Entre os batentes da porta 
Artur Chinelato
 
Há 10 anos, um estagiário que acabara de chegar parou à porta de minha sala na 
Embrapa, em São Carlos-SP. Naquela época, os estagiários auxiliavam, e muito, 
nas tarefas relacionadas ao rebanho leiteiro, executando todos os serviços de 
uma fazenda. Nos períodos de férias escolares trabalhavam por volta de 10 a 12 
horas diariamente, e posso garantir que ninguém morreu por causa disso. Muito 
pelo contrário.
Em contrapartida, esse tipo de estágio conseguia transformar um ser 
eminentemente urbano, como a maior parte dos alunos que habitam atualmente as 
faculdades de ciências agrárias, que não sabem distinguir uma vaca Holandesa 
Vermelha e Branca de uma égua Pampa (frase do professor Vidal Pedroso de Faria, 
da Esalq/USP), num profissional qualificado, que parece até ter nascido na roça.
 
Após a promulgação da lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, que passou a 
regulamentar a cessão de estágios, o tipo de vivência que oferecíamos, hoje, 
não é mais possível. Primeiramente porque é necessário um Contrato de Estágio 
firmado entre o estudante e as empresas públicas ou privadas, bem como com 
profissionais liberais que oferecem os estágios, com a anuência da instituição 
de ensino.
Exceção feita aos estágios obrigatórios previstos nas grades dos cursos, é 
necessária a previsão de recursos para a remuneração do estagiário (bolsa), não 
existindo um valor mínimo. No entanto, o valor deverá constar no contrato de 
estágio. Em ambos os casos, estágios obrigatórios ou não, deverá haver ainda a 
cessão de auxílio-transporte e seguro contra acidentes pessoais aos 
estagiários. O horário não deverá ultrapassar 6 horas diárias e 30 horas 
semanais.
Com essas normas e restrições de atuação, principalmente em se tratando de uma 
fazenda produtora de leite, onde o trabalho tem início antes que a barra do dia 
apareça e termina com a luz das estrelas, se tornou impraticável a oferta de 
estágios, pelo menos de minha parte. O resultado são levas e levas de 
profissionais que podem saber tudo sobre produção de leite no computador, 
inclusive sobre a diferença cromossômica entre uma vaca Holandesa Vermelha e 
Branca e uma égua Pampa, mas que no campo, as confundem. Com isso, o Brasil, 
infelizmente, vai colher o que está plantando!
 
Voltando ao ano de 2003, indiquei uma propriedade participante do Programa 
Balde Cheio para que aquele aluno fizesse seu estágio. Lá foi ele com a cara, a 
coragem, o telefone de contato e um mapa na mão. Foram dias de muito trabalho, 
e quando visitei o pequeno sítio perguntei ao proprietário qual a impressão 
dele sobre o estagiário. O produtor, um senhor de idade avançada, de imediato 
começou a desenrolar um corolário de elogios e agradeceu muito a mim por tê-lo 
enviado. Sorri contente, pois sabia que mais um aluno se diferenciara na 
multidão.
Findado o curso de graduação, estimulei o estagiário para que trabalhasse como 
autônomo, assistindo algumas propriedades. Como acontece com todos nós, 
técnicos, umas propriedades vingaram e outras ficaram pelo caminho. Dentre as 
que se sobressaíram, se destacou uma propriedade no município de Bom 
Sucesso-MG. Um marco para o trabalho em terras mineiras.
A frequência de visitantes a essa propriedade despertou a atenção da 
Faemg/Senar-MG e, desde maio de 2007, o Balde Cheio foi iniciado em Minas 
Gerais abrangendo nove municípios espalhados pelas distintas regiões existentes 
no Estado, sob a coordenação técnica do ex-estagiário.
Números pouco significam diante
da benção de resgatar a vida de
um produtor de leite e recuperar
um técnico da extensão rural 
 
Com uma bem elaborada rede de parcerias coordenada pela instituição citada 
acima, o trabalho cresceu ano a ano e, em maio de 2011, para comemorar o quarto 
aniversário do projeto, foi realizado o Encontro Mineiro do Balde Cheio, um 
evento que contou com a presença de 1.500 pessoas, dentre produtores, técnicos 
e autoridades no recinto da Expo Minas em Belo Horizonte.
O trabalho continuou, a responsabilidade aumentou, e mais técnicos e produtores 
se uniram a essa verdadeira cruzada da cidadania, e no início de junho de 2013, 
nova reunião de agradecimento aos participantes do Balde Cheio foi organizada 
pela Faemg/Senar-MG no mesmo recinto do primeiro encontro, agora, com a 
presença de 2.300 produtores vestindo camisetas com as cores da bandeira 
brasileira: Zona da Mata de Minas (verde), Leste e Nordeste de Minas (amarelo), 
Centro-Oeste e Sul de Minas (azul) e Triângulo Mineiro e Noroeste de Minas 
(branco).
A distribuição das pessoas nas mesas seguia a mesma lógica, sendo as toalhas de 
mesa das mesmas cores de cada região. Um show de organização e de brasilidade 
numa época de tantos conflitos plantados artificialmente no campo. Depoimentos 
emocionados e emocionantes de pessoas que recobraram a vontade de viver e de 
tomar nas mãos os destinos de suas vidas, trabalhando com afinco no presente, 
mas pensando no futuro, foram a tônica do dia. Autoridades e lideranças do 
setor se encantaram com o clima de paz e harmonia que invadiu o local, e todos 
fomos contemplados, ainda, com uma empolgante palestra do professor Luiz 
Almeida Marins Filho.
 
Administrar é ter o talento de colocar as pessoas certas no lugar certo, e esse 
foi o meu único mérito no processo. Pelo êxito do trabalho, fui cumprimentado 
por muitas pessoas, mas me permito repassar as honrarias a quem de direito, no 
caso, o engenheiro agrônomo Walter Miguel Ribeiro, que comandou todo esse 
processo em conjunto com sua equipe de coordenadores regionais e técnicos 
locais. Poucos sabem, mas nos dois primeiros anos do trabalho em Minas Gerais, 
muitas vezes, ele se deslocou em viagens noturnas de ônibus para economizar os 
recursos disponibilizados, com o intuito de atender a mais municípios com o 
mesmo dinheiro.
A partir de 2009, após fixar residência em Belo Horizonte-MG, o trabalho tomou 
novo impulso, e no 2º Encontro Mineiro do Balde Cheio, no início de junho de 
2013, os números do projeto no Estado, importantes para as estatísticas, foram 
atualizados: 2.100 propriedades espalhados por 251 municípios, 215 técnicos em 
qualificação e 151 parcerias dentre sindicatos rurais, prefeituras, 
cooperativas de produtos, cooperativas de crédito, associações, laticínios, 
fundações, instituições de ensino, dentre outras.
 
No evento, apreciei por demais uma das metas do projeto apresentada pela equipe 
para os próximos 12 meses: atingir mais 16 municípios em Minas Gerais. Para um 
Estado que tem 853 municípios, isso pode parecer pouco, mas não é. Anos atrás 
me perguntaram qual era a meta do Balde Cheio nacional para o próximo ano e 
respondi que era atingir mais um município brasileiro, onde houvesse um 
produtor de leite e um extensionista interessados.
O entrevistador, então, me questionou por que uma meta tão pouco ambiciosa. 
Respondi que para nós, do projeto, os números pouco significam diante da benção 
de resgatar a vida de um produtor de leite e recuperar profissionalmente um 
técnico da extensão rural dando sentido à sua existência no município. A vida é 
um bem precioso, e poder contribuir para o resgate dela é uma missão abençoada. 
Agradeço muito a Deus pelo fato de Ele ter me escolhido para auxiliar na 
condução desse trabalho.
E pensar que tudo começou com um estagiário parado entre os batentes da porta 
de minha sala há 10 anos. 

[As partes desta mensagem que não continham texto foram removidas]



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