Notei que foram publicados na lista 2 artigos do Eliakim, mas faltou o texto "do meio" (a resposta da TV Globo ao primeiro artigo, que deu origem ao segundo). Então passarei a publicar, em ordem:
o primeiro artigo do Eliakim, a resposta da Globo e a tréplica de Eliakim.

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Série Eliakim Araújo

Primeira mensagem: o texto original do Eliakim

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A Globo se rende a Brizola
23/06/2004

Eliakim Araújo

Eu estava na TV Globo durante o primeiro mandato de Leonel Brizola à frente do governo do Estado do Rio. Entrei em maio de 83, pouco depois da posse do novo governo, e o jornalismo da Globo passava por uma grave crise de credibilidade, com seus repórteres e carros ameaçados nas ruas pela população. Pesava sobre a emissora a acusação de, junto com a Proconsult, empresa contratada pelo TRE para apurar os votos da eleição direta para governador do Estado, em 1982, tentar fraudar o resultado para dar a vitória a Moreira Franco, o candidato do regime militar, apoiado pela família Marinho.

Vale esclarecer, para quem não se lembra ou para os mais jovens – que volta e meia mostram curiosidade em saber o que aconteceu de fato naquela eleição do final de 1982 -, que a emissora dos Marinho não tinha simpatia por Brizola, visto pela direita como um perigoso agitador que voltava de um exílio de 15 anos, decidido a recuperar seu lugar na política brasileira que os militares de 64 lhe haviam cassado.

Pois bem. Moreira era forte no interior e Brizola dominava o eleitorado na cidade do Rio de Janeiro. A Globo passou a priorizar a divulgação dos números do interior e já no final do primeiro dia de apuração os matemáticos da Proconsult estimavam a vitória de Moreira pela apertada diferença de 60 mil votos. Só que a Rádio Jornal do Brasil (Procópio Mineiro era o diretor de jornalismo) tinha montado um esquema com estagiários que somavam os votos do interior e da capital nos próprios mapas do TRE. E, com apenas dois por cento dos votos apurados, a JB já projetava a vitória de Brizola.

Com base nos números da Rádio JB, Brizola botou a boca no trombone e questionou, ao vivo, o então diretor de Jornalismo da Globo, Armando Nogueira, sobre a discrepância entre os números que a emissora divulgava, com base na Proconsult, e os números reais colhidos nos mapas do TRE. Quase um mês depois, o TRE divulgava os números oficiais dando a Brizola a tranquila vitória com 34 por cento dos votos.

A Globo nunca o perdoou e preparou-se para dar troco. Durante todo primeiro governo Brizola (1983/86), os noticiários da emissora sistemáticamente divulgavam os números da violência no Rio, responsabilizando o governador por um crescente fenômeno social que hoje é a maior preocupação da sociedade brasileira. Mas não importava, o negócio era responsabilizar o governador do Estado. Os leitores mais velhos devem lembrar do velho Cid Moreira, com sua poderosa voz, anunciando diariamente em manchete no Jornal Nacional: “A violência no Rio”. Sem contar que, muitas vezes editoriais do jornal O Globo contra o governador eram lidos na íntegra na TV. Um verdadeiro massacre que daria frutos em futuras eleições.

A vingança do império veio na eleição presidencial de 1989. Brizola era o favorito nas pesquisas. A Globo abraçou firmemente a candidatura Collor, um quase desconhecido ex-governador de Alagoas. Collor, com muito dinheiro e uma excelente equipe de marketing, criou o slogan de caçador de marajás. Comprou, de pequenas legendas, dois programas eleitorais de uma hora e ganhou de presente da emissora dos Marinho um Globo Repórter inteiramente dedicado a ele e à sua “caçada implacável aos marajás”. Os institutos de pesquisa começaram então a reverter a tendência do eleitorado, e em julho de 89 Collor disparava na frente, com o segundo lugar disputado voto a voto entre Lula e Brizola. No final, Brizola perdeu para Lula o direito de enfrentar Collor no segundo turno. Para se ter uma idéia, em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, Brizola teve só meio por cento de votos. Tivesse ele tido mísero um por cento dos votos paulistas e ele estaria no segundo turno contra Collor. E aí, com certeza, a história do Brasil seria outra.

O que vi no Jornal Nacional da última terça-feira soou-me como um pedido de desculpas da emissora ao líder desaparecido. O tempo gasto com a cobertura da morte, desde o velório no Rio aos depoimentos de políticos em Brasília, a presença de um dos Marinho junto ao caixão, tudo pareceu uma penitência por tantas injustiças cometidas. Nos textos dos repórteres da Globo encontrei expressões como “Brizola, até o último momento, foi fiel às suas idéias e ao trabalhismo”, ou esta outra “ele dedicou sua vida política ao Brasil”. 

Mais do que um comentário, a coluna de hoje é um relato histórico do que testemunhei nos meus anos de Globo. Peço que os leitores me perdoem por trazer a público os fatos acima, muitos já do conhecimento geral. Mas é importante que a história reconheça o bravo guerreiro que ousou enfrentar o império e por isso não conseguiu galgar o mais alto posto da política brasileira. Brizola tinha dessas coisas, gostava de enfrentar poderosos e respeitar os humildes e excluídos pela sociedade. Coisa de uma geração de políticos, cujo ciclo se encerra com ele.

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Texto publicado originalmente no site Direto da Redação (de Eliakim Araújo e Leila Cordeiro)
http://www.diretodaredacao.com/diretodaredacao/pub/materia.asp?Foto_pequena=http%3A%2F%2Fwww%2Ediretodaredacao%2Ecom%2Fdiretodaredacao%2Fimages%2Ffoto%5Fpequena%2Feliakimaraujo%2Egif&Chamada=A+Globo+se+rende+a+Brizola%2E+Um+relato+hist%F3rico+das+diverg%EAncias+entre+Marinho+e+Brizola%2C+que+impediu+o+l%EDder+pol%EDtico+de+alcan%E7ar+a+presid%EAncia+da+rep%FAblica+em+1989%2E

Depois reproduzido no portal Comunique-se:
http://www.comunique-se.com.br/conteudo/newsshow.asp?op2=&op3=&editoria=237&idnot=16646

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(continua em outro e-mail)


PAULO GUSTAVO SAMPAIO ANDRADE
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