*A morte das paixões

Cefas Carvalho*
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*Tarde dessas na redação do jornal, lugar sagrado onde se discutem desde os
destinos do mundo até a fofoca da semana, eu e o companheiro de labuta José
Pinto Júnior conversávamos sobre nossos tempos de juventude, quando amigos
empunhavam facas em mesas de bar para defender tal ou qual posição
político-ideológica e amizades eram rompidas para sempre se um camarada
criticasse Gláuber Rocha ou Buñuel. Eram tempos ainda, meados dos anos
oitenta, em que as paixões norteavam amizades, amores e ligações afetivas em
geral. Dificilmente uma esquerdista namoraria ou sequer daria bola para o
filho de um cacique do PFL. Ou um cineclubista amante de Kubrick e Kurosawa
se interessaria por uma menina que assistisse novela. Tanto que "Eduardo e
Mônica", cantados por Renato Russo, eram exceção. Bem, fato é que ao
compararmos aqueles tempos com os atuais – com cinismo a solta, internet,
celulares, Ipod e MP4 – constatamos que os jovens de hoje, não obstante
terem qualidades que nossa geração não tinha, pouco ou nada fazem com
paixão. As bandas de rock não insuflam mais paixões como antes, tampouco
nenhum escritor, novo ou velho. Cinema? Nem pensar, ainda que o cinema
independente até chame a atenção dos mais letrados. Nada disso. Os infantes
de hoje são espertos, sabem tudo sobre tecnologia, convivem harmoniosamente
com o sexo oposto, mas, de forma desapaixonada. Qual a melhor banda:
Evanescence ou Three Does Down? Qual o melhor cineasta atual: Walter Salles
ou Paul Thomas Anderson? Besteira, os jovens de hoje são "da paz", não vão
quebrar pau por essas besteiras. Lembro quando na minha roda de amigos
"cabeça" nos anos 90, confessei que assisti e gostei de "Dança com lobos".
Quase fui expulso da mesa a pedradas e tive de agüentar sermões sobre "o que
era cinema de verdade". E quem se atrevesse a falar mal de U2 e REM? Seria
crucificado sem pena. Claro, éramos uns exagerados, a moda dos rapazes de
"Encontro marcado", de Fernando Sabino e dos personagens de Monicelli e
Scola. Mas, e daí? Foram essas paixões que nos fizeram ser o que somos hoje,
ainda que as lapadas da vida tenham nos tornado mais céticos e cínicos. Mas,
aí de quem falar mal de The Smiths e Bergman na minha frente. Terei ganas de
beber seu sangue e comer seus olhos. Paixão é paixão é não se discute. E
ponto final.

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