*Ainda vou ler este texto, abaixo todo ele, sem tirar ou por uma vírgula,
Ada
O texto:

Nossa transparência não aumentou muito nos últimos anos. Tanto que, nos
índices internacionais de corrupção, pioramos muito. Seria diferente se
diminuíssemos -- à força -- a assimetria de informação no país?*

Noite caminhando depressa pra madrugada e ninguém na mesa sabe mais quem deu
o tal do "pontapé inicial". Depois de considerandos etílicos sobre o estado
da nação, que de certo não cheira nada bem, espocou a pergunta: "o que a
informática pode fazer para diminuir esta bagunça"? O boêmio e suas dez
doses a mais não estavam pensando só em eleições, campanhas e caixas, mas em
malas, cuecas, mimos, lanchas, pensões e de todos os muitos por cento
perdidos e não achados em contratos públicos... De repente a mesa inteira
acha que sim, que pode isso, aquilo, que tais coisas poderiam ser feitas
"pelo computador", etc. e tal.

Mas será que informática pode mesmo fazer alguma coisa? Talvez não.
Tecnologia não resolve tudo e, certas vezes, não resolve nada. Ou pior, como
sabe qualquer usuário, complica. É preciso mudar métodos, processos,
costumes, culturas. E há questões de fundo que precisam ser resolvidas,
talvez, antes: será que o país *está* corrupto por falta de controles
apropriados ou... não há controles (muito menos os apropriados) porque o
país *é* corrupto? Na última opção, o que fazer, a não ser começar de novo?
Na primeira, temos sido competentes a pescar piabas que, sem dentes ou
similares, vivem a mostrar recibos de um tiradentes amigo... ao tempo em que
deixamos passar os tubarões da grande corrupção. Afinal, os tubarões estão
aí desde o tempo dos dinossauros e continuam cheios de dentes. E não
precisam de recibos, pelo visto, de ninguém.

Óbvio que um recibo falso tem o mesmo status moral de um monte de dinheiro
roubado do governo (ou de quem for), por vias quaisquer, para fazer seja lá
o que for, de comprar deputados a pagar campanhas. Para tratar um, temos que
dar conta do outro. De todos os outros. E a solução pode ser a virtualização
de um virtual. De um dos virtuais mais "significativos" de todos.

O dinheiro é a virtualização do poder de compra, representado na prática
pelo papel que pode ser transportado e, conseqüentemente, filmado,
fotografado e ouvido a caminho dos bolsos dos ocupantes poder. Ou dos
laranjas do poder. Ou -- não se pode esquecer -- sendo entregue a agentes da
lei, como "cumprimento" de pena por desvios de todo tipo e porte, de excesso
de velocidade a homicídio qualificado. Alguém lá da mesa, que não tem poder
nenhum, notou que nunca ninguém esteve lá na sua repartição para lhe doar
algum. Nem mesmo um "mimo".

Mas dinheiro *é* informação. Pura simples. Olhando "só" para o $.gov, os
reais que entram e saem do .gov, por que não virtualizá-los de uma vez por
todas? Era só pegar o $.gov.br e torná-lo completamente virtual,
informatizado, em suma, transparente, em sua viagem pela economia, até cair
no bolso de pessoas identificadas e certificadas. Assim, a trilha -- e
eventuais descaminhos -- dos recursos públicos estaria exposta. Aberta. Para
todos. Inclusive para as máquinas de controle da corrupção dentro e fora do
governo.

Nenhum controle, neste caso, pode ser total se o universo de controle é
parcial. Quem "ganhou" um contrato público poderia pagar "alguém" com
$.com.br, dinheiro de contratos privados e a trilha esfriaria... Mas só se
quem executasse contratos públicos não houvesse que relatar, em tempo real,
quanto paga e para quem. E, principalmente, o porquê da transação. Para
virtualizar, de vez, o dinheiro, começaríamos pelo dinheiro público e, na
prática, quebraríamos o sigilo das transações financeiras de todas as
instituições pelas quais ele passasse.

A primeira e talvez única regra seria simples: transacionas com o governo?
Muito bem: as contas do governo são (teriam que ser) públicas. As tuas,
fornecedor, têm que ser também. Isso seria uma revolução danada. Mas será
que seria defensável? Dinheiro é algo que se espalha muito rapidamente pela
sociedade, dado que todo mundo precisa dele. E como o governo já seqüestra
mais de 40% do PIB para uso (e estrago) próprio, muito provavelmente em todo
bolso, por aí, há notas que vieram do $.gov.br, passando por só um ou dois
intermediários.

A conclusão, na mesa do bar, é que teríamos que virtualizar *todo* o
dinheiro, para todos. Isso faz sentido? Outro filósofo, com um pouco mais de
álcool no sangue, acha que sim, e bem alto, pois "algo precisa ser feito".
Mas um cético, quieto (com suas doses) até então, remete ao direito à
privacidade (também nas comunicações), garantido na constituição. Segundo
ele (que estava certo) pelo inciso 12 do artigo quinto da Carta Magna, se
dinheiro é "só" informação, que pode ser transferida entre pontos para
remunerar produtos e serviços, esta informação é privativa dos cidadãos que
a criam e dela fazem uso.

Ou seja: tanto para dinheiro real, em notas e moedinhas, ou virtual,
representado por informação sobre nosso poder de compra, vale -- como não
poderia deixar de ser -- a constituição. Mas eis que há um projeto do
senador Eduardo Azeredo tramitando no Senado (e que está para ser votado na
Comissão de Constituição e Justiça) que inventa uma "defesa digital" para
quem se "sinta ameaçado" por agentes informacionais, dando aos primeiros o
direito de interferir nos fluxos de comunicação dos segundos como medida de
"prevenção" contra possíveis "crimes digitais". O senador e seus auxiliares
certamente não estiveram reunidos com a força tarefa lá da minha mesa de
bar. Houvessem participado da discussão, concluiriam que não se pode
conceder, sob hipótese alguma, o direito de "defesa prévia", e pela via do
ataque, contra algo tão pervasivo, na sociedade moderna, como fluxos de
informação.

Quer um exemplo? Pense num pregão eletrônico, uma das formas de compras
governamentais menos sujeitas a questionamentos que há. Faz-se propostas
para fornecer lotes, e todos os agentes estão sujeitos a alguma assimetria
de informação: não conhecem os limites dos outros nem, teoricamente, o valor
arbitrado, pelo comprador, para um lote. Imagine que um vendedor,
beneficiado pela "lei" Azeredo, resolve que outro agente do processo lhe é
hostil e, em "legítima" defesa, acaba obtendo dados outrora protegidos do
mesmo, em função de tê-lo "invadido" para "se proteger". Descobre, por
exemplo, o fluxo de ofertas do outro e, de posse de tal informação, modifica
as suas e ganha a encomenda.

O outro agente, claro, não era hostil. Mas o atacante, questionado a
posteriori, dirá que tinha todas as evidências (inclusive as plantadas por
ele mesmo?...) para demostrar que era e, de tal forma, entendeu sustentável
seu direito de agir. Daí até que alguém prove que Jesus não é Genésio,
haverá falências e talvez violências e a "lei" Azeredo, além de não ter
servido para nada, terá complicado, e muito, todo o processo. E isso porque
era uma comprazinha governamental. Agora imagine bancos guerreando uns
contra os outros. Ou empresas. E, claro, pessoas físicas.

Pior ainda é imaginar que uma proposta de lei que pode ter tamanho impacto
social já tenha sido aprovada na Comissão de Educação do Senado. Alguma
coisa está errada: como é que algo que quase claramente viola um artigo da
Constituição não começa sendo discutido na Comissão de Constituição e
Justiça? Coisas do Brasil.

O exemplo usado aqui, de informação como dinheiro, é apenas um dos muitos
que veremos nesta sociedade da informação que ainda está começando. O
senador deveria, com sua equipe, pensar neste e em outros possíveis exemplos
e, humildemente, retirar o projeto de circulação. Reconhecer erros, ainda
mais a partir do clamor da sociedade, não é uma fraqueza e sim uma virtude
muito louvável dos verdadeiros homens públicos. No lugar da "defesa
digital", bem que o senador poderia propor um aumento radical de
transparência das compras, contas e homens públicos de todos os poderes.
Públicos, as instituições e pessoas já são. Que tal, em benefício de uma
maior simetria de informação, passarmos a saber de tudo sobre um de seus
particulares fluxos de informação, o de dinheiro?...

Silvio Meira
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