O Mandado em questão ( abaixo )
 
 
MANDADO DE INJUNÇÃO Nr.674
ORIGEM:RJ      RELATOR: MIN. CARLOS VELLOSO
REDATOR PARA ACÓRDÃO: -
IMPTE.: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA - PDT
ADVDOS.: MARIA APARECIDA SILVA DA ROCHA CORTIZ
IMPDO.: TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
ÚLTIMO ANDAMENTO:
07/08/2002 - CONCLUSOS AO RELATOR
OBSERVAÇÃO:

----- Original Message -----
To: VOTOe
Sent: Friday, August 09, 2002 2:07 PM
Subject: [VotoEletronico] Injunção no STF

O Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, do Supremo Tribunal Federal, é relator do processo  - Mandado de Injunção - que o PDT deu entrada no STF na última quarta-feira, dia 7 de agosto de 2002,  pedindo providências para que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) crie normas que garantam que os partidos políticos terão condições de fiscalizar as urnas eletrônica. Especialmente se os programas de informática que estão sendo mostrados esta semana em Brasília serão os mesmos que inseminarão as 404 mil urnas eletrônicas que a Justiça Eleitoral empregará nas eleições gerais de 6 de outubro. O Ministro Velloso, um entusiasta da informatização da eleição brasileira, é autor do prefácio do livro “O Voto Informatizado: Legitimidade Democrática”, editado em 1997 pela Empresa das Artes, escrito pelo atual Secretário de informática do TSE, Paulo César Bhering Camarão, definido pelo próprio Velloso como “pai-técnico” da urna eletrônica.

 

A íntegra do prefácio do livro de Camarão, escrito por Velloso:

 

            ”Um pugilo de homens idealistas tornou realidade um sonho; a informatização do voto, visando à concretização da verdade eleitoral e, em conseqüência, fazer mais legitima a democracia representativa que praticamos. Este livro, que Paulo César Bhéring Camarão escreveu e tirou a lume, conta a história desse sonho.

            Mais de um ano antes da minha posse na presidência do TSE, Camarão e eu começamos a conspirar em favor do voto informatizado. Lembro-me de que, numa manha de domingo, num intervalo de partida de tênis, quis saber de Camarão, ele que é, reconhecidamente, notável técnico em informática, se seria possível informatizar o voto. Camarão respondeu-me que sim, acrescentando que tudo é possível fazer com os computadores, desde que sejam eles manejados com técnica e cientificidade. Dei-lhe ciência, então, do que planejava: se chegasse à presidência do TSE, e tudo indicava que isto iria ocorrer, pretendia informatizar as eleições, no Brasil. Camarão entusiasmou-se. A partir daí, o tema tornou-se obrigatório em nossas conversas. Passamos, então, a falar sobre “software” e “hardware”, sobre programas de computador e sobre o computador em termos de máquina, porque de pronto compreendemos que deveríamos trabalhar não-somente em torno de programas, de “software”, mas, e sobretudo, em termos de uma máquina de votar que aliasse simplicade, fácil manejo e preço. É que, todas as vezes que falava a respeito da informatização do voto com os meus colegas, da maioria deles, ouvia, invariavelmente, que os eleitores analfabetos e semi-analfabetos não entenderiam a complexidade das teclas dos computadores, e que o elevado preço destes inviabilizaria o projeto. Teríamos, então, de pensar numa maquina barata, simples, de fácil manejo.

            O tempo passou.

            No dia 6 de dezembro de 1994, eleito pelos meus colegas, empossei-me no cargo de Presidente do TSE. Propus, então, no discurso de posse, a realização de algumas metas, todas orientadas no sentido de tornar mais sérias e respeitadas as instituições políticas brasileiras. É que sempre estive convencido de que nada é mais importante para um povo do que as suas instituições políticas. As reformas políticas devem anteceder Às reformas econômicas. Não escapa ao observador meticuloso esta realidade: nenhum pais se tornou economicamente forte sem instituições políticas serias e respeitáveis. Foi assim nos paises do primeiro mundo. Quando os franceses, em 1958, convocaram De Gaulle para a tarefa de salvar a França, fizeram-no na certeza de que ele salvaria, por primeiro, as instituições políticas. E foi o que ocorreu, a começar com a promulgação da Constituição de 1958. O sucesso econômico veio depois.

            Também me convencera de que o Tribunal Superior Eleitoral tem altíssima missão no campo do direito político e das instituições políticas. Por isso, no discurso de posse na presidência do TSE, conclamei a sociedade brasileira a refletir sobre cinco temas: a) informatização do voto, b) a elaboração de uma lei eleitoral que discipline todas as eleições e não apenas uma eleição, assim o código eleitoral atualizado é aperfeiçoado, c) uma reforma partidária, a fim de tornar fortes e respeitados os partidos políticos com a eliminação das legendas de aluguel, d) o voto distrital misto e e) a questão do financiamento das campanhas político-eleitorais. Publicistas, cientistas políticos e técnicos em informática foram convidados a trabalhar conosco. Constituímos, então, o que a mídia denominou de “comissão de notáveis”, que se subdividiu em cinco subcomissões temáticas: a) a Comissão de Lei Eleitoral Permanente, ou de Código Eleitoral, presidida pelo Ministro Marco Aurélio; b) a Comissão de Reforma Partidária, presidida pelo Ministro Diniz de Andrada. C) a Comissão de Sistemas Eleitorais (voto distrital misto), presidida pelo Ministro Torquato Jardim, d) a Comissão de Informatização do Voto, presidida pelo Ministro Ilmar Galvão. O Ministro da Justiça, prof. Nelson Jobim, associou-se a nós, foi nosso parceiro de idéias. As subcomissões temáticas produziram excelentes trabalhos, que foram apresentados ao Congresso Nacional – Câmara e Senado – ao presidente Fernando Henrique Cardoso, e ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Sepúlveda Pertence.

            Pugnávamos, não foram poucos os que diziam, pelo impossível. Na linha, entretanto, da lição de Winston Churchill, pugnávamos pelo impossível – cinco reformas político-eleitorais – para conseguir o possível: queríamos ver concretizada, ainda em 1996, a eleição informatizada. Isto foi percebido pelo eminente ministro Diniz de Andrada, conforme deixou expresso no discurso que proferiu, em nome do Tribunal, na sessão de 16 de maio de 1996, em que me despedi daquela Corte.

            É que teríamos que começar a experiência pioneira em eleições municipais, mais fáceis, porque o eleitor votaria apenas em dois candidatos, prefeito e vereador, e a totalização seria local. A partir daí, acumulando experiências, partiríamos para as eleições gerais de 1998, mais complexas, e completaríamos o ciclo nas eleições municipais do ano 2000. O projeto que deixei elaborado, no TSE, foi justamente este: em 1996, seriam informatizados cerca de 35 por cento do eleitorado (capitais e municípios com mais de 200 mil eleitores); em 1998, chegaríamos a 70 ou 75% de todo o eleitorado, convindo acentuar que raciocinávamos com um universo de cerca de 100 milhões de eleitores. Assim, em 1996, cerca de 35 milhões de eleitores votariam pelo computador; em 1998, 70 a 75 milhões; e, no ano 2000, mais de 100 milhões de votos seriam informatizados.

            Sempre tive presente que, se é certo que a criação da Justiça Eleitoral, em 1932, representou notável avanço em termos de aperfeiçoamento e seriedade do processo eleitoral, é forçoso reconhecer que ainda campeia, pelo Brasil afora, a fraude à vontade do eleitor. Essas fraudes ocorrem, sobretudo, na apuração dos votos. Se eliminássemos a apuração, ou seja, se afastássemos a mão humana da contagem dos votos, estaríamos eliminando a fraude, assim realizando a verdade das urnas. Com o apoio do Tribunal, trabalhamos em diversas frentes: a subcomissão presidida pelo ministro Ilmar Galvão e que teve como relator o Dr. Paulo César Camarão, criou o protótipo da maquina e ainda elaborou o ante-projeto de lei que, aprovado pelo Tribunal, foi submetido ao Congresso Nacional, que, votando-o, autorizou a informatização do voto. Junto ao Chefe do Poder Executivo, o presidente Fernando Henrique Cardoso e ao Congresso Nacional, conseguimos os recursos financeiros, cerca de 80 milhões de reais; o protótipo, criado por nós, que eu costumava denominar de “modelo tupiniquim”, foi tecnicamente descrito nos seus mínimos detalhes; a licitação, que seria conduzida por órgão integrante das Nações Unidas, acabou sendo realizada, com sucesso, pelo Tribunal Superior Eleitoral, com a colaboração de pretigiosos órgãos do Poder Executivo, de representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Publico Federal, sob a presidência do juiz Jessé Torres, magistrado e notável especialista no direito das licitações. As maquinas foram, então, adquiridas.

            E o sonho começara a se tornar realidade.

            Ele se realizaria, por completo, no dia 3 de outubro de 1996, nas eleições ocorridas em todas as capitas e nos municípios com mais de 200 mil eleitores, e, principalmente, no segundo turno, no dia 15 de novembro do mesmo ano: a máquina de votar foi um sucesso. Já não estava mais na presidência do TSE. O meu sucessor, ministro Marco Aurélio Mello, presidiu, com competência e espírito publico, as eleições. Eleitor na capital do meu estado-natal, Belo Horizonte, a tudo acompanhei, na companhia de Paulo César Camarão. Um jornalista viu lagrimas nos meus olhos, quando votava, e quando presenciava a festa das eleições, a festa da cidadania: as pessoas mais simples, analfabetas ou semi-alfabetizadas, votavam com facilidade, assim desmentindo os que, por má-fé, raiva do mundo ou pessimismo, diziam que o povo não saberia votar pelo computador. E mais: muitos eleitores levavam os seus filhos menores, crianças com menos de 10 anos de idade. Elas é que acionavam com desenvoltura, o pequeno computador, votando pelos seus pais, a tudo presentes. A alguém que me perguntou se aquilo não representava quebra do sigilo do voto, respondi que aquilo simplesmente representava a preparação do cidadão de amanha. Uma eleitora analfabeta se acercou de mim para dizer-me que, pela primeira vez, tinha votado. Mas a senhora nunca votou? Sim, já havia votado, respondeu-me ela. Mas somente hoje tive certeza de que votei, porque, digitando o numero do meu candidato, vi na tela o seu retrato. Então, apertando a tecla “confirma”, tive a certeza de que votei. Por isso, votei pela primeira vez na vida. O computador, a pequena máquina de votar, fê-la cidadã. Ora, só não se emociona diante de um fato assim quem não tem músculos, nervos e sentimentos. O jornalista que noticiou que viu lagrimas nos meus olhos, publicou noticia verdadeira. Nos meus olhos e nos olhos de Paulo César Camarão, o “pai-técnico” da máquina de votar.

            O sonho se concretizara, às inteiras.

            Convém registrar que não fomos afoitos quando apresentamos o plano de informatização do voto. É que a informatização, na Justiça Eleitoral, implantou-se gradativamente. Em 1986, tivemos o trabalho ingente, sério, do então presidente do TSE, ministro José Néri a Silveira, que recadastrou todo o eleitorado brasileiro, instituindo o maior cadastro informatizado da América Latina. Passamos a ter um cadastro único, informatizado, o maior do continente. Depois, tivemos a informatização dos serviços da Justiça Eleitoral. Na presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, que foi o condutor das eleições de 1994, informatizou-se a totalização dos votos. Faltava, então, a informatização do voto.

            O destino conspira em favor da democracia brasileira: as eleições brasileiras de 1998 serão presididas pelo ministro Ilmar Galvão, que presidiu a subcomissão temática de informatização, em 1995; e o ministro Néri da Silveira, que retornou ao TSE, presidirá as eleições municipais do ano 2.000. Isto é garantia de que o projeto de informatização será implementado.

            Na nossa presidência, não deixamos de pensar, também, no aperfeiçoamento do cadastro de eleitores e na informatização da identificação do eleitor. Sob responsabilidade técnica de Paulo César Camarão, elaboramos projeto que, junto com o projeto da informatização do voto, apresentamos ao BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washignton, D.C, Estados Unidos. Contamos com o apoio do eminente Embaixador Paulo Tarso Flecha de Lima, que, além de nos ajudar, pessoalmente, nas negociações, pôs à nossa disposição o eficiente diplomata José Ricardo Alves, que nos assistiu em todos os encontros de trabalho que tivemos com a diretoria do BID. O BID recebeu os projetos, examinou-os, discutiu-os e caminhava, quando deixamos a presidência do TSE, para aprova-los. Na ultima reunião que tivemos com a diretoria do BID, em Washington, o ministro Torquato Jardim, Paulo César Camarão, o diplomata Ricardo Alves e eu, no dia 16.04.96, o presidente Enrique Iglesias entusiasmou-se com a idéia, deizendo-me que uma delegação de representantes de pais latino-americanos, financiados pelo BID, estaria presente, no Brasil, no dia 3 de outubro de 1996, como observadores, o que ocorreu. Da sra Nancy Birdsall, vice-presidente Executiva do BID, com quem me reuni varias vezes, ouvi na reunião do dia 15.04.96, a afirmativa de que deixaria eu um “regalo” para o meu sucessor. A nossa ação foi pioneira. Penso que foi a primeira vez que um presidente de Tribunal brasileiro negociou financiamento para Justiça com um organismo internacional. Esclareça-se que tudo isto foi feito com o conhecimento e o apoio dos meus colegas, e com o conhecimento e o apoio do Presidente Fernando Henrique Cardoso. De S.Exa. ouvimos palavras entusiasmadoras: - Vá Ministro, busque lá fora o endosso de organismos internacionais sérios ao projeto de informatização.

            Ao que estou informado, deixando eu a presidência do TSE, no dia 19 de maio de 1996, as negociações com o BID, em nível de presidência do TSE, diretoria do BID e Embaixada do Brasil em Washington, cessaram.

            Este livro, que o idealismo de Paulo César Bhéring Camarão escreve e fez editar, conta a historia da informatização do voto, repito, demonstrando que sonhar é preciso. No discurso que proferi, quando da minha posse na presidência do TSE, invoquei Fernando Pessoa, que não obstante o seu ceticismo, sabia sonhar e soube dizer que o que é frustrante não são os sonhos que não realizamos, mas os sonhos que não tivemos a coragem de sonhar.

            Paulo César Bhéring Camarão, notável físico, melhor técnico em informática, político no sentido grego do termo, pode não ter realizado todos os sonhos que teve a coragem de sonhar. Certo é, entretanto, que o seu maior sonho – seu, meu, da Justiça Eleitoral e dos brasileiros todos – foi realizado.

            Esta é a historia que este livro revela e que os brasileiros haverão de ler.

            Valeu a pena sonhar. Busco, mais uma vez, nos versos de Fernando Pessoa, a sentença precisa:

            “... Tudo vale a pena

                  Se a alma não é pequena”.

 

            Brasília, DF, 10 de abril de 1997

 

            Carlos Mário da Silva Velloso – Ministro do Supremo Tribunal Federal, ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral”.

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