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http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/sd.htm | Urna eletrênica: lei eleitoral 

A Seita do Santo Byte

Prof. Pedro Antonio Dourado de Rezende 
Departamento de Ciência da Computação 
Universidade de Brasilia 
15 de Setembro de 2003

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Dirijo-me aos cidadãos e cidadãs do meu país com mais um alerta, sob o peso 
de uma responsabilidade com que me investiu o presidente da República. A de 
representar nossa sociedade no órgão de Estado encarregado de normatizar 
sobre segurança na informatização dos seus processos, a ICP-Brasil. 
Nosso futuro democrático está sob ataque. Corremos o risco de virmos a ser 
governados por uma dinastia, com os que estão no poder vindo a eleger, com ou 
sem a verdadeira maioria dos votos, os seus sucessores, no segundo caso e com 
a devida cautela impunemente. Estamos retrocedendo às condições que fizeram 
eclodir a revolução de 1930. A nação, anestesiada, parece desconhecer o 
perigo que está correndo. Os meios de comunicação, com honrosas exceções, 
omitem-se, como se o assunto não fosse merecedor de nossa preocupação, ou com 
o verbo indo atrás da verba. 

A razão desse alerta é a encruzilhada em que se encontra o nosso processo 
eleitoral, baseado nas urnas eletrônicas e na informatização completa do 
sistema, num momento em que os poderes da República testam novos níveis de 
fricção. Com esta informatização, não mudam apenas a maneira de se registrar 
e de se contar o voto de cada eleitor. Muda também a forma de se fiscalizar 
eleições, cuja eficácia é a matéria prima da confiabilidade em todo o 
processo. O direito de qualquer parte interessada em fiscalizar uma eleição 
passa a requerer novas disposições, técnicas e jurídicas, já que os meios 
para a fiscalização se transformam ainda mais radicalmente do que os meios de 
registro e contagem de votos. 

Quando o voto era em cédulas de papel, a fiscalização não requeria mais do 
que um batalhão de observadores atentos à possivel burla dos interesses que 
representam, durante as várias etapas do processo: preparação, sufrágio, 
apuração e totalização. Eficácia se traduzia em quantidade de olhos atentos, 
pois qualquer ato falho de fiscalização poderia comprometer uma pequena 
quantidade de votos válidos. E pequenas quantidades, somadas muitas vezes, 
poderiam compremeter o resultado da eleição. 

Com a informatização, a fiscalização passa a requerer mecanismos de auditoria 
com características radicalmente distintas dos mecanismos anteriores, pois 
agora o que precisa ser fiscalizado são processos informáticos, dos quais a 
tela do computador só mostra o que o autor do software quiser. Um batalhão de 
observadores, atentos agora ao que se lhes faz visível nessas telas, será 
quase certamente inútil. 

O grande desafio, para quem, sob o pressuposto da honestidade e fidelidade de 
princípios, se põe a planejar a informatização do processo, passa a ser o de 
conceber mecanismos eficazes de fiscalização que não requeiram conhecimentos 
técnicos em demasia, quer dos fiscais, quer dos juízes, e que não comprometam 
outros aspectos da confiabilidade do sistema, enquanto atenuam novos fatores 
de escala no perfil dos riscos, próprios da informatização mesma. 

Ninguém quer menosprezar ou denegrir os benefícios desta informatização, que 
agiliza o registro e a contagem dos votos. Mas alguém precisa lembrar ao 
leitor, e ao eleitor, que esses benefícios, como quaisquer outros, têm seu 
preço. E o preço, neste caso, é alto, pois, com a informatização completa, a 
eficácia fiscalizatória do processo eleitoral torna-se o nó górdio da 
modernização democrática. 

Mesmo que os partidos possam, por exemplo, examinar o código-fonte dos 
programas que constituiriam o software do sistema eleitoral, se não puderem 
saber, por meios próprios, se tais programas são exatamente os mesmos usados 
nos computadores durante a eleição, todo o esforço fiscalizatório torna-se 
equivalente a um mero ato lúdico, como o de mágicos e palhaços no picadeiro 
de um circo. Mas com uma diferença extremamente perigosa, que é a descrença, 
ou o desconhecimento, da natureza lúdica do ato. 

Qualquer informatização traz, como contrapartida a seus benefícios, um efeito 
amplificador de riscos, pois qualquer pequeno ato falho na fiscalização pode 
agora comprometer, em larga escala, a confiablidade do sistema como um todo. 
Este seria o verdadeiro desafio de uma Justiça Eleitoral ocupada com a 
modernização dos seus processos, pressupondo que sua missão não muda pelo 
simples fato de assim ocupar-se. 

Mas, diante desse desafio, a Justiça Eleitoral brasileira vem tomando um rumo 
totalmente oposto ao que dela espera um cidadão de boa fé, que acredita na 
preservação da natureza democrática do nosso ordenamento jurídico, ao longo 
da aventura modernizante da nossa sociedade. Isto porque ela vem dando 
sinais, cada vez mais inequívocos, de sua disposição em forçar mudanças na 
natureza da sua missão, à guisa de uma auto-proclamada necessidade de 
comandar a modernização do processo que lhe cabe regular, executar e 
controlar,  processo que sustenta nosso regime democrático, pondo em risco, 
com tal guinada, a própria natureza deste regime. 

Enquanto os países maduros em democracia caminham no sentido de buscarem a 
informatização eleitoral de forma a permitir ao eleitor verificar, por si 
mesmo, a correta tabulação do seu voto, o Brasil vai na contramão, com o 
agente responsável tentando suprimir qualquer possibilidade de conferência ou 
recontagem dos resultados, apelando, de formas tanto sutis quanto grotescas, 
para uma cega crença alheia em sua pretensa infalibilidade e isenção 
intestável. 

Segurança computacional é assunto técnico especializado e complexo, e assusta-
nos a falta de seriedade com que nossa votação eletrônica, pseudo-moderna, 
tem sido tratada, nos três Poderes, por desconhecedores da matéria. Ministros 
do TSE, autoridades em suas áreas porém leigos nas ciências afetas à 
computação, têm afirmado publicamente que nosso sistema é confiável, seguro, 
orgulho da engenharia nacional, enquanto, infelizmente, nada disso é verdade. 

Dizer que a eleição de Lula é prova da segurança de nosso sistema eleitoral e 
da lisura dos seus resultados é sofisma. Mais do que isso, é ofensa ao bom 
senso de quem conhece os meandros da informática e das sombras que se 
projetam da natureza humana. Lula pode ter sido eleito, noutra hipótese, 
através de um sistema inauditável que lhe atribuiu quarenta e um mil votos 
negativos na terceira hora de apuração do primeiro turno, devido à combinação 
de dois fatores: votos suficientes e uma certa relação entre riscos, na qual 
um deles mataria a galinha de ovos de ouro de um sistema inauditável, porém 
crível para a maioria da sociedade, regulamentado, projetado, operado, 
controlado e julgado em seus resultados por um mesmo e único agente. 

Nosso sistema é hoje intrinsecamente fraudável, e nenhuma quantidade de 
sofismas, falácias e ataques ao mensageiro desse alerta pode alterar tal 
fatalidade. Nada impede que o software do sistema possa ser furtivamente 
modificado para identificar ou alterar o voto de qualquer eleitor, já que a 
Justiça Eleitoral resiste, de maneiras cada vez menos nobres, à demanda 
fiscalizatória para que potenciais vítimas tenham -- e exerçam se tiverem a 
devida competência -- o direito de conhecer a lógica e o modus operandi desse 
sistema, e de, conhecendo, denunciar eventuais falhas. 

Não há nada de mal que vejemos, como querem os otimistas, nosso sistema 
eleitoral tal qual plataforma de lançamento das modernidades democráticas, 
cobiçada pelo mundo afora. Mas seria imprudente ignorar, ancorando-se em 
arroubos de emocionalidade e tosco ufanismo, que por trás das maravilhas 
mostradas por holofotes e câmeras escondem-se erros, falhas, deficiências e 
vulnerabilidades no projeto, no controle e na fiscalização do mesmo, que 
podem levar nossa democracia a se desmoronar, queimando seus heróis numa 
grande fogueira. 

Seria este alerta uma mórbida tentativa de aviltar a honrosa memória dos 
nossos heróis de Alcântara, para promover a cizânia? O autor não pode impedir 
que julgem seus motivos, mas pode oferecê-los do seu íntimo. Este alerta se 
deve à novidade do "registro eletrônico do voto", com o qual o TSE, e seus 
acólitos-legisladores, pretendem desbancar as medidas fiscalizatórias em 
vigor, prestes a ir às derradeiras e sorrateiras votações no Congresso 
Nacional. 

De que se trata? Tal novidade pretende trocar o atual boletim de urna, 
contendo o registro eletrônico dos totais de votos sufragados por candidato 
na sessão eleitoral, por uma lista embaralhada de registros individuais 
desses votos. Só que pelo mesmo software, desconhecido das potenciais vítimas 
de eventuais burlas nele inseríveis, e praticáveis, quer seja sobre os totais 
dantes somados, quer seja sobre a lista de votos que agora se pretende 
embaralhar e registrar, antes que ganhem, totais ou listas embaralhadas, a 
luz da vista alheia, com ou sem assinatura digital. 

Fiscalização de eleição informatizada é dos maiores desafios do nosso tempo. 
Auditoria de software não é o conhecimento de programas gravados em CD e 
armazenados nalgum cofre do Judiciário, como dá a entender meia página de 
anúncio pago pela Microsoft no maior jornal de Brasília, em dias corridos da 
semana passada. É o conhecimento e a validação da totalidade do software 
realmente envolvido, direta ou indiretamente, no registro e na contagem de 
votos de uma eleição verdadeira, por quem de legítimo interesse. O que 
aconteceria se o software que está no cofre, e o que está nos computadores da 
eleição, não forem idênticos, como mostrou uma perícia no processo de 
anulação da eleição de 2000 em Camaçari, Bahia? 

Na situação atual, nada. Nada se prova e nada ocorre, pois a Justiça 
Eleitoral -- que julga seus próprios atos -- os anuncia idênticos, e pronto. 
Na verdade algo sim, bastante sutil, ocorre. O anúncio é oferecido como se 
fosse o mistério da eucaristia pós-moderna. A palavra mágica é "tecnologia". 
Quem absorve pelos olhos, de uma tela de computador em Brasília, o código 
fonte que emanda de uma óstia-CD, precisa crer que este ato transmutará o 
código visto em programa que estará executando nas urnas e tribunais 
eleitorais espalhados pelo Brasil, para nos salvar de todo o mal eleiçoeiro, 
e nos abençoar com uma apuração quase instantânea. Enquanto diáconos e 
acólitos, junto com outros políticos de fino trato, em coro cantam amém. 

De que serve a esses fanáticos jurarem de pés juntos que o sistema é 100% 
seguro, a cada insersão de novos penduricalhos tecnológicos inauditáveis na 
urna, como agora querem com firmware importado para assinatura digital? Trata-
se de uma medida cara que não garante lisura nenhuma a terceiros, e que, sob 
a perspectiva de riscos desses terceiros, apenas introduz mais um elemento 
obscuro, mais um canto onde "botões macetosos" podem ser acoitados, 
recontaminando todo o sistema com mais obscurantismo. E elevando as despesas, 
contrariamente à justificativa com que se pretende introduzir mais essa 
mágica modernosa, ao invés de diminuí-las. De que servem as juras? Simples. 
Servem para manter a fé dos crentes da seita do santo byte, e a 
incredulidade -- ou a hipocrisia -- dos demais. 

Destarte, não há razão para que a urna eletrônica continue recebendo o número 
do título de eleitor para liberar o mecanismo de votação, se o voto deve ser 
secreto. Desta forma, o sistema é capaz de identificar o meu, o seu, o nosso 
voto, para aqueles que manipulam suas entranhas, o corpo espiritual da santa 
urna. O voto secreto no Brasil, hoje, é mera ficção: nós o teremos na medida 
em que os controladores do sistema o permitirem, na intimidade e no mistério 
da sua discrição. 

Os que decidem que o sistema deve ser assim são pessoas que não entendem de 
segurança computacional. São pessoas que poderiam, no mínimo, afirmar, a 
partir do bom senso que os levam a conhecer a natureza humana e a 
informática, esta nos limites da sua competência até aqui demonstados, que o 
sistema, assim, é seguro contra fraudes externas apenas, e apenas para quem 
detém o seu controle (se houver fraude bem feita, interna ou externa, estará 
no arbítrio de quem controla o sistema desvelá-la: se mal feita, terá sido 
acidente). Em outras palavras, o sistema é seguro, sim, mas apenas para 
aqueles que assim afirmam, qualquer que seja o seu verdadeiro propósito. Eles 
não mentem, desde que continuem omitindo o complemento verbal das suas juras 
de segurança. 

Para o eleitor o sistema é, claramente, 100% inseguro, pois os programas do 
sistema podem ser ligeiramente alterados para "eleger" desde vereadores até o 
próprio presidente, com tais desvios podendo ser introduzidos por uma única 
pessoa, com acesso e conhecimento privilegiados e no devido momento, 
independente do espetáculo místico-midiático onde algum software é mostrado 
aos partidos sessenta dias antes da eleição, em meio a holofotes e câmeras de 
TV, à guisa de se "permitir a auditoria". 

Iniciativas visando tornar arriscado o acesso furtivo que introduz burlas no 
software, para quem o acesso capaz de modificar software se justifica, ao 
contrário de iniciativas visando tornar obscuro os acessos justificados, para 
quem se prejudicaria com burlas no software, é o que falta para se ter um 
mínimo de "segurança do eleitor". O TSE jamais aceitou convites para debater 
tecnica e publicamente a segurança do sistema, pois sabe das suas 
inseguranças internas. Nenhum estudo isento e independente sobre sua alegada 
confiabilidade, sem subjetivismos, foi feito até hoje. 

O próprio estudo de um grupo da Unicamp (pago pelo TSE), parcial e pleno de 
ressalvas, recomendou vários procedimentos como condição para se estabelecer 
níveis recomendados de segurança para o processo, omitidos na propaganda 
sobre as maravilhas da urna, e agora defenestrados pelo projeto do senador 
Azeredo, caracterizando verdadeiro engodo a sua invocação em juras de 
segurança. Se o sistema algum dia cair sob o controle de pessoas desonestas, 
estas poderão eleger quem desejarem, e políticos interessados saberão onde e 
como sua eleição poderia ser garantida. 

Doutra feita, confiar apenas nas pesquisas eleitorais é perigoso, pois 
sabemos que pesquisas podem, também, ser manipuladas. Os registros dos 
métodos de pesquisa no TSE, por exemplo, revelam que estas são "auto-
ponderadas". Auto-absolvição? Além disso, se as diferenças entre candidatos 
for mesmo pequena, as pesquisas nada representam para efeito de validação de 
resultados. Confiar nas pesquisas como única salvaguarda, como pregou o 
diácono FHC ao declarar que "a mídia é quem fiscaliza as eleições", incitando 
a Justiça à desobediência ao artigo 66 da lei 9604/97 (então em vigor), 
apenas eleva o custo, e com ele as barreiras de entrada ao negócio, do 
ilícito através de possíveis e eventuais burlas no software eleitoral. E 
finalmente, se o risco de exposição de eventuais burlas for pequeno, este 
fato atrairá a cobiça de ambições fundas e escrúpulos rasos ao controle do 
sistema. 

Não existe sistema informatizado imune a fraudes. A proteção possível será 
através da combinação equilibrada de salvaguardas técnicas, transparência e 
auditabilidade onde necessárias, contemplando suficientes direitos àqueles 
que possam ser prejudicados pelas possibilidades de burlas invisíveis, 
constituindo-se esses na sua cidadania. No caso em tela, os direitos dos 
candidatos e do eleitor. Mas esses direitos estão sendo pisoteados a 
achincalhados por quem, na posição de administrador dos mesmos, se faz de 
desentendido das tais possibilidades, enquanto posa de vestal. 

São os mesmos que, no poder, não reconhecem, ou desdenham, as forças sociais 
que fizeram eclodir a revolução francesa, a revolução de 1930, e o movimento 
global contra a erosão do Direito provocada pelo fundamentalismo de mercado, 
dogma que prega o predomínio global do poder do capital como bem supremo. 
Este poder tem por missão, impessoal e instintiva, a destruição do conceito 
de bem público, e como bem público se pode classificar os direitos de 
cidadania. O fundamentalismo de mercado tenta transmutar os direitos de 
cidadania, nascidos da revolução francesa, em mecanismos legais de premiação, 
direta ou indireta, da avareza humana. 

"Nenhum sistema é mais fiscalizado do que o nosso sistema eleitoral 
informatizado", proclamou, antes da eleição de 2002, como "prova" da total 
segurança e lisura do dito, uma autoridade eleitoral, das que reagem 
agressivamente a qualquer crítica ou à mera insinuação de inconsistência, 
como se fossem heresias. Pode ser que sim. Mas é verdade mais certa, e esta 
bem mais significativa, que nenhum sistema é mais mal fiscalizado, apesar do 
que diga a seita do santo byte. 

Até aqui, a fiscalização desse sistema vem se constituindo em mero espetáculo 
lúdico, ou um ritual místico sem nenhuma eficácia ancorável na ciência da 
computação. Por mais pomposo que seja o espetáculo, ou por mais credulidade 
que inspire o rito, são, de qualquer forma, absolutamente incompatível com os 
valores em jogo, mesmo numa sociedade que mede seus valores pelo próprio 
espetáculo ou pelo vigor dos seus mitos. O episódio da sessão paralela de 
cinema, promovido por um privilegiado fiscal de partido em 9 de agosto, co-
extensivo e concomitante ao ato final da "cerimônia de auditoria" do sistema, 
dois meses antes do primeiro turno de 2002, bem o ilustra. E as ilustrações 
não para por aí. 

Segundo a diretoria técnica da empresa vencedora da correspondente licitação, 
o TSE teria especificado, para a eleição de 2002, para uma experiência 
voluntária "de teste" com a medida fiscalizatória do voto impresso, que as 
impressoras fossem fornecidas com um selo de lacre sobre a greta por onde os 
votos seriam ejetados. E que o TSE teria se esquecido de avisar aos técnicos 
que teriam que lacrar o saco de coleta de votos à impressora montada na urna, 
na montagem da "experiência", para que antes retirassem o selo de lacre da 
greta. Esqueceu-se. Resultado, conforme relatório que o TSE elaborou e enviou 
ao congresso, por iniciativa própria, sobre a tal experiência 
voluntária: "Alta porcentagem de falhas", sem maiores explicações. 

O TSE licitou mais de 70 mil dessas impressoras, montou cerca de 50 mil delas 
em urnas eletrônicas, e distribuiu vinte e poucas mil nas sessões eleitorais 
escolhidas para a experiência. Essas sessões também tiveram, em sua maioria e 
em média, cadastros de eleitores inchados. Coincidência. O TSE também 
programou essas urnas para requererem um clique a mais no botão "Confirma", 
ou esperar três minutos antes de liberar o voto para o próximo eleitor. Mas 
esqueceu-se de avisar, através de sua milionária campanha educativa, aos 
eleitores "premiados" com o direito de ver seu voto insculpido em meio 
indelével, da necessidade desse segundo clique. Esqueceu-se. Resultado, no 
tal relatório: "Longas filas e eleitores confusos", sem maiores explicações. 

E finalmente, o tal relatório declara: a experiência mostrou que tal 
medida "nada acrescenta à segurança do sistema". Resta perceber que 
acrescentaria se pudesse ser usada. Por exemplo, na útima eleição do DF, 
totalmente "premiada" com a tal experiência, vencida por pequena margem e 
contestada no seu resultado eletrônico. Mas quem teve dúvidas sobre o 
resultado, contestou e solicitou a recontagem dos votos impressos junto ao 
tribunal regional, teve seu pedido negado por unanimidade "para não atingir a 
credibilidade das eleições". Afinal, era apenas um teste! 

Até falsos boatos teriam sido injetados, em círculos políticos não premiados, 
dando conta de que tal medida fiscalizatória é perigosa pois o eleitor 
poderia, com ela, vender seu voto. Como seria isso possível, se ninguém pode 
ver votos alheios impressos, mesmo contestando no tribunal o resultado da 
eleição?  Vade retro! 

Tampouco é verdade o que noticiou o telejornal da Record de 13/09, de que a 
impressão voto terá que ocorrer em todas as urnas, já na eleição de 2004, se 
a lei eleitoral em vigor não for revogada. Durante sua aprovação em 2001, o 
TSE fez lobby para incluir na lei dispositivo que lhe faculta escolher o 
ritmo em que tal medida viria a ser inplementada. O TSE, querendo, poderá, 
sem ferir a lei atualmente em vigor e com o mesmo orçamento da eleição de 
2002, fazer a impressão dos votos nas mesmas sessões eleitorais "premiadas" 
naquela ocasião. Mas o TSE quer algo mais. 

Quer, agora, justificando-se com este relatório, defenestrar as medidas 
fiscalizatórias estabelecidas autonomamente e a duras penas pela legislatura 
anterior, que, assustada com as repercussões do escândalo no painel do 
senado, enfrentou e venceu o mesmo lobby. Venceu mas não levou. E o eleitor, 
em vez de cobrar seus direitos, até agora vem dando a impressão de preferir 
aceitar passivamente, junto com a grande mídia, o papel de tolo nesse jogo 
infeliz, organizado por quem se propõe a "testar voluntariamente" medidas 
fiscalizatórias dos seus próprios atos, realizado através de uma triste e 
vergonhosa execração pública, como se democracia fosse sinônimo de 
conveniência. 

Seria fruto de uma paranóia conspiracionista este alerta? Pode ser que sim. 
Mas se o for, será nisso mais honrado e saudável do que a vassalagem crédula 
ou interesseira, e do que a ingenuidade medrosa ou hipócrita. Pelo menos para 
a dignidade e, quiçá, para o futuro daqueles conceitos pelos quais ainda se 
luta. Conquistados com muito sangue por nossos antepassados, em carnificinas 
que precederam o período das luzes, das quais nasceram, como dignos gêmeos, a 
Cidadania e o Estado Democrático de Direito, e cujos ecos reverberaram na 
nossa revolução de 1930. 

Todo jurista, juiz, advogado ou policial investigador sabe que a 
possibilidade de ocorrência de fraude é inversamente proporcional ao risco de 
punição do infrator, da severidade e da extensão desta punição. Enquanto, em 
sistemas informatizados, o bloqueio à efetiva auditabilidade externa equivale 
à garantia da impunidade para quem o controla. Sendo a parte sobre a qual o 
cientista da computação tem vantagem de aprendizado em relação aos operadores 
do Direito, tal equivalência se faz motivo deste alerta. 

Equivalência que pode ser resumida na constatação de que sistemas 
informatizados sensíveis se tornam propensos à fraude, por parte daqueles que 
o controlam, na medida direta das dificuldades para sua auditoria externa e 
das vantagens que tais ilícitos oferecem. Desnecessário dizer mais sobre 
ambos, no caso. O que pretendem, então, aqueles que fingem em público 
desconhecer essa lei social do mundo hodierno, investidos que foram de amplos 
poderes para proteger a sociedade contra, dentre outros, os seus efeitos? 

Este alerta não é uma acusação, por parte de um irresponsável que não tem 
provas, da ocorrência de fraudes eleitorais. É uma acusação, por parte de 
quem representa a sociedade civil no órgão de Estado que regula a segurança 
na informatização dos seus processos, do cerceamento do direito de se obter 
tais provas, caso fraudes eleitorais ocorram. Mais precisamente, caso as mais 
fáceis formas de fraude ocorram. As provas deste cerceamento estão em 
projetos de leis, em processos e atas do Judiciário e do Legilativo, em 
resumo compiladas e referidas em dezenas de artigos espalhados por vários 
portais na internet, inclusive no site do autor. Examina-as, entende-as e 
valida-as quem quiser. 

A Justiça Eleitoral quer vestir a si mesma com um véu de imaculada, 
sacrossanta e infalível confiabilidade, através da anulação do direito das 
partes interessadas fiscalizarem o processo eleitoral, à guisa da sua auto-
proclamada necessidade de informatizar o processo com "contenção de gastos" 
e "mais modernidade". Quer anular esses direitos, depois de boicotá-los, 
promovendo, através de um estranho lobby conduzido pessoalmente por seus mais 
altos representantes, a substituição do artigo 66 da lei eleitoral em vigor 
(lei 9.504/97) e da medida fiscalizatória do voto impresso, por mais um jogo 
de espelhinhos e protinholas digitais furtivas. 

Mais um balangandã de penduricalhos teconológicos inauditáveis dentro da 
urna, acoplado a uma linguagem capciosa dentro da lei, transformando o 
sistema eleitoral brasileiro em exemplo lapidar do tipo de caixa-preta contra 
o qual nos alerta o presidente da República. Para se ter idéia, o tal projeto 
foi originalmente encaminado pelo senador Azeredo com dispositivo que ditava, 
aos operadores do Direito, ser a assinatura digital inauditável no registro 
eletrônico de votos "para impedir o questionamento do período de votação". 

Doutra feita, não entendemos como juristas e legisladores que se fazem 
ilustres, aparentando acreditarem no que falam, ilocucionam vacuidades com 
tamanha convicção, em áreas que não dominam, áreas alheias ao seu campo de 
atuação, desdenhando o cerceamento aqui denunciado. Ou, pior, quando, pelo 
perfil profissional, deveriam dominar. Não entendemos como a grande mídia 
valoriza tais ilocuções, como se a segurança computacional de sistemas 
informáticos públicos fosse assunto de fé religiosa, ou de foro ínitmo sobre 
gosto individual ou ética atribuída a palpites do que seja modernidade. 

Em particular, às ilocuções de quem propôs a extinção da medida de auditoria 
via voto impresso, através do referido e famigerado projeto de lei, aprovado 
no Senado sem que os senadores ouvissem ninguém a respeito de fora do TSE, e 
depois enviado à Câmara, que tampouco se dispõe a ouvir quem quer que seja 
fora do TSE. Os fanáticos do santo byte acusam seus críticos de "lobbistas", 
e seus argumentos de "politizados", para descartá-los. 

Descartada, doutra feita, a possibilidade de má fé, essas ilustres e 
poderosos senhores demonstram, ultimamente em debate nas respectivas 
comissões de Constituição e Justiça, completa ignorância do assunto, aliada a 
um acerbo conforto com a mesma, real ou fingida, argumentando sem entender 
daquilo que se propõe e se discute, valendo-se de argumentos que, repetidos 
de terceiros e fora de contexto, constituem falácias a se propagar em 
professões de cega fé que seriam cômicas, se não fossem trágicas. Trágicas 
porque não se pode distinguir a ingênua fé no santo byte, da preformance 
cênica interesseira misturada à sua romaria. 

Por que agem assim a maioria dos nossos legisladores? Por que se esforçam 
tanto em nos convencer que a mera mudança do registro do voto de papel para 
bytes transforma aqueles que projetam, operam e controlam o sistema em seres 
angelicais? Estariam tendo visões alucinatórias, depois de alguma beberagem 
pelos ouvidos? 
No dia 17 de Setembro a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos 
Deputados acordou da cantilena dos fanáticos. Deliberou e votou por enviar 
requerimento à mesa da casa, solicitando que lhe seja permitido dar parecer 
sobre o referido projeto, antes de sua submissão ao plenário. 

Elementos do mais alto escalão do Poder Judiciário vêm pressionando deputados 
e senadores para que aceitem, sem questionar, disparetes do jaez contido no 
projeto encaminhado por Azeredo, através de lobby cerrado, tons de desafio 
implícito, barganhas obscuras e insubstanciadas, imiscuindo-se na autonomia 
do Poder Legislativo, a pretexto de protegerem o sistema eleitoral 
contra "hackers", "despesas excessivas" e "velharias". A maioria dos 
pressionados diz amém, sagrando-se diáconos desta estranha seita do santo 
byte. 

Por que o TSE não presta contas das despesas com a execução, "ofercida" 
através de seu sistema, de eleições na Argentina e na República Dominicana, 
antes de execrar, por seus "altos custos", as medidas fiscalizatórias 
conquistadas a duras penas pela legislatura anterior? Quem paga por tal 
generosidade, enquanto aqui se engalfinham muitos de seus atores, empenhados 
em contribuir para estrangular, até à medula, o erário na manutenção dos seus 
privilégios por tempo indefinido? 

Por que altos magistrados pressionam o Poder Legislativo para que não seja 
promovida nenhuma audiência pública sobre tal projeto obscurantista, nem 
mesmo para que especialistas em segurança computacional sejam ouvidos, 
enquanto outros supremos magistrados acusam o presidente da República de 
imiscuir-se na autonomia do Poder Judiciário, com seu alerta sobre caixa-
preta? 

Dois pesos e duas medidas se reserva, assim, o Poder cujo símbolo seria o da 
escala única para administração da Justiça, expresso na figura duma balança 
auscultada por mão guiada por olhos vendados, até em estátua frente ao STF. 
Ao cobrir-se com véu de suposta imaculada e sacrossanta retidão, a Justiça 
Eleitoral se faz cega, e também surda, não mais à influência de interesses 
alheios sobre aquilo que lhe cabe judicar, mas ao nexo causal que guardam 
entre si a possiblidade de fraude e o risco de punição para o fraudador. 

Nexo que, no mundo capitalista, tem força de lei equivalente à da gravidade 
no mundo material, razão do alerta presidencial: fraudes ocorrem em proporção 
direta não só à facilidade da sua execução e ao valor que representam para o 
fraudador, mas também à dificuldade de se produzir provas da sua autoria. É 
como se marchassem esses ilustres senhores, lépidos e faceiros, ouvidos bem 
tapados rumo a um abismo, julgando-se assaz espertos por entenderem 
as "regras do jogo". Poder usa quem tem. 

Ao promoverem intenso lobby a favor de legislação obscurantista, que destrói 
o direito de potenciais vítimas produzirem provas de eventuais ocorrências de 
fraude nas formas mais facilmente perpetráveis através do sistema eleitoral 
em uso, alguns supremos magistrados não só afrontam a autonomia do Poder 
Legislativo, mas o fazem com superlativo agravante: o desrespeito à memória 
cívica de recentes e vergonhosos episódios, como o do painel do senado e o da 
inexplicada votação negativa de Lula no primeiro turno. Ao mesmo tempo em que 
desafiam o presidente da República em sua orientação, como líder supremo da 
nação, para que se dê cabo de injustificadas opacidades no Poder Judiciário. 

O escândalo do painel do senado trouxe à tona, justamente, um mecanismo de 
fraude para quem controla o sistema poder fraudar sem ser incomodado. 
O "botão macetoso" teria sido encomendado, segundo a empresa fornecedora do 
sistema, pelo próprio senado, como parte nova (e oculta) do processo, para 
que funcionários da casa pudessem votar em deliberações senatoriais, em nome 
de senadores ausentes. Note-se que, para o público, dizia-se desse sistema 
haver sido projetado para impedir a ação de senadores "pianistas", que vez 
por outra votavam, sorrateiros mas sob o risco de flagrante por câmeras 
atentas, em nome de colegas ausentes. 

Quem, na sociedade, estava atento, aprendeu do episódio uma boa lição da era 
digital. Uma lição sobre o papel da eficácia fiscalizatória como nó górdio 
daquilo em que nela se trasforma a cidadania. A expectativa de certos 
senadores, de que o sistema do painel de votação de sua casa nunca viesse a 
ser externamente auditado, desfez-se com a cizânia provocada por uma escalada 
na luta interna entre dois caciques, expondo com isso, à sociedade, a 
dimensão dos riscos a que nos expomos ao aceitarmos sistemas informatizados 
inauditáveis, como intermediários no controle do nosso destino coletivo. 

Ao fazerem lobby sobre o Legislativo para que nosso sistema eleitoral se 
transforme de vez, de fato e de direito, em modelar caixa-preta, autoridades 
do Poder Judiciário afrontam sobejamente não apenas a autoridade máxima da 
República, desafiando sua orientação de líder supremo da nação, para que 
nossa sociedade evite os perigos desta perniciosa forma de obscurantismo pós-
moderno. Insultam também a inteligência do cidadão comum, apostando na sua 
incapacidade de aprender lições de cidadania que a História ministra. 

Como as lições do painel do senado, da votação negativa atribuída, por essa 
mesma caixa-preta, ao candidato Lula no primeiro turno em 2002, dos 
vergonhosos espetáculos da execração pública de uma medida fiscalizatória 
antes mesmo que vigisse, encenado pelo próprio fiscalizado, e da capacidade 
articuladora dos seus membros em defesa de particulares e mesquinhos 
interesses entrelaçados ao poder que representam, exibida durante a 
negociação da reforma da Previdência. 

Afrontam os aprendizes da História na expectativa de que suas vozes sejam 
caladas, muitas vezes rotulando-as de retrógradas, paranóicas e 
conspiracionistas. Na esperança de que a sociedade brasileira venha a aceitar 
passivamente a silhueta que pretendem desenhar sobre a instituição que 
representam, cobrindo-a com precário véu de imaculada e sacrossanta retitude, 
precário pois seu significado está sendo tecido com o fio de uma 
indisfarçável inflação de autoridade. 

Mas nem todo cidadão está disposto a confundir esta silhueta com o papel 
desenhado para o Poder Judiciário enquanto Janus, judicador e custodiante do 
processo eleitoral, em nossa Carta Magna. Nem todo cidadão está disposto a se 
calar diante desses abusos. O parlamentar que mereceu o nosso voto, merece 
também saber da nossa opinião e perplexidade a respeito. Os que se curvarem, 
entrarão para a História por uma outra porta, como entraram por distintas 
portas os que se enfrentaram na revolução de 1930. Quanto mais se muda, mais 
igual tudo fica. O discurso da modernidade é disfarce: o que eram livros de 
votação antes de 30, são hoje softwares. O futuro nos espera. 



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v.4 15/09/03 (primeira v. publicada) Consultor Jurídico, 
http://conjur.uol.com.br/textos/21595 
v.5 16/09/03 título: Seita do Santo Byte 
v.6 19/09/03 Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara pede para examinar 
projeto. 
O autor: ATC PhD em Matemática Aplicada pela Universidade de Berkeley, 
Professor de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), 
coordenador do programa de Extensão Universitária em Criptografia e Segurança 
na Inoformática da UnB, representante da sociedade civil no Comitê Gestor da 
Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira. 
 


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