Prezados amigos Se promovermos a carne de búfalos menoscabando a de bovino, estaremos a dar, como se diz por aí, "um tiro no pé". Afrontaremos a preferência popular por uma carne que é imensamente mais conhecida e é excelente, além de que por detrás dela, se arregimentam indústrias poderosas. Pode ser que o consumidor entenda essa publicidade litígiosa como um convite a que não se consuma carne vermelha. As carnes vermelhas ganham terreno no mundo, depois que os nutrólogos reconheceram sua indispensabilidade na dieta humana. As carnes brancas, em especial a mais conhecida dentre elas, a de frango, já estavam com crescimento de consumo per capita contido e até em queda antes mesmo do momentoso caso da gripe aviar. Tenho minha pesquisa particular, com a qual insisto há três anos, amparado em métodos expeditos e sem preocupações com o rigor da metodologia, mas de inegável valor. Em todas as terças-feiras almoço no RU da UPF, situado no campus central de Passo Fundo, que serve 600 clientes ao meio-dia. A servente diz-me de pronto, agora já sem minha demanda, como está o placar da preferência por carnes entre as duas oferecidas: a de bovino e a de frango. No início, a gentil funcionária dizia "o frango ganha de goleada" No final de 2004, dizia-me que o frango estava na frente, mas já não "ganhava de goleada". No início do ano 2005, disse-me que "o jogo está empatado"; no final do ano ela já notava com clareza que a carne bovina era a preferida e que a tendência se acentuava. Em 2006, a carne bovina, vermelha como a de búfalo, já está bem na frente. Tentarei fazer um levantamento detalhado sobre o quanto é consumido em nosso RU das duas carnes e resgatar as quantias anteriores. Agora, com o episódio da gripe aviar em máxima evidência, a moça disse-me na segunda semana do semestre letivo, que "a carne bovina ganha de goleada". Só algumas moçoilas, com suas barriguinhas achatadas e sensuais, insistem em levar ao prato a carne de frango, mas já com as convicções sanitárias abaladas. Temos de refletir sobre as razões por que a carne de frango cai tanto e com tanta rapidez na preferência dos consumidores em todo o mundo. Mais ou menos assim: o feitiço se voltou contra o feiticeiro; ou o feiticeiro se envenena com seu próprio veneno. Explico. Os marqueteiros da indústria de processamento avícola desparramaram pelo mundo a idéia de que a carne de frango era: a mais saudável, a de menor concentração lipídica, a mais digestiva, produto de criações altamente tecnificadas, a mais bem elaborada na indústria e mais atrativamente apresentada ao consumidor, a mais livre de condicionantes religiosos, a mais barata. Enfim, a carne mais do que perfeita. O primeiro pilar desse prestígio, sempre alicerçado em marquetingue e propaganda, recebeu um banana de dinamite na sua base de sustentação. Se o primeiro e principal argumento suscita dúvidas sobre sua validade, os demais passam a ser irrelevantes e começa a vigorar o princípio da precaução. Esta, no caso, é mortal. O consumidor, em dúvida, pára de levar sua mão ao produto exposto, não o alça a seu carrinho, não passa no caixa e não aciona a roda do setor terciário. Os estoques se acumulam e os varejistas não fazem novas compras do distribuidor que diminui suas encomendas da indústria de processamento, que não chamam os produtores a que alojem mais pintos, que se converterão em frangos. Na economia, dizem os manuais de administração, só há um negócio quando o consumidor paga pelo produto final. Os produtores não recebem solicitação de alojamento de pintos e não os encomendam da "choca", o incubatório. Este tem de despedir pessoal porque não têm volume de encomendas para justificar tanta gente. Se o terminador de frangos não é requerido para alojá-los e conduzi-los aos abatedouros, não necessitará de milho e farelo de soja, que ficam com seus estoques represados nos armazens. Os preços caem. Não serão por outros motivos que, aqui no RS, por exemplo, os silos estão abarrotados de milho e os lavoureiros não recebem ofertas de compra superiores a R$9,00/saca de 60 kg. A soja, que, em 2003, no RS, era cotada a US$17 de um câmbio de R$3,20, hoje vale US$11,5 de um câmbio de R$2,20. Se continuar assim, o quadro se agravará dramaticamente, já que frango é carne de exportação e o mercado interno não tem capacidade de absorver tudo o que se produz. Aos agricultores e os avicultores, recomendo que recitem o que me ensinaram no catecismo de minha infância: Consolatrix afflictorum, ora pro nobis. Para terminar, relato o que aconteceu na minha mesa no RU da UPF na 3a.feira passada. Antes, conto que adoro fazer minhas refeições no local acompanhado, digo melhor, adornado, por meus sorridentes alunos e minhas enternecedoras alunas. Quanta alegria experimento, quantas recompensas a meu coração! As mesas têm seis cadeiras. A quinta comensal chegou à nossa roda com um prato sobre o qual havia magérrimo pedaço de peito de frango. Tão logo depositou-o sobre a mesa, um seu colega de aula perguntou de chofre à moça: "Tu não tens medo da gripe do frango?". Tive pena do desconforto da jovem e da dificuldade em articular resposta coerente. Seguiu-se uma cena de perplexidade pura. Nem a mim, por suposto o mais experiente, a embaraçosa pergunta poupou. Quantas cenas iguais a essa se repetem pelo Brasil afora? Tudo isso foi para dizer que não se faz marquetingue e propaganda sobre argumentos que podem ruir a qualquer momento, como procederam os arautos da carne de frango, que é boa e não é perfeita. Todos os argumentos eram contra as demais carnes, em especial contra o do injustiçado suíno, na tentativa de torná-la invulnerável e insuperável. Todo o veneno que, sorridentes, usaram contra as carnes vermelhas, agora têm de, chorosos e desconsolados, provar. A carne de búfalo, na minha leiga visão marqueteira, deve ser ressaltada quanto às suas qualidades, que se igualam ou sobrepujam a excelente carne bovina. No caso do suíno, nos EEUU dizem que era "the other white meat". No nosso caso, não será lícito dizer: "a outra carne vermelha"? Búfalos são tão bovinos quanto o são os assim chamados bovinos, o iaque, os bisões, o gaial, o gauro, o banteng. Destas todas, só duas espécies têm interesse zootécnico universal: a dos bovinos, taurinos e zebuínos, e a dos bufalinos. Não será por esse viés que se deverá focar nosso arrazoamento publicitário? Roberto Mesquita, sábias palavras de advertência pronunciaste e não me posso eximir de louvá-las. Continua assim. Com a argúcia e a sensatez que enaltecem teu caráter, tens muito a dar à nossa edificante lista. Humberto Sorio
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