Um dia de merda ...de L. Fernando Veríssimo... (verídico)


Aeroporto Santos Dumont, 15h30min, senti um pequeno mal estar causado por
uma cólica intestinal, mas nada que uma urinada ou uma barrigada não
aliviasse.
Mas, atrasado para chegar ao ônibus que me levaria para o Galeão, de onde
partiria o vôo para Miami, resolvi segurar as pontas. Afinal de contas são
só uns 15 minutos de busão. "Chegando lá, tenho tempo de sobra para dar
aquela mijadinha esperta, tranqüilo."
O avião só sairia as 16h30.
Entrando no ônibus, sem sanitários. Senti a primeira contração e tomei
consciência de que minha gravidez fecal chegara ao nono mês e que faria um
parto de cócoras assim que entrasse no banheiro do aeroporto.
Virei para o meu amigo que me acompanhava e, sutil, falei:
"Cara, mal posso esperar para chegar na merda do aeroporto porque preciso
largar um barro."
Nesse momento, sentí um urubu beliscando minha cueca, mas botei a força de
vontade para trabalhar e segurei a onda. O ônibus nem tinha começado a
andar quando, para meu desespero, uma voz disse pelo alto falante:
"Senhoras e senhores, nossa viagem entre os dois aeroportos levará em torno
de 1 hora, devido a obras na pista."
Aí o urubu ficou maluco querendo sair a qualquer custo! Fiz um esforço
hercúleo para segurar o trem merda que estava para chegar na estação ânus a
qualquer momento.
Suava em bicas.
Meu amigo percebeu e, como bom amigo que era, aproveitou para tirar um
sarro. O alívio provisório veio em forma de bolhas estomacais, indicando
que pelo menos por enquanto as coisas tinham se acomodado.
Tentava me distrair vendo TV mas só conseguia pensar em um banheiro, não
com uma privada, mas com um vaso sanitário tão branco e tão limpo que
alguém poderia botar seu almoço nele. E o papel higiênico então: branco e
macio,
com textura e perfume e, ops, sentí um volume almofadado entre meu traseiro
e o assento do ônibus e percebi, consternado, que havia cagado.
Um cocô sólido e comprido daqueles que dão orgulho de pai ao seu autor.
Daqueles que dá vontade de ligar pros amigos e parentes e convidá-los a
apreciar na privada. Tão perfeita obra, dava pra expor em uma bienal.
Mas sem dúvida, a situação tava tensa. Olhei para o meu amigo, procurando
um pouco de solidariedade, e confessei sério:
"Cara, caguei."
Quando meu amigo parou de rir, uns cinco minutos depois,aconselhou-me a
relaxar, pois agora estava tudo sob controle.
"Que se dane, me limpo no aeroporto." - pensei. "Pior que isso não fico."
Mal o ônibus entrou em movimento, a cólica recomeçou forte.
Arregalei os olhos, segurei-me na cadeira mas não pude evitar, e sem muita
cerimônia ou anunciação, veio a segunda leva de merda. Desta vez, como uma
pasta morna. Foi merda para tudo que é lado, borrando, esquentando e
melando
a bunda, cueca, barra da camisa, pernas, panturrilha, calças, meias e pés.
E mais uma cólica anunciando mais merda, agora líquida, das que queimam o
fiofó do freguês ao sair rumo a liberdade. E depois um peido tipo bufa, que
eu nem tentei segurar, afinal de contas o que era um peidinho para quem já
estava todo cagado? Já o peido seguinte, foi do tipo que pesa.
E me caguei pela quarta vez.
Lembrei de um amigo que certa vez estava com tanta caganeira que resolveu
botar Modess na cueca, mas colocou as linhas adesivas viradas para cima e
quando foi tirá-lo levou metade dos pêlos do rabo junto.
Mas era tarde demais para tal artifício absorvente. Tinha menstruado tanta
merda que nem uma bomba de cisterna poderia me ajudar a limpar a sujeirada.
Finalmente cheguei ao aeroporto e saindo apressado com passos curtinhos,
supliquei ao meu amigo que apanhasse minha mala no bagageiro do ônibus e a
levasse ao sanitário do aeroporto para que eu pudesse trocar de roupas.
Corri ao banheiro e entrando de boxe em boxe, constatei a falta de papel
higiênico em todos os cinco.
Olhei para cima e blasfemei: "Agora chega, né?" Entrei no último, sem papel
mesmo, e tirei a roupa toda para analisar minha situação (que concluí como
sendo o fundo do poço) e esperar pela minha salvação, com roupas limpinhas
e
cheirosinhas e com ela uma lufada de dignidade no meu dia.
Meu amigo entrou no banheiro com pressa, tinha feito o "check-in" e ia
correndo tentar segurar o vôo. Jogou por cima do boxe o cartão de embarque
e uma maleta de mão e saiu antes de qualquer protesto de minha parte.
Ele tinha despachado a mala com roupas. Na mala de mão só tinha um pulôver
de gola "V". A temperatura em Miami era de aproximadamente 35 graus.
Desesperado comecei a analisar quais de minhas roupas seriam, de algum
modo, aproveitáveis.
Minha cueca, joguei no lixo. A camisa era história. As calças estavam
deploráveis e assim como minhas meias, mudaram de cor tingidas pela merda.
Meus sapatos estavam nota 3, numa escala de 1a 10.
Teria que improvisar.
À invenção e à mãe da necessidade, então transformei uma simples privada em
uma magnífica máquina de lavar. Virei a calça do lado avesso, segurei-a
pela barra, e mergulhei a parte atingida na água.
Comecei a dar descarga até que o grosso da merda se desprendeu.
Estava pronto para embarcar.
Saí do banheiro e atravessei o aeroporto em direção ao portão de embarque
trajando sapatos sem meias, as calças do lado avesso e molhadas da cintura
ao joelho (não exatamente limpas) e o pulôver gola "V", sem camisa. Mas
caminhava com a dignidade de um lorde.
Embarquei no avião, onde todos os passageiros estavam esperando o "RAPAZ
QUE ESTAVA NO BANHEIRO" e atravessei todo o corredor até o meu assento, ao
lado do meu amigo que sorria.
A aeromoça aproximou-se e perguntou se precisava de algo. Eu cheguei a
pensar em pedir 120 toalhinhas perfumadas para disfarçar o cheiro de fossa
transbordante e uma gilete para cortar os pulsos, mas decidi não pedir:
"Nada, obrigado. Eu só queria esquecer este dia de merda!!!"

















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