HONESTIDADES
 
 
 

Quem estuda história sabe: o papel da honestidade é diferente quando é desempenhado no palco das opções morais de um indivíduo e quando é vivido no momento de uma coletividade.
 
O indivíduo, em determinados momentos, é desafiado a fazer escolhas decisivas, sente-se terrivelmente sozinho em suas responsabilidades. Apesar de seus inevitáveis condicionamentos, ele toma consciência de que a sua decisão não está predeterminada; ele é livre para toma-la de maneira que pode ser até bastante inesperada e surpreendente. Há uma dimensão insuprimivelmente “casual” no exercício da sua liberdade. Por isso, um indivíduo, por mais honesto que tenha sido ao longo da sua vida, por mais honesto que venha sendo, pode fraquejar e cometer uma ação desonesta.
 
No entanto, aos olhos de um historiador, essa “queda” pessoal, essa quebra de um padrão de honradez na conduta de um indivíduo, não tem a mesma significação que pode ser encontrada num fenômeno de corrupção em escala ampliada, que envolve todo um grupo humano.
 
O sujeito isolado que se corrompe, que aceita ser subornado e receber propinas, que age de maneira inequivocamente desonesta, não está, certamente, fora da história. Sua conduta pode se inserir, esclarecedoramente, na trama das contradições de complexos movimentos sociais e culturais. O chefe que se acovarda, o líder que foge e o dirigente que trai, por exemplo, podem ser sintomas de deficiências mal conhecidas das forças que representavam.
 
Em geral, contudo, os fios sutis que ligam esses casos à dinâmica da transformação social passam por mediações acentuadamente “acidentais” e caprichosamente “psicológicas”.
 
Muito diversas é a situação da ruptura com princípios éticos que se constata em grupos humanos, em sujeitos coletivos.
 
Quando a maioria de integrantes de um partido, de membros de uma corporação, de filiados a uma organização, assume como sua uma posição ético-política tomada por aqueles que estão a sua frente, a significação histórica da decisão é mais direta, suas conseqüências para a sociedade são mais graves.
 
Na ação coletiva, a ética interfere mais profundamente na política e afeta a credibilidade (a eficácia) das instituições. Uma corporação que expulsa um de seus integrantes que fraquejou sofre as conseqüências do descrédito ocasionado pela desonestidade individual da pessoa punida, mas sempre pode recuperar seu prestígio junto à opinião pública, porque o povo compreende o que há de “casual”, de “acidental”, nesse tipo de ocorrência.
 
Mesmo que as ocorrências sejam múltiplas, constrangedoramente numerosas, e a organização precise afastar compulsoriamente dezenas de seus membros mais destacados, ela pode preservar sua imagem e se apresentar diante da população como um sujeito coletivo fiel a alguns princípios morais bem definidos.
 
Se, porém, a partir de um certo nível de escândalo, o sujeito coletivo passa a encobrir as faltas dos sujeitos individuais que o integram, o quadro se torna assustador. Se já não são pessoas isoladas que fazem opções livres moralmente lamentáveis, mas partidos inteiros que transigem com a desonestidade e poderosas instituições que passam a mão na cabeça dos desonestos crescem enormemente as dificuldades para lutarmos pela formação de uma consciência ética imprescindível à efetiva democratização da nossa sociedade.
 
Como os educadores convencerão as crianças de que devem ser honestas se elas tiverem à sua frente, como modelos de cidadãos bem sucedidos, parlamentares corruptos que venham a ser protegidos por seus partidos? Ou – o que é pior – que venham a ser acobertados pelo próprio Parlamento?
 
 
 
Leandro Konder
 
O GLOBO -1994

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