Basquete, Yao Ming e a
Eugenia<http://scienceblogs.com.br/100nexos/2010/08/basquete_yao_ming_e_a_eugenia.php>

[image: rtr217ve]

Com 2 metros e 29 centímetros de altura, *Yao Ming* é um gigante, o mais
alto jogador de basquete na NBA americana em atividade. Sua altura e seu
gosto por basquete não foram mera obra do acaso. Seu pai, *Yao Zhiyuan*,
media mais de dois metros e sua mãe, *Fang Fengdi*, 1,90m. Ambos também eram
jogadores de basquete profissional, e como *Razib Khan* notou em um post
recente em *Gene
Expression*<http://blogs.discovermagazine.com/gnxp/2010/08/was-yao-ming-bred/>,
citando o livro
“*Superfusion<http://www.amazon.com/exec/obidos/ASIN/141658370X/geneexpressio-20>
*”, de *Zachary Karabell*:

“[A mãe de Yao Ming] havia servido da Guarda Vermelha no ápice da Revolução
Cultural, e era uma Maoísta ardorosa. Ela participou entusiasticamente no
plano glorioso do governo local de usá-la e ao seu marido para produzir uma
super-estrela dos esportes. As autoridades de Xangai que encorajaram o par
investigaram várias gerações anteriores para se assegurar de que a altura
fazia parte da linha de sangue. O resultado foi Yao, um bebê gigante que só
continuou a crescer”.

Yao Ming nasceu com 5kg, e media 1,65m aos dez anos. Começou a praticar
basquete pouco antes, não parando desde então. Sua concepção deliberada não
é um evento isolado, uma vez que a China é efetivamente o único país no
mundo a promover oficialmente a eugenia – termo cunhado por *Francis Galton*,
que deve, e merece ser mais conhecido pelas suas contribuições à ciência
estatística, entre tentas outras ciências.

Através do controle da reprodução e descendência dos indivíduos, a eugenia
pretendia “*melhorar as qualidades genéticas humanas*”, um caminho cheio de
boas intenções que encontrou todavia seu ápice mais tenebroso nas loucuras
promovidas pelo regime nazista. A eugenia foi a pseudociência que embasou e
levou do racismo ao genocídio.

Exterminar ou esterilizar indivíduos “inferiores” é parte do que seria a
“eugenia negativa”, que ainda encontra eco hoje no humor macabro do prêmio *
Darwin* <http://www.darwinawards.com/>, “*honrando aqueles que melhoram a
espécie… ao acidentalmente removerem-se dela!*”. Complementando tais medidas
para evitar que traços “negativos” se perpetuassem, estaria a “eugenia
positiva”, justamente o que se vê no caso do jogador de basquete chinês, com
a reprodução deliberada de um casal com a herança genética “positiva” que se
deseja.

[image: one_child_policy_poster]

A eugenia negativa também é levada a cabo na China: em 1995 foi colocada em
prática a Lei de Saúde Materna e Infantil, que obriga que todos casais se
submetam a exames médios para detectar doenças genéticas, infecciosas e
mesmo doenças mentais. A critério de médicos, e de acordo com a lei, o casal
pode ser proibido de ter filhos, podendo ser obrigado à esterilização. O
controle eugênico não para aí, enquanto exames pré-natais também podem levar
à decisão de terminar a vida de um feto ou bebê que apresente problemas mais
sérios. O seguinte texto (em inglês) cita a lei chinesa e a opinião de um
diretor de bioética chinês bem como a crítica de um sinologista alemão: *Is
China’s law 
eugenic?*<http://www.unesco.org/courier/1999_09/uk/dossier/txt07.htm>
.

O assunto é complexo, e um breve post não poderia pretender abordar mesmo um
sumário das questões mais importantes. Comentamos aqui, ao invés, apenas
alguns nexos dispersos, e o principal deles seria a questão moral. Não deve
ser coincidência que o único país a promover políticas claramente eugênicas
seja um estado totalitário. É historicamente a moral popular corrente que
limitou o avanço de políticas eugênicas – e, igualmente, não é tanto
coincidência que os maiores extremos destas tenham sido cometidos por outro
estado totalitário, durante o regime nazista.

Há no entanto algo um tanto chocante sobre a moral impondo limites à
eugenia: ela tendeu a impor mais limites à eugenia positiva. Tanto sob
Hitler quanto sob Stálin, eugenistas mais entusiasmados propuseram esquemas
mirabolantes através dos quais os homens mais bem-dotados teriam incontáveis
filhos com os melhores espécimes de mulheres, mas em ambos os regimes a
ideia entrou em conflito com a moral vigente.

Mesmo sob o nazismo, o programa de eugenia positiva
Lebensborn<http://en.wikipedia.org/wiki/Lebensborn>concebido pelo
chefe da SS consistiu principalmente no apoio a mães
“arianas” e seus bebês, evitando medidas como o aborto, e não propriamente
incentivando que moças “arianas” engravidassem indiscriminadamente de
membros “superiores” da SS, como se chegou a imaginar. O conceito de família
era um dos pilares do mesmo nazismo.

[image: heinrich-himmler-lebensborn-daughter-gudrun]

Esta moral que não aceitava crianças concebidas unicamente pelo seu alegado
potencial genético no entanto não levantou grandes barreiras a medidas de
eugenia negativa, como esterilizações compulsórias até os extremos do
genocídio. E a moral é, ultimamente, tudo que pode impedir a prática ou não
de algo tão terrível.

O editor da ciência da Folha e *scibling* *Reinaldo José Lopes*, ao
mencionar a possibilidade “alucinada” de clonar um
Neandertal<http://scienceblogs.com.br/carbono14/2010/07/nao_e_a_mamae.php>resumiu
a questão comentando como “a empolgação biotecnológica às vezes
borra a fronteira entre o que se pode fazer e o que se *deve* fazer”. A
empolgação biotecnológica que assistimos hoje lembra muito a empolgação
eugênica no início do século passado.

No final da fenomenal série “*Pandora’s
Box<http://www.archive.org/details/AdamCurtis_PandorasBox>
*” de *Adam Curtis*, *Joseph G. Morone* discute o histórico desastroso da
energia nuclear:

“Na era de ouro da ciência, em uma época quando a sociedade possuía a visão
mais otimista da ciência, possuía-se uma visão basicamente errada a
respeito. Acreditavam que esta forma da tecnologia era a forma que ela devia
tomar de forma inevitável. E que se esta era a forma que ela tomava, então
esta devia ser a forma certa.

Quarenta anos depois, temos uma visão similarmente ingênua, que não é mais
tingida por esperança e otimismo, e sim por pessimismo e medo. Mas ainda
temos esta visão de que a sociedade não pode moldar a tecnologia. De que a
forma que a tecnologia toma é a forma que devemos aceitar. E assim como isto
não era verdade em 1950, ela não é verdade hoje.

Esta não é uma história da tecnologia saindo de controle, embora muitos a
entendam assim. A história da energia nuclear é uma história de decisões
políticas, econômicas e sociais sendo feitas sobre a tecnologia, e as
principais decisões não foram tomadas por tecnólogos. Foram tomadas nas
salas de negócios.

O que a ciência e tecnologia lhe fornecem é uma gama de possibilidades. E
essas possibilidades podem levá-lo a um sem número de direções. É uma força
potencialmente liberadora. Mas para chegar lá, a sociedade deve acordar e
perceber que não é uma decisão científica, não é uma decisão de engenharia.

É uma decisão moral”.

Destacando a questão moral, relembramos como a moral “tradicional”,
promovida por instituições que alegam mesmo serem fontes da moralidade, pode
ter impedido que jovens loiros e altos de traços clássicos concebessem bebês
indiscriminadamente, valorizando o conceito de família, mas pouco ou nada
fez contra o extermínio de famílias inteiras que não possuíam tais traços.

Yao Ming e seus mais de dois metros de altura são um indicador um tanto
assustador de que a eugenia, se era e talvez ainda seja largamente uma
pseudociência, pode sim produzir resultados concretos. Será esta forma
aceitável? Aos chineses, por ora, aparentemente é. A nós, talvez não. Mas
como Morone destacou, decisões morais não significam aceitar ou rejeitar
completamente uma possibilidade científica, tecnológica, como se a primeira
possibilidade fosse um imperativo definitivo em si mesmo.

Decisões morais devem moldar como as possibilidades infinitas da ciência
podem ser aplicadas em prol de valores éticos. Um gigantesco desafio.


[As partes desta mensagem que não continham texto foram removidas]



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