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Deuses, Monstros e a segurança pública



A figura do demônio da violência e o casuísmo das eleições municipais
formaram um binômio ideal para encobrir a ausência de uma política criminal
e de segurança pública que em seis anos o Governo não conseguiu apresentar
ao Brasil.

Como poção mágica para fazer prefeitos e vereadores, o plano nacional de
segurança pública apresentado no Pacote de Junho teve a mesma consistência
técnica e o mesmo compromisso político da estabilidade cambial que garantiu
a reeleição, ou seja, uma espécie de demagogia eleitoral. No governo local,
o aumento do número de policiais como parte de um novo plano para a
segurança pública – em substituição ao segurança sem tolerância, do qual fui
o primeiro crítico público – tem razões idênticas para buscar socorro nas
mesmas poções mágicas: a pirotecnia e o populismo de resultados.

Aumentar os efetivos da polícia para reprimir a criminalidade violenta é,
portanto, a metástase das figuras que se pretende camuflar; não reduzindo a
criminalidade de amanhã, aumenta-se o aumento do aumento do aumento dos
agentes. É a simulação de uma solução; a mesma empregada pelos bizantinos
sobre a existência de Deus, quando criaram imagens d’Ele, dissimulando o
problema da sua existência. Sob cada uma delas, de fato, a dúvida
desapareceu. Também no Brasil, a figura da violência continuará sendo
resolvida com imagens.

Estudos americanos que comparam cidades com mais de um milhão de habitantes
permitiram conhecer a fragilidade da relação entre o número de policiais e o
de crimes. Chicago e San Diego são exemplos disso: a primeira tem a maior
proporção de policiais por habitantes: 4.1/1000; a segunda, a mais baixa:
1.5/1000. Na proporção de crimes por cem mil habitantes, Chicago tem números
superiores a San Diego: 8.638 e 8.483.

O Plano Nacional de Segurança Pública é, como tal, uma mágica para fazer
desaparecer o problema no estilo Mister Pizza, digo, Mister M. Aliás, os
dois.

Mas o pretexto de combater a violência não tem apenas a imagem do deus
salvador, simulada na inflação dos quartéis e delegacias. Outras estão
surgindo do Pacote de Junho, encaminhado pelo Planalto ao Congresso, dos
quais selecionei dois projetos para comentar, batizando-os de gods and
monsters (deuses e monstros). Começo pela lei dos infiltrados (Projeto n.º
3275/00), que propõe a infiltração de agentes policiais – para a
investigação de ilícitos decorrentes de ações praticadas por quadrilhas,
bandos, organizações ou associações criminosas de qualquer tipo – e de
agentes de inteligência – como procedimento estratégico para a “garantia da
segurança e estabilidade institucional.”

A preocupação do Governo – quod scriptum, scriptum est – não é com a
criminalidade comum, o tráfico de drogas, o contrabando de armas, mas com a
segurança e a estabilidade institucional; a segurança do
Estado-enquanto-Poder e não a segurança do Estado-enquanto-Povo.
Pretende-se, disse o Ministro da Justiça, «infiltrar agentes de inteligência
entre os participantes de ações que possam ensejar a desestabilização da
segurança institucional», o que não tem nada a ver com crimes que «matam
antes da Morte». É atividade de espionagem preventiva com destinatário
certo: o MST.

Numa linguagem confusa, típica de quem não conhece o assunto –  – ou conhece
e fez para confundir –, o projeto exclui a ilicitude da participação dos
agentes nos crimes ocorridos durante a infiltração, deixando evidente que a
proposta institui o chamado agent provocateur, criado originalmente por um
édito de Paris, de 15 de Março de 1667. Esse agente provocador é um
instigador que induz outrem à perpetração de um crime porque quer que o
criminoso seja preso e punido, ficando fora de circulação por algum tempo.
Diferente é o agent observateur, um agente encoberto. Este apenas observa
locais freqüentados por criminosos e tira dessa observação linhas
investigatórias para crimes já praticados. Já aquele obtém prova de um crime
do qual é partícipe, na medida que decorre da infiltração. O agente
infiltrado induz a ação,  desempenhando o papel conhecido com o nome de
flagrante preparado.

A propósito de ser um deus salvador contra a impunidade, o projeto do
Governo sinaliza com a investigação criminal para introduzir, na verdade, a
espionagem política ativa, com participação de agente público e autorização
judicial. Aponta para o flagrante preparado por agentes de inteligência com
ordem de um juiz, monstro que nenhum general ousou criar antes. O SNI nunca
chegou a tanto. Com uma lei dessas aprovada, a infiltração de agentes de
inteligência militar no Caso Rio-Centro, por exemplo, seria autorizada por
um magistrado, dando a um crime de Estado o status de conformidade
jurídico-constitucional.

Não observou o Governo que a presença do agente infiltrado tem ainda
obstáculos de Direito Penal. Nosso sistema, ao contrário do Direito Penal
alemão, fonte inspiradora dos penalistas ocidentais, não pune a tentativa de
crime que não se consuma ante a intervenção de um agente da autoridade
integrado na sua execução. Enquanto os alemães punem esse fato como
tentativa inidônea de crime (untaugliches Vesuch), no Brasil considera-se
crime impossível e não há punição. Logo, ou o agente infiltrado empresta a
arma, deixa matar a vítima e depois prende o matador, ou impede a morte e
não haverá crime. Com qual solução ficará o Brasil? Talvez fique com a
entrapment  do Model Code americano, que tratarei oportunamente.

Outro deus salvador contra a impunidade, também desse projeto, tem um nome
sofisticado: interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou
acústicos. Em outras palavras, gravação de conversa alheia no botequim, nos
chats da Internet, nos restaurantes, nos clubes; fotografias com amantes,
filmagens sob a roupa, emails, pegadinhas, minas e armadilhas etc. Numa
época intimista, em vez de se (a)gravar o show eletromagnético de Chico
Buarque no Rio-Centro, o Governo pretende gravar um trio elétrico na concha
acústica; nos bailes da vida, vai gravar cochicho de namorados, futricas de
adversários, reuniões da oposição, conversa sobre privatizações,
infidelidade conjugal, talk show do gordo e receitas de bolos e cozidos do
Movimento das Margaridas, a Senhoras do MST.

É inacreditável que um Governo com um currículo aparente deste seja capaz de
avançar até onde o regime militar não ousou ir. A proposta é uma espécie de
K-II (a montanha) das violações de privacidade, tendo o combate à
criminalidade como fachada publicável. Mas o que se pretende mesmo é a
segurança institucional, a defesa do Estado, dos governantes, sem que se
tenha sequer uma lei material de defesa do Estado, a não ser a lei de
segurança nacional, que ameaça menos do que um monstro de pelúcia, perto do
que se propõe.

A identificação criminal (o projeto 3273/00) é a outra imagem de salvação
empregada. É a volta do piano contra a impunidade que vai, como antes,
entupir os tribunais com habeas-corpus, e ressuscitar a indústria que tanto
agradava aos advogados de petições fotocopiadas. Para a Justiça (juízes e
Ministério Público), será outro monstro da contraproducência, porque não é a
falta de identificação que aumenta a insegurança pública.

Mas além de criar trabalho inútil, esse projeto cria casos de identificação
compulsória, transformando a identificação pessoal numa conseqüência do
crime, numa pena a mais. A Constituição já deu o comando: o civilmente
identificado não será identificado criminalmente, salvo exceções legais. As
exceções só podem ser constituídas sob um pressuposto: a existência de
identificação civil ineficiente para esclarecer a identidade do suspeito,
não podendo a identificação criminal ter como justificativa a gravidade do
crime praticado. Ao dar relevo ao tipo penal para criar casos de
identificação compulsória, o projeto afasta o procedimento de identificação
criminal do seu objetivo primeiro. É mais uma monstro de sete cabeças que
ameaça devorar liberdades individuais em nome do nada.

Em resumo, o espetáculo trágico da insegurança pública – produzido por
políticas públicas equivocadas por incompetência ou conivência dos
governantes, os atuais inclusive – só conseguiu fazer com que o Governo
produzisse o Pacote de Junho. Não fosse a data, seria o Pacote de Abril. Mas
a diferença é só essa. Por trás das cortinas, cada um ao seu tempo, ambos
travestem-se de deuses e se transformam em monstros quando viram leis.

Como no filme, espera-se que o ator principal morra antes do Óscar; e que
não haja premiação post mortem. A academia não rende homenagens às comédia
sem criatividade e sem qualquer graça. O Parlamento Brasileiro tem esse
mesmo compromisso com o Brasil. Coragem política, precisa-se!

 Copyright © 2000





Professor Titular de Direito Penal da Universidade Católica de Brasília
Pesquisador da Universidade Católica Portuguesa
Promotor de Justiça





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