Alfabetização Não é Coisa Para Amadores Paulo Ghiraldelli Jr. CEFA www.pragmatism.org O filósofo da cidade de São Paulo Consultor da OEI para o MEC, na avaliação crítica do PDE Entreguei o primeiro volume de crítica do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) para a Organização dos Estados Ibero-americanos ( www.oei.org.br ) e para o ministro da Educação Fernando Haddad há duas semanas. O primeiro volume ficou com mais de cem páginas (faltam mais dois volumes), só de análise dos primeiros quatro decretos do PDE. Por causa disso e, também, pelas recentes notícias sobre problemas no programa Brasil Alfabetizado, nasceu este texto abaixo. * * * No final dos anos sessenta o Brasil ainda possuía legiões de profissionais alfabetizadores. Eram as normalistas, então formadas na Escola Normal de nível médio. Essas moças não precisavam de curso superior e sabiam alfabetizar como ninguém, e não só nas primeiras letras, mas alfabetizavam também em matemática, ciências e humanidades e desenho. Alfabetizar exigia profissionalismo, mas não era algo miraculoso; não havia grandes celeumas sobre o assunto. Exigia tirocínio, paciência, uma boa formação e um salário descente. As normalistas eram respeitadíssimas, e no geral tinham os dotes necessários para o trabalho. Não existia, ainda, o chamado problema da alfabetização não na escola. O problema da alfabetização começou quando a nossa cena urbana, por vários motivos, passou a contar com um personagem que Paulo Freire, na época, soube notar, chamando-o de o desenraizado ou o oprimido. O termo desenraizado é melhor que o termo oprimido, pois diz mais da condição geral do indivíduo para o qual Paulo Freire queria apontar. Era a pessoa que, tendo cultura no seu ponto de partida (geográfico, histórico e social), não o tinha em seu ponto de chegada (geográfico, histórico e social). Enquanto o desenraizado ficou no âmbito da educação de adultos, o debate era restrito. Quando ele veio parar nos bancos escolares, como criança, então a normalista se viu obrigada a repensar as técnicas de alfabetização. Algumas fizeram isso, outras não. Mas não foi esse repensar que garantiu êxito ou fracasso dos alfabetizandos. Havia mais coisa em jogo, nem sempre percebida pelos que produziam literatura sobre educação. Com o tempo, essa literatura sobre problemas de educação básica cresceu e fez com que muitos dessem atenção ao que nós, filósofos, passamos a chamar de correntes e tendências da pedagogia. Uma boa parte dessas tendências dava enorme importância para as novas psicopedagogias, outras tinham enfoque mais sociológico e político. No Brasil, o boom dessa situação se fez a partir dos anos de 1970. Daí em diante nós fomos pulando de Piaget para Freinet e vice-versa, ou desses para Paulo Freire e, então, para Emília Ferreiro e aí não paramos mais. No entanto, as alfabetizadoras profissionais que restaram ou as novas que aprenderam com as profissionais as normalistas continuaram com suas Caminhos Suaves da vida. Isso dava certo. Ainda dá. Sempre dará. Ainda que não por virtude da própria cartilha. Então, qual a razão de dar certo? Dá certo onde tem de dar certo. Nos locais onde a criança, até os seis anos de idade, não padeceu da convivência culturalmente empobrecida (em termos de conversação), a cartilha (ou o método) é uma bengala que o doente usa, embora ele esteja sadio e possa andar. Pois o processo de aprendizado para essas crianças se dá normalmente. Isso pelo fato de que a alfabetizadora profissional utiliza uma metodologia própria, intuitiva, que hoje poderíamos apelar para o filósofo estadunidense Donald Davidson (1917-2003) para descrever. O que ela faz é favorecer a comunicação, pois ela toma a linguagem como comunicação, e então, todo o resto vem junto. Davidson nos ensinou que não existe a linguagem. Ou seja, não existe uma instituição chamada linguagem, inata ou aprendida, que fica esperando nossa filiação a ela, para ganharmos uma carteirinha e então sermos oficialmente decretados usuários da linguagem X. O que existe é a comunicação. Ou seja, inventamos modos de nos fazer entender. As sofisticações disso, no âmbito verbal ou escrito, são meras decorrências de processos em que começamos querendo o entendimento. Professores que empurram processos comunicacionais, favorecendo o entendimento mútuo, podem até atribuir o êxito que conseguem com os alunos, na alfabetização, ao método ou cartilha ou seja lá o que for. Isso não importa. O que importa é que eles acertam, e assim fazem porque privilegiam o entendimento mútuo, a comunicação, os esforços interpretativos em que a imaginação conta muito. Isso é, mais ou menos, como alguns professores sagazes de idiomas estrangeiros ensinam: vá tentando aí, não importa que erre, o importante é que consiga se comunicar. Esse processo, uma vez balizado pelo professor, com o tempo ganha contornos excelentes este é o segredo de tudo. Não pode se perpetuar, é claro, como atividade espontânea, mas ele é o processo que, se está ligado a algo semelhante feito antes do início da escola, põe tudo a funcionar corretamente no campo da alfabetização quando a criança chega ao ambiente escolar. Em geral, os alunos com facilidade para se alfabetizarem são aqueles que vieram de lares em que a comunicação foi o elemento central, e onde a imaginação no uso dos processos de entendimento foi incentivada. A mãe (ou alguém da casa) não tratou a criança como um bicho doméstico, e sim como quem ela imaginava que poderia entender tudo. Ela foi uma mãe que conversou com a criança, pediu respostas, sugeriu palavras para determinadas coisas e situações, contou histórias, cantou e pediu que cantasse, etc. Uma mãe assim cria um bom ponto de partida. Caso um dia, por azar, um filho seu cai na condição de desenraizado, será mais fácil lidar com ele, favorecendo processos de aprendizagem, porque ele teve um ponto de partida. O desenraizado problemático, de fato, é o que tem ponto de chegada, mas nada, nenhuma cultura comunicacional no ponto de partida. No caso da criança e, especificamente, no caso da alfabetização, o problema é aquela criança que não foi estimulada aos processos comunicacionais ricos antes dos seis anos. Esta sim, terá dificuldades de alfabetização, seja lá qual for o método. Portanto, o problema da alfabetização de adultos, para realmente trazer algum benefício em termos gerais para o país, depende não propriamente de alfabetização, mas de tornar os alfabetizando adultos conversadores e, em especial, conversadores e leitores junto de suas crianças pois aí sim eles estarão contribuindo de fato, ampliado a bola de neve cultural. Caso alguém imagine que pode alfabetizar adultos para integrá-los em algum mercado de trabalho, somente isso, então já fracassou em termos de política educacional. O objetivo da alfabetização de adultos é que estes se tornem conversadores com as suas crianças, que possam ler junto com elas, que mudem seus hábitos em relação a jornais e livros, passando a tê-los em casa. Pois, no limite, em termos de política educacional, quando fazemos educação de adultos, é na alfabetização das crianças que se está pensando isto é o correto. Um lar em que os processos comunicacionais são ricos, e que as crianças participam, incentivadas pelos adultos, é um lar que, por mais pobre que seja economicamente, vai colocar nas escolas crianças melhores para se alfabetizarem. Isso, que concluo a partir de Davidson, o senso comum já diz: todos que sentem alguma dificuldade escolar exclamam: pudera, sou filho de pessoas que não tinham cultura, que não conversavam nem comigo nem com meus irmãos, que não podiam ensinar nada. A pessoa percebe que foi lá na infância pré-escolar que a coisas não correram bem para ela. Outros, que obtêm êxito, dizem: meu pai era analfabeto, mas contava muitas histórias, queria que a gente ouvisse, cantava bem e tocava violão e chamava a gente para tal. Pronto, eis aí o lance correto: o pai, apesar de analfabeto, não tinha indisposição para processos comunicacionais. As artes ajudam muito nisso. Quando o nosso país puder perceber essas verdades simples, que estão para além do pedagogicismo, sairemos da condição posta por coisas como Brasil alfabetizado ou Mobral ou Alfabetização solidária e chegaremos ao Brasil inteligente, onde todos serão alfabetizados. Alfabetização é uma coisa simples, mas se torna complexa nas mãos de amadores. Precisamos montar uma legião de normalistas novamente isto é um fato. Mas precisamos, também, montar um esquema em que as famílias menos favorecidas possam ser movimentadas culturalmente. E as artes, nesse caso, têm um papel fundamental nesse trabalho. O projeto de alfabetização, então, passa por situações que não são as aulas noturnas, levadas adiante por professores cansados, como foram todos os programas de alfabetização do passado, e como também é, em parte, do Brasil alfabetizado. O projeto de alfabetização sério, que tenho na cabeça, é o de dupla mão: primeiro, a rearticulação da escola normal em torno de laboratórios pedagógicos; segundo, uma ação de mobilização das artes no âmbito das comunidades, de modo a impulsionar processos conversacionais no recanto familiar. Não entendo a razão de os IFETS (previstos no PDE) não poderem ser o pólo original e irradiador disso tudo. Deveriam ser. * * * Em outra oportunidade, com mais espaço, poderíamos repensar essa integração entre alfabetização de adultos e alfabetização de crianças por meio das faculdades técnicas dos IFETs. Paulo Ghiraldelli Jr. O filósofo da cidade de São Paulo www.ghiraldelli.pro.br Consultor da OEI para o MEC, na avaliação crítica do PDE
Bom papo, bom vinho, bons contatos. Quero você, meu amigo, no dia do lançamento, lá conosco. Posso contar com sua presença? Temos muito que conversar (Paulo) A Editora Brasiliense e a Livraria da Vila convidam para o lançamento do livro da Coleção Primeiros Passos O que é Pragmatismo de Paulo Ghiraldelli Jr. Na ocasião será lançada também a edição revista e atualizada do livro O que é Pedagogia do mesmo autor Quarta-feira, dia 18 de Julho de 2007, às 19 horas Livraria da Vila Rua Fradique Coutinho, 915 - Pinheiros São Paulo - SP. Telefone: (11) 3814-5811 --------------------------------- Novo Yahoo! Cadê? - Experimente uma nova busca.