e à
síndrome de dizer o que é jurídico e o que não é
jurídico. Onde houver conflito
de interesses individuais ou coletivos há um
fato jurídico que precisará ser resolvido, independentemente da
área profissional de sua emergência.
[]'s
Celso Galli Coimbra
OABRS 11352
----- Original Message -----
From: Sergio Rego
Sent: Friday, October 22, 2004 9:05 AM
Subject: [Biodireito_Medicina] Anecefalia e interrupção de
gravidez
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