Extraído do jornal Tribuna da Imprensa Online


Fonte: http://www.tribuna.inf.br/



Gafieira Estudantina

Gafieira atravessa décadas como referência da dança de salão

Natalia Pacheco

A Estudantina foi criada em 1928 por dois amigos, Rafael e Pedro, estudantes de Direito - daí o nome da gafieira - que queriam democratizar a dança de salão. Na época, os bailes eram exclusivos da alta sociedade. Famílias inteiras, adolescentes e idosos freqüentavam a casa. O primeiro endereço foi a Rua Paissandu, onde ficou cinco anos e depois na Praça José de Alencar, também no Flamengo.

A Estudantina foi inicialmente para a Praça Tiradentes 75 (hoje está no número 79) em 1942. Em 1968, um dos sócios morreu e a casa foi fechada. Os irmãos Page, da Espanha, chegaram ao Brasil na década de 50 e passaram a investir em casas noturnas, compraram a Elite em 1963 e, em 1978, Isidro Page, o último irmão a chegar no País, comprou a Estudantina - que já serviu de locação para as novelas "América" e "O clone", de Gloria Perez, para os filmes "O que é isso, companheiro" e "Ópera do malandro".

O gerente da gafieira, Juan Page, diferencia os dois estabelecimentos: "A Elite sempre tocou de tudo e a Estudantina, somente dança de salão. Dizem que o samba rasgado surgiu aqui. Quando o baile ficava muito cheio, alguns cavalheiros pediam à banda que acelerasse o ritmo para que as pessoas saíssem do salão, criando, assim, mais espaço para dançarem".

Como a gafieira é um lugar democrático, que converge todos os tipos de pessoas, foi criado um estatuto de normas de conduta no salão, que é respeitado até hoje. As normas são tão respeitadas que Billy Blanco fez uma música, "Estatuto da gafieira": "Os beijos devem ser moderados, homem não pode entrar com camisa sem manga e mulheres com shorts e saias curtos", lembra Juan. Mas ele confirma que algumas regras estão sendo quebradas com os tempos modernos.

"O Estatuto foi criado há mais de 70 anos, hoje é outra coisa. Antigamente, as pessoas não podiam vir de tênis, hoje pode, não tem problema, mas beijos muito quentes ainda não são permitidos", explica.

O auge da Estudantina foi nos anos 80. Na época, cantores e compositores de sucesso estavam sempre na casa. "Foi feito um trabalho de resgate da gafieria, que ficou meio esquecida por causa da dance music dos anos 70. Então, aqui eram realizadas homenagens a artistas para ressuscitar a dança de salão", conta Juan. Luiz Gonzaga, Baden Powell, Hermeto Paschoal e Caetano Veloso estão entre os músicos que já puseram os pés nela.

Hoje, a média de público é de 400 pessoas, mas há noites em que este número chega a 1,2 mil, diz. Há gente de todo tipo, mas há uma turma de fiéis freqüentadores, a de exímios dançarinos da dança de salão. Atualmente, há bailes nas terças, sextas e sábados.

Sob contrato
Therezinha Domingues, de 66 anos, freqüenta a casa há dez. "Eu prefiro os bailes das terças, porque o é dia que tem as melhores bandas, como Paratodos, Devaneios, Brasil Show e Novos Tempos", justifica. Ela conta que contrata um dançarino para acompanhá-la. "Os cavalheiros mais velhos só querem dançar com as moças mais jovens e eu não vou ficar parada. Por isso, tenho um dançarino particular", conta. Também há dez anos, o professor Bruno Renato, de 26 anos, dá aulas e já fez figuração para novelas.

O piso do salão, de madeira, leva acabamento em parafina, que facilita os movimentos. No meio do grupo de cavalheiros de calças de linho branco, camisas de seda e sapatos bicolores, e de damas - todas de vestidos e saias - destaca-se a figura delicada de Maria Antonietta Guaycurus de Souza, ou Maria Antonietta, como é conhecida nos salões de gafieira. Há mais de 60 anos dançando e ensinando a dançar, ela já deixou muito marmanjo roda presa na pista que leva seu nome. "Eu adoro esse lugar! Aqui é referência da dança de salão", diz Antonieta.

Ela, que tem a agenda repleta de alunos particulares, nasceu no Amazonas e mora no Rio desde os 13 anos. Aos 10, tocava piano e, aos 12, violino. Queria fazer carreira em música quando tocava na Rádio Clube do Brasil, onde conheceu o professor Vasco Barros de Moraes, que lhe revelou os segredos da dança de salão. Entre os diversos nomes que já passaram por seu crivo estão, por exemplo, os de Carlinhos de Jesus e Jaime Arôxa.

O dono da Estudantina, Isidro Page, conta que há um projeto de reconstrução de todo o acervo da casa, que também dedica espaço a João Bosco e Daniela Perez. "O objetivo é que professores e estudantes recuperem toda a história da gafieira", explica. Ele também pretende reformular a programação da casa para atrair mais jovens, mas garante a permanência dos bailes de dança de salão aos sábados.

Confira o Estatuto da Gafieira e a letra do sucesso homônimo em www.tribunadaimprensa.com.br

ESTUDANTINA - Praça Tiradentes, 79 - Centro. Tel.: 2507-5131. Ter., às 19h. Sex. e sáb., às 22h. Ingressos a R$ 10 (ter.) e R$ 15 (sex. e sáb.)

Estatuto da Gafieira
Art. 1. Não é permitido a entrada de cavalheiros:
a) de camisetas sem mangas,
b) de bermudas,
c) de chinelos,
d) alcoolizados,
e) de chapéu ou qualquer outro objeto que cubra toda a cabeça.

Art. 2. Não é permitido a entrada de damas:
a) - de shorts cutos,
b) de camiseta tipo regata,
c) de chinelos,
d) de chapéu e lenços tipo turbante.

Art. 3. No salão não é permitido:
a) uso de bolsa a tiracolo,
b) portar cigarros acesos na pista de dança,
c) entrar na pista de dança com copos ou garrafas,
d) dançar mulher com mulher e homem com homem.

Art.4. No interior da gafieira não é permitido:
a) beijar demoradamente ou escandalosamente,
b) cavalheiros colocar damas no colo,
c) provocar confusões,
d) berrar e gritar,
e) colocar os pés ou subir nas cadeiras e mesas,
f) dançar espalhafatosamente, incomodando os outros bailarinos.

Art.5. A desobediência de qualquer um desses artigos poderá implicar nas seguintes sanções: a) advertência verbal, b) retirada do recinto.

Observação: Traje adequado - passeio ou esporte fino

E não se esqueça: Enquanto houver dança haverá esperança.
Estatuto da gafieira
(Billy Blanco)

Moço
Olha o vexame
O ambiente exige respeito
Pelos estatutos
Da nossa gafieira
Dance a noite inteira
Mas dance direito
Aliás
Pelo artigo 120
O distinto que fizer o seguinte:
Subir na parede
Dançar de pé pro ar
Debruçar-se na bebida sem querer pagar
Abusar da umbigada
De maneira folgazã
Prejudicando hoje
O bom crioulo de amanhã
Será distintamente censurado
Se balançar o corpo
Vai pra mão do delegado
Tá bem, moço?
Olha o vexame, moço!

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