Encaminhando
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Hoje 27 de novembro de 2008 o sol saiu e conseguimos voltar a trabalhar.
A despeito de brincadeiras e comentários espirituosos normais sobre esta
folga forçada a verdade é que nunca me senti tão feliz de voltar ao
trabalho. Não somente pelo trabalho, pela instituição e pela própria
tranqüilidade de ter aonde ganhar o pão, mas também por ser um sinal de que
a vida está voltando ao normal aqui na nossa Itajaí.
As fotos que circulam na internet e os telejornais já nos dão as imagens
claras de tudo que aconteceu então não vou me estender narrando e
descrevendo as cenas vistas nestes dias. Todos vocês já sabem de cor. Eu
quero mesmo é falar sobre lições aprendidas.
Por mais que teorias e leituras mil nos falem sobre isso ainda é
surpreendente presenciar como uma tragédia desse porte pode fazer aflorar no
ser humano os sentimentos mais nobres e os seus instintos mais primitivos.
As cenas e situações vividas neste final de semana prolongado em Itajaí nos
fizeram chorar de alegria, raiva, tristeza e impotência. Fizeram-nos perder
a fé no ser humano num segundo, para recuperar-la no seguinte. Fez-nos ver
que sempre alguém se aproveitará da desgraça alheia, mas que também é mais
fácil começar de novo quando todos se dão as mãos.
Que aquela entidade superior que cada um acredita (Deus, Alá, Buda, GADU
etc.) e da forma que cada um a concebe tenha piedade daqueles:
- Que se aproveitaram a situação para fazer saques em Supermercados, levando
principalmente bebidas e cigarros
- Que saquearam uma farmácia levando medicamentos controlados, equipamentos
e cofres e destruindo os produtos de primeira necessidade que ficaram assim
como a estrutura física da mesma.
- Que pediam 5 reais por um litro de água mineral.
- Que chegaram a pedir 150 reais por um botijão de gás.
- Que foram pedir donativos de água e alimentos nas áreas secas pra vender
nas áreas alagadas.
- Que foram comer e pegar roupas nos centros de triagem mesmo não tendo suas
casas atingidas.
- Que esperaram as pessoas saírem das suas casas para roubarem o que
restava.
- Que fizeram pessoas dormir em telhados e lajes com frio e fome para não
ter suas casas saqueadas.
- Que não sentiram preocupação por ninguém, algo está errado em seu coração.
- Que simplesmente fizeram de conta que nada acontecia, por estarem em áreas
secas.
Da mesma forma, que essa mesma entidade superior abençoe:
- Aqueles que atenderam ao chamado das rádios e se apresentaram no domingo
no quartel dos bombeiros para ajudar de qualquer forma.
- Os bombeiros que tiveram paciência com a gente no quartel para nos
instruir e nos orientar nas atividades que devíamos desenvolver.
- A turma das lanchas, os donos das lanchinhas de pescarias de fim de semana
que rapidamente trouxeram seus barquinhos nas suas carretas e fizeram tanta
diferença.
- À equipe da lancha, gente sensacional que parecia que nos conhecíamos de
toda uma vida.
- Aos soldados do exército do Paraná e do Rio Grande do Sul.
- Aos bravos gaúchos, tantas vezes vitimas de nossas brincadeiras que
trouxeram caminhões e caminhões de mantimentos.
- Aos cadetes da Academia da Polícia Militar que ainda em formação se
portaram com veteranos.
- Aos Bombeiros e Policias locais que resgataram, cuidaram , orientaram e
auxiliaram de todas as formas, muitas vezes com as suas próprias casas
embaixo das águas.
- Aos Médicos Voluntários.
- Às enfermeiras Voluntárias.
- Aos bombeiros do Paraná que trabalharam ombro a ombro com os nossos.
- Aos Helicópteros da Aeronáutica e Exercito que fizeram os resgates nos
locais de difícil acesso.
- Aos incansáveis do SAMU e das ambulâncias em geral, que não tiveram tempo
nem pra respirar.
- Ao pessoal do Helicóptero da Polícia Militar de São Paulo, que mostrou que
longo é o braço da solidariedade.
- Ao pessoal das rádios que manteve a população informada e manteve a
esperança de quem estava isolado em casa.
- Aos estudantes que emprestaram seus físicos para carregar e descarregar
caminhões nos centros de triagem.
- Às pessoas que cozinharam para milhares de estranhos.
- Ao empresário que não se identificou e entregou mais de mil marmitex no
centro de triagem.
- A todos que doaram nem que seja uma peça de roupa.
- A todos que serviram nem que seja um copo de água a quem precisou.
- A todos que oraram por todos.
- Ao Brasil todo, que chorou nossos mortos e nossas perdas.
- Aos novos amigos que fiz no centro de triagem, na segunda-feira.
- A todos aqueles que me ligaram preocupados com a gente.
- A todos aqueles que ainda se preocupam por alguém.
- A todos aqueles que fizeram algo, mas eu não soube ou esqueci.
Há alguns anos, numa grande enchente na Argentina um anônimo escreveu
isto:
*COMEÇAR DE NOVO*
Eu tinha medo da escuridão
Até que as noites se fizeram longas e sem luz
Eu não resistia ao frio facilmente
Até passar a noite molhado numa laje
Eu tinha medo dos mortos
Até ter que dormir num cemitério
Eu tinha