EXCELENTE
 
Enviei seu texto a um advogado constitucionalista e contestador para ver se ele pode nos ajudar.
----- Original Message -----
From: Cordioli
Sent: Wednesday, June 19, 2002 9:34 PM
Subject: [VotoEletronico] Brincando com anomalias legais

Amigos,
 
O Cel. Roberto Monteiro de Oliveira pergunta: "Como podem existir votos brancos e/ou nulos com votação eletrônica ?"
 
Boa, Coronel ! Enxergando longe ainda !...
O que V. destaca é, mesmo, mais uma inconsistência legal do processo eleitoral atual.
Pena que também a isso ninguém dê bola.
 
Aproveito o gancho para mostrar que há outras inconsistências legais, algumas muito maiores.
Por exemplo, o próprio "voto eletrônico" é uma inconsistência de per si...
 
Afinal, a Constituição e o Código Eleitoral trataram especificamente dos votos da época de sua tramitação.
Que eram de papel e incluíam, pois, os votos válidos, os brancos e os nulos.
Até se chamavam alternativamente cédulas...
Relevante mencionar que na tramitação normal de um Projeto de Lei, se o Senado muda uma vírgula no projeto original, ele retorna à  Câmara para reestudo e reaprovação...
Pois no nosso caso, não ocorreu assim: mudou-se espertamente o termo "eleição" para "eleição eletrônicas", como também alterou-se profundamente o conceito do voto enfocado pelas Leis tramitadas, de papel para eletrônico.
 
Mas as próprias Leis permaneceram inalteradas...
Como puderam ? Ora, interpretando-as convenientemente.
De certa forma, simples e genial. Ponto para eles.
Bastou-lhes: 
 
1) Manter o enfoque no vocábulo explícito das Leis, ou seja, no vocábulo "voto".
2) Interpretar simplesmente como "voto" tudo o que havia nas Leis a respeito de "votos de papel".
3) Aplicar ao "voto eletrônico" na prática, tudo o que se interpretou em relação ao simples "voto"...
4) Nada falar sobre o que havia nas Leis e que não dava mais para ser aplicado, mercê das diferenças entre os dois tipos de voto.
5) Ou seja, simplesmente deixar para lá as inconsistências que ocorreram... (*)
6) Com isso, mantiveram as Leis vigentes mesmo tendo sido trocado o seu enfoque ... bingo !
 
(*) Como o voto branco citado, como a recontagem impossível, como a conferência inaplicável, como a fiscalização impedida por direitos de autor...etc. etc. etc.
 
Eliminou-se assim, discreta e silenciosamente, essa horrível necessidade de tramitação, debates, emendas, prazos, noventenas, alterações, anualidades, recursos, apelações, vetos, maiorias, acordos etc., estas babaquices todas que só atrasam e comprometem o processo democrático...deles !   :o)))
 
Tivessem escolhido o vocábulo "cédula" (como também está na Lei, Art.104 - ... cédula oficial de papel impressa em papel branco etc.) isso não daria para ocorrer.
Porque não faria sentid"cédula eletrônica": de fato, cédula é "Documento escrito", "Papel com o nome do político..." (Aurélio)
Ninguém diria que "A totalização das cédulas eletrônicas será feita pelas próprias urnas eletrônicas".
Seria um nonsense total, absoluto e inquestionável...
Não se poderia confundir a cédula de papel explicitada na Lei com o virtual e impalpável voto eletrônico.
 
Portanto, fosse cédula, haveria necessidade de nova e específica Lei alterando Constituição e/ou Código Eleitoral.
 
Então, para não complicar, escolheram o termo "voto" a dedo.
Porque com ele não seria preciso mudar Constituição nem Lei alguma.
"Voto" é perfeito para essa confusão de palavras.
E na prática, as diferenças conceituais entre os dois tipos de votos (em papel e eletrônico) não aparecem...
Voto Denorex, o que parece que é, mas não é...
 
Perfeito maquiavelismo: continuam as Leis e o "voto", mas muda-se todo o resto ! Todo mundo aceita...
Simples e maravilhoso como todas as coisas geniais !
Deixa a casca, muda o miolo...
 
voto de papel = voto = voto eletrônico                  ===> tudo é voto e não precisa de nova Lei.
cédula = voto(1)   =/=  voto(2) = voto eletrônico  ===> eletrônico não é cédula portanto precisa de nova Lei.
 
Outras minúcias cascorentas (!) ou inconsistências, todas sem embasamento legal, a meu modesto, ignaro mas honesto ver:
 
-- De voto em cédula de papel, passamos a voto com impulso elétrico, mero clique.
-- De voto físico, manuseável e contável, passamos a voto abstrato, suposto e imposto.
-- De voto conferível e fiscalizável, passamos a voto inexistente, sem registro, inconferível.
-- De voto real como prova, passamos a voto virtual, sem contraprova.
-- De voto contestável, passamos a voto absoluto, incontestável.
-- De voto físico existente mas sem vinculação com o eleitor, mudamos para voto e eleitor sem vinculação com a realidade.
-- De uma eleição aberta como um todo, passamos a uma eleição secreta, da qual nada se sabe do "por baixo dos panos"...
-- De uma rotina legalmente definida, mudamos para outra sem respaldo legal...
-- De uma eleição passamos a uma anunciação...
 
-- A Lei 9.504/97, Art.59 diz apenas que a votação e totalização serão eletrônicas.
    Nada diz sobre a amplitude, limite ou extensão desse termo, "eletrônicas".
    Cada qual acaba interpretando como quer essa inconsistência legal.
    Em tese, valeria tudo que implicasse, no mínimo, um comando eletrônico.
    Desde o simples e único comando de ligar o estabilizador, passando pela Babel de comandos envolvidos num gigantesco, complexo e integrado CPD, até a nossa briga específica para imprimir todos os votos em papel por comando eletrônico....
    O que pedimos, impressão total dos votos, em nada contraria o que está na Lei 9504/97, pelo contrário, confirma.
    Teríamos votação eletrônica, voto de papel e totalização também eletrônica...
    Tudo de acordo com a Lei e tudo "eletrônico" !.
    Só que não é assim que se pass na realidade: é do jeito que eles interpretam, e ponto final.
 
-- Com o sistema eletrônico, a própria máquina conta os votos.
    Então para que nada precise ser alterado no plano legal é só chamar a lista de "apuração"...
    Que mais é a atual "apuração" que uma simples lista ?
    Quem "apura" as eleições, na acepção do termo ? 
    Constato mais essa inconsistência no atual processo eleitoral, pois a Lei estabelece quem deve apurar (Art.158).
    Na prática, não há responsáveis reais por essa fase: ninguém apura nada. (Ao menos o apurar do Aurélio = conhecer ao certo)
    Nosso futuro sairá de uma lista, apurada e/ou conferida por ninguém.
 
-- E que dizer do próprio art.158 do Código Eleitoral, que dá competência de apuração às Juntas, Tribunais Regionais e TSE ?
    Por inútil, às favas com ele, que não tem uso, já que quem apura os votos são as próprias urnas ? 
    Pois não transformaram os competentes apuradores legais em meros leitores/divulgadores de uma lista ?
    E pode isso ? Mandar às favas artigos do Código Eleitoral, sem mais ?
 
-- Com base em que interpreta-se que a "totalização" citada no artigo 59 da Lei 9504/97 e o "contabilizará" do art.61 significam  todo o processo eleitoral e valem como um amplo e irrestrito "controlará, receberá, fiscalizará, contará e apurará" ?
    Com base apenas no gigantesco "Amém !" que dizemos aos BUs e à lista que se extrai de uma simples impressora ?
 
-- Todos os artigos e precauções legais existentes na Constituição Federal e no Código Eleitoral, desde o sigilo e a cédula oficial de papel (103/104), à rotina do voto de papel (146, incs. IX a XIII), à competência da apuração (158 - Juntas, Triburais Regionais e TSE), às rotinas de apuração, abertura de urnas, impugnações, contagem de votos nas mesas, Trs e TS, a diplomação, as nulidades e os votos no exterior,
 
    tudo isso foi substituído e invalidado apenas pelos artigos 59 e 61 da Lei 9.504/97 que,
    de tão simples e curtos, transcrevo-os abaixo, no que se prende ao tema aqui tratado:
 
    Art. 59.º A votação e a totalização dos votos serão feitas por sistema eletrônico, podendo o Tribunal Superior Eleitoral autorizar, em     caráter excepcional, a aplicação das regras fixadas nos arts. 83 a 89. 
    ...
    Art 61.º A urna eletrônica contabilizará cada voto, assegurando-lhe o sigilo e inviolabilidade, garantida aos partidos políticos,        
    coligações e candidatos ampla fiscalização.
 
 
Ao final desse texto, um pouco de bom humor, centrado nas idéias transcritas acima.
 
1) Ironia de caráter excepcional, os arts.83 e 89 referidos no art.59 acima, dizem respeito a votos de papel...
 
2) Um exemplo contundente de que essa confusão com o termo "voto" existe mesmo, e a favor deles.
       Vamos imaginar duas situações:
a) - na primeira troquemos o termo "voto" (do voto eletrônico) por "clique" (*), para não confundir ninguém.
        Poderíamos ter a manchete:  "Fulano eleito com 40 milhões de cliques !!!"
        Alguém, em sã consciência, aceitaria como inteligível e verdadeiro o absurdo acima ?
        Adicionalmente, indago aos doutos, haveria como sustentar a legalidade de tal "eleição" com as Leis vigentes ?
        Parece-me gritante que as Leis atuais não acobertam tal sandice !
 
b) - na segunda troquemos o termo "voto" (do voto em papel) por "cédula", também para não confundir ninguém.
       A manchete passaria a:  "Fulano eleito com 40 milhões de cédulas !!!"
       Alguém, em sã consciência, deixaria de entender a frase acima ?
       Adicionalmente, haveria alguma restrição das Leis vigentes quanto a essa "eleição" ?
 
Vemos assim, que só trocando-se um termo "clique"  por outro "voto", uma frase ininteligível e desprovida de legalidade passa, milagrosamente, a ter sentido e respaldo legal, sem que nada mais se altere...
 
Particularmente, eu acho muito esquisito, constatar que o clique na urna é o voto da Lei...sem nada que o diga explicitamente !
 
(*) vale o argumento também para um alternativo "impulso", o abominável "Entra" ou seu colonizado "Enter"...
 
3) Outro exemplo pitoresco de gato por lebre de que me recordo, foi no início da televisão colorida, lá pelos idos de 60/70.
Algumas lojas do bairro onde morava, antes de receberem os tão esperados aparelhos, iluminavam com lâmpadas coloridas as tvs preto e branco, numa amostra surrealista do que viria a ser a televisão colorida...
Interessados nas vendas a qualquer custo, devem até ter dito que as imagens é que chegariam coloridas...
E muita gente deve ter levado... uma pela outra...
No fundo, no fundo, era tudo televisão e era tudo colorida, não era ?...
 
Em resumo, a essência das eleições e da manifestação do eleitor via cédula eleitoral mudaram por conta desses dois artigos da Lei 9.504/97, mas a Constituição e o Código Eleitoral ainda vigem, inalterados.
Inalterados ? 
Inócuos seria termo mais verdadeiro...
 
E, cá para nós, não é ilegal ter uma Constituição inócua ?
Como também não é ilegal ter uma Lei vigendo, mas que não foi especificamente aprovada para o assunto de que trata ?
 
Desculpem-me os amigos pela extensão dessa carta e pelas evidentes dificuldades em me expressar claramente.
Contudo, são muitas sutilezas e matreirices para que se consiga explicá-las em poucas palavras.
Foi DC - dentro do contexto, mas ficou "meio" longo.
 
Abraços
Cordioli
 
 

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