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RÁDIOS COMUNITÁRIAS
O coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)
Por Venício A. de Lima e Cristiano Aguiar Lopes em 26/6/2007
As rádios comunitárias existem entre nós desde a década de 1980, muito
antes de serem regularizadas em 1998. Mais recentemente elas têm ocupado
com freqüência as páginas e o espaço da grande mídia. Delas se tem
notícia por supostas interferências no nosso caótico tráfego aéreo ou
quando a Polícia Federal e a Anatel (Agência Nacional de
Telecomunicações) executam as constantes ordens de apreensão de
equipamentos transmissores e a prisão de operadores de rádios
não-legalizadas.
As rádios comunitárias legalmente autorizadas, exploradas por
associações e fundações, deveriam ser um dos mais importantes
instrumentos para a efetiva democratização da comunicação no Brasil.
Nelas deveria ser exercido o direito à comunicação por aqueles que, em
geral, não o têm – até porque, muitas vezes, o desconhecem.
Infelizmente, não é o que acontece.
Primeiro, porque a lei que regularizou as rádios comunitárias é
excludente. Ela mais dificulta do que facilita o exercício do direito à
comunicação. E, segundo, porque o processo de outorga para funcionamento
de uma rádio comunitária é um interminável e tortuoso caminho que poucos
conseguem percorrer. Existem milhares de pedidos de outorga aguardando
autorização para funcionamento no Ministério das Comunicações.
Prática corriqueira
A hipótese de que as rádios comunitárias se transformaram em instrumento
de barganha política, configurando uma prática a que chamamos de
"coronelismo eletrônico de novo tipo", foi a orientação básica para o
desenvolvimento da presente pesquisa – uma realização do Instituto Para
o Desenvolvimento do Jornalismo (Projor), com apoio da Fundação Ford.
Clique aqui para ter o relatório final da pesquisa "Rádios
comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)" [arquivo
PDF; 1,72 MB]
Durante mais de 18 meses trabalhamos na construção de um banco de dados
com informações sobre 2.205 rádios autorizadas a funcionar pelo
Ministério das Comunicações (isto representa 80,44% das rádios que já
haviam sido autorizadas até janeiro de 2007).
Em seguida, conseguimos realizar uma série de levantamentos com dados
aos quais não se tem acesso público, dentre eles: estatísticas
referentes ao número de processos autorizados pelo Ministério das
Comunicações e aos processos encaminhados pela Presidência da República
– Casa Civil/Secretaria de Relações Institucionais (SRI) ao Congresso
Nacional; quadro estatístico com o número de outorgas concedidas
individualmente pelos ministros que ocuparam o Ministério das
Comunicações durante o período estudado; cálculo do tempo médio de
tramitação dos processos na Presidência da República – Casa Civil/SRI;
cruzamento dos dados referentes aos tempos de tramitação na Presidência
da República – Casa Civil/SRI com os dados do banco de dados "Pleitos"
(programa de cadastro e apreciação dos pedidos de “acompanhamento de
processo” encaminhados por políticos ao Ministério das Comunicações); e
cruzamento dos nomes dos representantes legais e membros das diretorias
das rádios comunitárias analisadas com as seguintes listagens:
(a) candidatos eleitos e derrotados nas eleições municipais de 2000 e 2004;
(b) candidatos eleitos e derrotados nas eleições estaduais e federais de
1998, 2002 e 2006;
(c) doadores de campanha nas eleições de 2000, 2002, 2004 e 2006;
(d) membros de partidos políticos;
(e) arquivos de publicações editadas nos municípios na qual operam as
rádios comunitárias; e
(f) lista de cotistas, sócios, diretores e membros de diretorias de
entidades de radiodifusão comercial, educativa e comunitária.
Os principais resultados obtidos confirmam a existência de um quadro
alarmante no setor: a maioria das rádios comunitárias funciona no país
de forma "irregular" porque não logrou ser devidamente autorizada; e,
entre a minoria autorizada, mais da metade opera de forma ilegal.
Entre as 2.205 rádios pesquisadas, foi possível identificar vínculos
políticos em 1.106 – ou 50,2% delas. Embora exista uma variação
considerável nesses vínculos entre os estados, o mesmo não acontece
quando se comparam as regiões. Os cinco estados nos quais encontramos
maior índice de vínculo político (Tocantins, Amazonas, Santa Catarina,
Espírito Santo e Alagoas) representam o Norte, o Sul, o Sudeste e o
Nordeste, quatro das cinco regiões brasileiras. Trata-se, portanto, de
uma prática política nacional.
Descaminhos burocráticos
Identificamos, também, um número considerável de rádios comunitárias com
vínculos religiosos: 120 delas, ou 5,4% do total. O domínio desses
vínculos é da religião católica, com 83 emissoras, ou 69,2%; 33
emissoras, ou 27,5%, eram ligadas a igrejas protestantes; 2 emissoras,
ou 1,66%, a ambas as religiões; 1 à doutrina espírita e 1 ao umbandismo.
Ainda que significativo, o resultado obtido certamente subestima a
verdadeira prevalência de vínculos religiosos. As únicas fontes
possíveis de informação eram noticiários, páginas oficiais das igrejas,
informações contidas nos próprios estatutos das entidades ou as
denominações "pastor" e "padre" nos nomes utilizados nas urnas pelos
candidatos nas eleições pesquisadas.
Finalmente, comprovamos a existência de duplicidade de outorga em 26
emissoras – ou 1,2% das associações ou fundações comunitárias.
Duplicidade significa a existência de ao menos um integrante da
diretoria da rádio comunitária pertencente à diretoria de uma outra
concessionária de radiodifusão educativa, comercial ou comunitária –
algo proibido por lei. Em termos proporcionais, destacaram-se os estados
de Mato Grosso, com 4,6% de duplicidades; Minas Gerais, com 2,1%; Rio de
Janeiro, com 1,9%; Goiás, Mato Grosso do Sul e Pernambuco, com 1,8%.
O conjunto de resultados confirma a hipótese central da existência de um
"coronelismo eletrônico de novo tipo" envolvendo as outorgas de rádios
comunitárias.
Já no início do processo de obtenção da outorga no Ministério das
Comunicações fica claro que a existência de um "padrinho político" é
determinante não só para a aprovação do pedido como para a velocidade de
sua tramitação.
Na etapa seguinte – o Palácio do Planalto – alguns processos foram
acelerados enquanto outros foram retidos sem qualquer razão de ordem
técnica que justificasse tal procedimento. Na prática, o resultado é a
outorga de rádios comunitárias para algumas entidades e a não-concessão
para outras.
Conseqüências perversas
Finalmente, os dados revelam que existe uma intensa utilização política
das outorgas em dois níveis: no municipal, em que elas têm um valor no
"varejo" da política, com uma importância bastante localizada; e no
estadual-federal, no qual se atua no "atacado", por meio da construção
de um ambiente formado por diversas rádios comunitárias controladas por
forças políticas locais que devem o "favor" de sua legalização a um
padrinho político.
Dos 1.106 casos detectados em que havia vínculo político, exatos 1.095
(99%) eram relativos a um ou mais políticos que atuam em nível
municipal. Além disso, todos os outros 11 casos restantes são referentes
a vínculos com algum político que atua em nível estadual ou candidatos
derrotados a cargos de nível federal. Não houve nenhum caso detectado de
vínculo direto entre emissoras comunitárias e ocupantes de cargos
eletivos em nível federal.
Confirmou-se, portanto, que o histórico vínculo entre concessões de
radiodifusão e políticos profissionais [ver "Representação do Projor à
Procuradoria Geral da República"] continua existindo na radiodifusão
comunitária. Mas, agora, de forma inédita: é a municipalização do
vínculo entre emissoras de radiodifusão e políticos profissionais por
intermédio do "coronelismo eletrônico de novo tipo".
Quando se discute a digitalização do rádio e que se torna mais clara a
necessidade de modificações no atual marco regulatório da comunicação
eletrônica de massa, os resultados desta pesquisa, além de confirmar a
prática política de um "coronelismo eletrônico de novo tipo", fazem
emergir um panorama sombrio com conseqüências perversas para a
consolidação da democracia brasileira. Conhecer este cenário é condição
indispensável para transformá-lo.
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