Seis meses após ter sido retirado da pauta da Comissão de Constituição e
Justiça (CCJ) do Senado, sob a alegação de que feria direitos fundamentais,
o projeto do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) que tipifica os crimes
praticados na internet ganhou nova versão e poderá ser votado na
quinta-feira. O texto funde três propostas que foram apresentadas há mais de
seis anos pelo deputado Luiz Piauhylino (PDT-PE) e pelos senadores Renan
Calheiros (PMDB-AL) e Leomar Quintanilha (PC do B-TO).

O ponto mais criticado da primeira versão do projeto era a obrigatoriedade
de identificação prévia dos usuários da internet. Para entrar na rede, eles
teriam de preencher um cadastro eletrônico. O acesso sem identificação
prévia seria punido com pena de até quatro anos de reclusão. Outro ponto
criticado era o que tornava os provedores de correio eletrônico responsáveis
pela veracidade dos dados cadastrais dos usuários, sob pena de multas de até
R$ 100 mil e até quatro anos de prisão, e ainda os obrigava a manter por
três anos um banco de dados com a data e hora de cada e-mail transmitido por
seus clientes.

Essa medida representava uma perigosa investida contra os direitos
individuais assegurados pela Constituição. Sob a justificativa de propiciar
"informações cadastradas" que permitam identificar autores de delitos, a
primeira versão do substitutivo permitia ao poder público invadir a
privacidade de todo usuário de computador. Com o controle da comunicação
eletrônica pelo Estado sem autorização judicial, as autoridades policiais
teriam acesso desde a uma simples troca de mensagens entre namorados até a
correspondência entre grandes empresas. Ao analisar a primeira versão do
projeto, nestas colunas, comparamos essas medidas ao "Big Brother" - o
controle absoluto da sociedade por parte do Grande Irmão onipresente, que
George Orwell descreve no livro 1984.

A nova versão do projeto eliminou algumas dessas exigências, mas é tão
polêmica quanto a anterior. Ela define 600 tipos de delitos cibernéticos,
revoga o direito à privacidade dos usuários da internet e cria um conceito
de "defesa digital" que permite a qualquer técnico de informática invadir
comunicações de terceiros, a pretexto de combater ataques de hackers.

Além disso, a nova versão consagra o "grampo digital" sem prévia autorização
judicial. Pela legislação em vigor, para realizar uma interceptação
telefônica a polícia e o Ministério Público precisam recorrer à Justiça, que
só a autoriza se não houver outro meio de obtenção de provas. Pela proposta
de Azeredo, qualquer profissional do setor de informática que suspeitar de
um cybercrime poderá, quando bem entender, invadir as redes da internet e
fazer intercepção digital.

Outra inovação polêmica da nova versão do projeto é o dispositivo que obriga
os provedores de acesso à internet a denunciar à polícia, de forma sigilosa,
usuários suspeitos de divulgação de pedofilia e de apologia à discriminação
racial, sexual e religiosa. Azeredo alega que essa medida foi inspirada num
acordo entre provedores e o Ministério Público firmado em São Paulo. Os
especialistas em informática alegam que o substitutivo foi muito além dos
termos desse acordo, possibilitando a apresentação de denúncias infundadas e
irresponsáveis, que podem comprometer a imagem pública de pessoas inocentes.


Diante de tantos pontos polêmicos e de inovações que ferem direitos
assegurados pela Constituição, é no mínimo estranha a pressa com que Azeredo
quer que o presidente da CCJ, senador Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA)
ponha em votação a nova versão de seu projeto. Além das contundentes
críticas emitidas por ONGs e entidades que defendem os interesses dos
provedores, o próprio consultor jurídico do Ministério das Comunicações
reconhece que, embora a segunda versão do projeto seja melhor do que a
primeira, ela ainda contém "exageros". Na realidade, parece não haver dúvida
de que algumas das inovações propostas pelo parlamentar mineiro colidem com
a Constituição. Por isso, o que a CCJ deve fazer é rejeitar sumariamente o
projeto.
_______________________________________________
PSL-Brasil mailing list
PSL-Brasil@listas.softwarelivre.org
http://listas.softwarelivre.org/mailman/listinfo/psl-brasil
Regras da lista: 
http://twiki.softwarelivre.org/bin/view/PSLBrasil/RegrasDaListaPSLBrasil

Responder a