Empreendedores vêem uma Internet 3.0 guiada pelo senso comum
12/11/2006

The New York Times
John Markoff
Em San Francisco

A partir dos bilhões de documentos que formam a World Wide Web (rede mundial
de computadores) e os links que os ligam, cientistas da computação e um
crescente grupo de novas empresas estão encontrando novas formas de
mineração de inteligência humana.

A meta deles é adicionar uma camada de significado sobre a Internet
existente, o que a tornaria menos um catálogo e mais um guia —até mesmo
fornecendo a fundação para sistemas que possam raciocinar de forma humana.
Tal nível de inteligência artificial tem escapado aos pesquisadores há mais
de meio século.

Tratado como Web 3.0, o esforço está em sua infância e a própria idéia tem
gerado céticos, que a consideram uma visão inalcançável. Mas as tecnologias
por trás dele estão ganhando adeptos rapidamente, de grandes empresas como
IBM e Google a pequenas empresas. Seus projetos freqüentemente se concentram
em usos simples, práticos, da produção de recomendações de férias à previsão
da próxima canção de sucesso.

Mas no futuro, sistemas mais poderosos poderão agir como consultores
pessoais em áreas tão diversas como planejamento financeiro, com um sistema
inteligente mapeando um plano de aposentadoria para um casal, por exemplo,
ou uma consultoria educacional, com a Internet ajudando um aluno colegial e
identificar o curso universitário certo.

Todos projetos que visam criar a Web 3.0 se aproveitam de computadores cada
vez mais poderosos que podem rápida e completamente explorar a Internet.

"Eu a chamo de World Wide Database (banco de dados mundial)", disse Nova
Spivack, o fundador de uma nova firma cuja tecnologia detecta as relações
entre pedaços de informação, em vez de armazenar a informação em si. "Nós
passaremos de uma rede de documentos conectados a uma rede de dados
conectados."

A Web 2.0, que representa a habilidade de ligar suavemente aplicações (como
processamento de texto) e serviços (como compartilhamento de fotos) pela
Internet, se tornou nos últimos meses o foco da badalação estilo pontocom no
Vale do Silício. Mas o interesse comercial na Web 3.0 —ou a "Web semântica",
pela idéia de adicionar significado— apenas agora está despontando.

O exemplo clássico da era Web 2.0 é o "mash-up" (combinação) —por exemplo, a
ligação de um site de aluguel de imóveis ao Google Maps para a criação de um
serviço novo, mais útil, que mostra automaticamente a localização de cada
imóvel para alugar listado.

Por sua vez, o Santo Graal para os desenvolvedores da Web semântica é
construir um sistema que possa dar uma resposta completa e razoável a uma
pergunta simples como: "Estou à procura de um local quente para passar as
férias e disponho de US$ 3 mil. Ah, e tenho um filho de 11 anos".

No sistema atual, tal pergunta poderia levar a horas de pesquisa —por listas
de vôos, hotéis, aluguéis de carro— e as opções costumam entrar em conflito
umas com as outras. Na Web 3.0, a mesma pesquisa resultaria idealmente em um
pacote de férias completo, planejado tão meticulosamente como se tivesse
sido preparado por um agente de viagens humano.

Como tais sistemas serão construídos, além de quanto tempo levará para que
comecem a fornecer respostas significativas, atualmente é motivo de um
debate vigoroso entre pesquisadores acadêmicos e tecnologistas comerciais.
Alguns estão concentrados na criação de uma vasta nova estrutura para
suplantar a Internet existente; outros estão desenvolvendo ferramentas
pragmáticas para extração de significado da Internet existente.

Mas todos concordam que se tais sistemas surgirem, eles se tornarão
instantaneamente mais valiosos comercialmente do que as ferramentas de busca
atuais, que retornam milhares ou mesmo milhões de documentos, mas costumam
não responder às perguntas diretamente.

Ressaltando o potencial de mineração de conhecimento humano há um exemplo
extraordinariamente lucrativo: a tecnologia básica que tornou o Google
possível, conhecida como "Page Rank" (posicionamento ou ranking de página),
explora sistematicamente o conhecimento e decisões humanas sobre o que é
relevante para ordenar os resultados de busca. (Ele interpreta um link de
uma página a outro como um "voto", mas votos dados por páginas consideradas
populares têm peso maior.)

Os pesquisadores estão no momento tentando ir além. A empresa de Spivack, a
Radar Networks, por exemplo, é uma entre várias que trabalham na exploração
do conteúdo de sites de computação social, que permitem aos usuários
colaborarem na reunião e adição de seus pensamentos a uma grande quantidade
de conteúdo, de viagem a filmes.

A tecnologia da Radar é baseada em um sistema de banco de dados de nova
geração que armazena associações, como o relacionamento de uma pessoa com
outra (colega, amigo, irmão) em vez de itens específicos como texto ou
números.

Um exemplo que indica o potencial de tais sistemas é o KnowItAll, um projeto
de um grupo de membros do corpo docente e estudantes da Universidade de
Washington que é financiado pela Google. Um sistema amostra criado usando a
tecnologia é o Opine, que busca extrair e agregar informação postada por
usuário em sites de produtos e críticas.

Um projeto de demonstração "entende" conceitos como temperatura do quarto,
conforto da cama e preço do hotel, e pode distinguir entre conceitos como
"ótimo", "bom" e "mais ou menos" para fornecer respostas diretas úteis a
perguntas sobre hotéis. Enquanto os atuais sites de recomendações de viagem
forçam as pessoas a percorrerem longas listas de comentários e observações
deixadas por outros, o sistema Web 3.0 pesa e classifica todos os
comentários e encontra, por dedução cognitiva, o hotel certo para um usuário
em particular.

"O sistema saberá que imaculado é melhor que limpo", disse Oren Etzioni, um
pesquisador de inteligência artificial da Universidade de Washington que é
um líder do projeto. "Há um crescente entendimento de que o texto na
Internet é um recurso tremendo."

Pesquisadores e empreendedores dizem que apesar de ser improvável que haja
sistemas completos de inteligência artificial tão cedo, se é que algum dia
existirão, a Internet atualmente está produzindo uma cascata crescente de
sistemas baseados em inteligência útil a partir de esforços comerciais para
estruturar e explorar a Internet. Áreas específicas como sites de viagens e
críticas de restaurantes e produtos são candidatas óbvias para construção de
tais sistemas, que prenunciariam a chegada da Web 3.0.

"É um assunto quente e as pessoas ainda não perceberam esta coisa espantosa
do quanto dependem de I.A.", disse W. Daniel Hillis, um pesquisador veterano
de inteligência artificial que fundou aqui a Metaweb Technologies no ano
passado. Ele se referia aos milhares de atuais exemplos de inteligência
limitada, de câmeras de Internet inteligentes para proteção contra intrusos
a programas de e-mail baseados em Internet que reconhecem datas e locais.

Como a Radar Networks, a Metaweb ainda não está descrevendo publicamente
qual será seu serviço ou produto, apesar do site da empresa declarar que a
Metaweb visa "construir uma melhor infra-estrutura para a Internet".

"Está bem claro que o conhecimento humano está lá fora e mais exposto a
máquinas do que nunca", disse Hillis.

*Agências de inteligência*
Tanto a Radar Networks quanto a Metaweb têm em parte suas raízes em
tecnologia desenvolvida originalmente para agências de inteligência e para
as forças armadas. A pesquisa inicial financiada pela Agência de Segurança
Nacional, CIA e Agência de Projetos de Pesquisa Avançada da Defesa pré-data
o apelo pioneiro por uma Internet semântica feito em 1999 por Tim
Berners-Lee, o criador da World Wide Web uma década antes.

As agências de inteligência foram as apoiadoras iniciais do uso de técnicas
de inteligência artificial para peneirar gigabytes de informação digital,
uma idéia que agora está ganhando força na futura era Web 3.0. Isto levou
diretamente nos anos 90 ao surgimento de um setor pequeno mas próspero de
"análise de texto", que visava ajudar grandes corporações a extraírem
informações de bancos de dados.

Também ajudou a subscrever o trabalho de Doug Lenat, um cientista da
computação cuja empresa, a Cycorp de Austin, Texas, vende sistemas e
serviços para o governo e grandes empresas. No último quarto de século,
Lenat tem trabalhado em um sistema de inteligência artificial chamado Cyc,
que ele alega que algum dia será capaz de responder perguntas feitas em
linguagem escrita ou falada —e raciocinar.

O Cyc foi construído originalmente com a entrada de milhões de fatos de
senso comum que o sistema de computação "aprenderia". Mas em uma palestra
dada na Google no início deste ano, Lenat disse que o Cyc agora está
aprendendo a garimpar na Internet —um processo que faz parte da forma como a
Web 3.0 está sendo construída.

"Atualmente, grande parte do que fazemos em nossa empresa não se trata de
'monges em claustros' escrevendo em manuscritos iluminados para adicionar a
trilhonésima sétima peça de informação", ele disse, "mas sim extraindo
informação automaticamente da Internet e, em muitos casos, a extraindo a
partir da linguagem natural da Internet".

Durante sua palestra, ele deixou implícito que o Cyc atualmente é capaz de
responder uma pergunta sofisticada em linguagem natural: "Que cidade
americana seria a mais vulnerável a um ataque de antraz durante o verão?"

Separadamente, pesquisadores da IBM disseram que agora estão usando
rotineiramente uma foto instantânea digital dos 6 bilhões de documentos que
compõem a World Wide Web não pornográfica para realizar pesquisa de busca e
responder outras perguntas para clientes corporativos, que tentam resolver
problemas tão diversos quanto pesquisa de mercado e desenvolvimento de
marcas corporativas.

Daniel Gruhl, um cientista do Centro de Pesquisa Almaden da IBM, em San
Jose, Califórnia, disse que o sistema de mineração de dados, conhecido como
Web Fountain, está sendo usado para determinar a atitude dos jovens em
relação à morte para uma seguradora e contribuiu para a escolha entre os
termos "utility computing" (computação utilitária) e "grid computing"
(computação em grade), em um esforço de desenvolvimento de marca da IBM.

"Foi revelado que apenas geeks gostavam do termo 'grid computing'", ele
disse.

A IBM tem usado o sistema para realizar pesquisa de mercado para redes de
televisão sobre a popularidade de programas, minerando uma comunidade
popular de sites, ele disse. Adicionalmente, minerando a "badalação" em
sites de música universitários, os pesquisadores conseguiram prever canções
que seriam sucesso nas paradas com duas semanas de antecedência —uma
capacidade mais impressionante do que as atuais previsões de pesquisa de
mercado.

Entre os pesquisadores que estão desenvolvendo sistemas inteligentes, há um
longo debate sobre se sistemas como o Cyc produzirão frutos, como a criação
de novos sistemas e bancos de dados que possam semear e manipular —uma
abordagem defendida por Berners-Lee.

Mas uma nova geração de pesquisadores e empreendedores concluiu que, em vez
disso, tal inteligência surgirá de forma mais orgânica a partir de
tecnologias que extrairão sistematicamente significado da Internet
existente.

Seus esforços são conduzidos por uma explosão de padrões compartilhados
—como blocos Lego que são publicamente descritos de forma que todos possam
conectar— projetados para simplificar e automatizar a troca de informação.
Alguns descrevem como a informação deve ser organizada e trocada; outros
definem como criar perguntas que capturem o significado tanto quanto a
obtenção de trechos específicos de texto.

Os primeiros exemplos são serviços como del.icio.us e Flickr, os sistemas de
compartilhamento de bookmarks (sites favoritos) e fotos adquiridos pelo
Yahoo, e Digg, um serviço de notícias que emprega a agregação de opiniões de
leitores para encontrar artigos de interesse.

No Flickr, por exemplo, os usuários "rotulam" fotos, facilitando a
identificação de imagens de formas que escapavam aos cientistas no passado.

"Com o Flickr, você pode encontrar imagens que um computador nunca
conseguiria", disse Prabhakar Raghavan, chefe de pesquisa da Yahoo. "Algo
que nos desafiou por 50 anos repentinamente se tornou trivial. Não teria se
tornado trivial sem a World Wide Web."

*Tradução:* George El Khouri Andolfato

Fonte: http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/nytimes/2006/11
/12/ult574u7112.jhtm
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