Ciência tem limite
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07.Jul.2001
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Eduardo Junqueira
Fonte:
www.no.com.br

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Quando anunciou a conclusão do mapeamento do genoma humano, em junho do ano
passado, o fisiologista americano J. Craig Venter mostrou ter qualidades que
ultrapassavam a de cientista de crédito internacional e iatista de final de
semana. Com as ações de sua empresa em queda, ele decidiu apostar tudo em um
plano arriscado. Venter jogou suas fichas em um método alternativo de
leitura do intrincado código genético - mas bem mais rápido e simples.
Graças a isso, conseguiu apresentar o primeiro esboço do genoma humano três
anos antes da meta estabelecida pelo consórcio público conhecido como
Projeto Genoma Humano, mantido com bilhões de dólares dos Estados Unidos,
Japão e União Européia. Deu certo. Logo após o anúncio, as ações da empresa
presidida por Venter, a Celera Genomics, subiram 26%. Desde então, genética
tornou-se um negócio lucrativo e Venter tem hoje uma carteira de clientes
respeitáveis, entre eles o bilionário laboratório Pfizer. De quebra, o
cientista tornou-se celebridade mundial e referência na área. Também ganhou
uma inimizade tensa com outro peso pesado da genética, o cientista Francis
Collins, presidente do consórcio internacional. Finalmente, em fevereiro
deste ano, desafiando críticas de que o trabalho da Celera era
inconsistente, Venter e sua equipe publicaram na revista "Science", uma das
bíblias no mundo científico, a seqüência completa do genoma humano.

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Como disse em uma entrevista à época, "foi o começo do fim". Com os dados
publicados, cientistas de todo o mundo podem tentar entender como evitar e
combater doenças, estender a longevidade, melhorar a qualidade de vida da
população. Desde que a seqüência do DNA foi anunciada, porém, Venter diz que
assiste ao crescimento de um sem fim de informações descabidas, entre elas
falsas promessas para a cura do câncer e supostos boatos sobre a geração de
um clone humano perfeito. Em entrevista exclusiva ao no., Venter analisou os
limites e as reais possibilidades abertas pelas pesquisas genéticas no
futuro próximo.

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Como as pesquisas genéticas poderão ajudar pessoas que sofrem de males
diversos no curto prazo?

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Craig Venter - Sempre é bom lembrar que lidamos com descobertas científicas.
Por isso, não há promessas asseguradas. Hoje a ciência conhece apenas 1%
do intrincado genoma humano. Ainda temos 99% de escuridão pela frente.
Por isso, tudo é imprevisível. Eu levei dez anos para descrever um único
gene. Agora, essa informação poderá ser utilizada por outros cientistas
que, quem sabe, irão chegar a conclusões em apenas alguns dias.

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Mas há indicativos de campos onde a pesquisa é mais promissora?

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CV - As doenças que mais matam no mundo são os males do coração, as
infecções e o câncer, principalmente de mama, cólon e pulmão. Por isso,
estas serão as primeiras a serem atacadas por drogas baseadas em terapias
genéticas. Afinal, é nisso que as empresas farmacêuticas estão apostando.
Nossa base de dados é utilizada em cerca de 100 países, e é certo que
teremos mudanças dramáticas nos próximos cinco anos. Antes de pensar em
novas drogas, porém, acredito que o maior conhecimento do genoma humano
poderá ter uma benéfica ação preventiva. Se descobrirmos que uma população
tem características genéticas propícias ao surgimento de um tipo de câncer
ou ao acúmulo do colesterol, poderemos iniciar um tratamento precoce
utlizando as técnicas que já temos disponíveis. Sabemos que um câncer
operado na fase inicial oferece melhores condições de sobrevida ao paciente.
Nesse caso, não será preciso reinventar a roda. Muitas vidas serão salvas se
a medicina atacar essas doenças mais cedo.

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Mas como fazer diagnósticos precoces confiáveis?

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CV - Estamos trabalhando nisso aqui na Celera. A idéia é criar protocolos
seguros para o diagnóstico dessas predisposições genéticas através de
diagnóstico molecular das proteínas do sangue. Mas paralelamente a isso,
nós, cientistas, continuaremos tentando entender melhor o complexo mecanismo
de criar vacinas baseadas em genes modificados ou a aritmética de como
desligar certos genes sem alterar toda a cadeia protéica envolvida no
processo. Ao contrário do que pensávamos no início de nossas pesquisas, hoje
não trabalhamos mais com sim e não, mas com probabilidades.

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Por que a Celera tem dedicado tantos esforços a mapear o genoma do
camundongo e, mais recentemente, do cachorro e do arroz?

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CV - Decidimos interromper a pesquisa com o arroz porque consideramos que a
Celera não deveria dispersar esforços em pesquisas no campo dos vegetais. O
mapeamento genético do cachorro está em fase final. A exemplo do genoma do
camundongo, sabemos que as diferenças genéticas entre as espécies resumem-se
a um número relativamente pequeno de genes. Por isso, os mecanismos
genômicos dos animais poderão elucidar processos similares em humanos. Isso
abre novas perspectivas em terrenos inexplorados de como os genes são
regulados e conservados.

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Fala-se muito em clonagem de humanos e na pesquisa do que seria o ser humano
perfeito. O que o senhor acha disso?

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CV - Isso simplesmente não interessa. Ser humano implica em ser imperfeito.
Nesse campo, tudo não passa de pura ficção científica. E boa parte disso
deve ser atribuído à desinformação e ao interesse sensacionalista da
imprensa. A população não deveria ser iludida com esse tipo de promessas
vãs. A idéia de que uma mãe poderá substituir o filho perdido por um clone
idêntico, por exemplo, é algo que não procede. Veja o caso de gêmeos
univitelinos. Eles têm a mesma aparência, a mesma carga genética, mas suas
personalidades são diferentes porque são duas pessoas distintas. O fato é
que nós não temos genes suficientes para sustentar essa idéia do
determinismo biológico. A maravilhosa diversidade da espécie humana não é
parte do nosso código genético. O meio em que vivemos é crucial para
determinar quem somos nós.

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O que dizer sobre a escolha do sexo do bebê ou da cor dos olhos?

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CV - Isso não tem nada a ver com o que considero pesquisa genética. Na China
e na Índia, muitas mulheres abortam ao saber que darão à luz a uma menina.
Isso é seleção, não é clonagem. O mesmo vale para a escolha da cor dos
olhos. É algo trivial, que não considero engenharia genética.

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O senhor acha que as pesquisas genéticas poderão ajudar a pôr por terra
conflitos étnicos e disputas baseadas na suposta diferença racial entre
populações?

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CV - O conceito de raça é uma definição social e política, mas não
científica. Sabemos que do ponto de vista genômico, os seres humanos são
muito semelhantes porque nossa origem é comum, somos parte de um contínuo.
Mas não acho que esse conhecimento irá conferir à ciência o poder
pacificador de aplacar disputas étnicas com base na certeza de que somos
todos iguais. Veja o conflito entre católicos e protestantes na Irlanda do
Norte, por exemplo. A resposta para a paz na região não está no código
genético, mas na negociação política. Está certo que podemos encontrar
algumas diferenças significativas no genoma de alguns grupos populacionais
isolados, mas isso não modifica a raça dessas pessoas. Apenas lhes confere
algumas particularidades genéticas. Mais de 99.9% do genoma dos seres
humanos é idêntico. A diferença está no 0.1% restante.

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Como o senhor avalia a participação da comunidade científica do Brasil, um
país de Terceiro Mundo, no campo bilionário da pesquisa genética?

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CV - Primeiro vamos deixar claro que eu não considero que o Brasil seja um
país pobre ou com dificuldades de desempenhar um papel na comunidade
científica internacional. O Brasil é um país grande. Em ciência há um lei
muito simples: se você tem impacto internacional é porque a sua pesquisa tem
qualidade e ponto final. A divulgação da pesquisa da bactéria do amarelinho
demostrou isso. Eu gostaria de citar a nossa própria experiência, aqui na
Celera. Veja bem, nós somos somente 50 pesquisadores e, com um orçamento de
apenas 100 milhões de dólares, ultrapassamos o consórcio bilionário formado
por Estados Unidos, Japão e União Européia e divulgamos a primeira versão do
genoma humano no ano passado. Por isso, sei que mesmo países com orçamento
reduzido podem surpreender. E hoje todas as informações e ferramentas de
trabalho estão disseminadas na Internet. Isso joga os custos para baixo.
Hoje, por exemplo, poderíamos fazer a pesquisa do amarelinho aqui na Celera
por um custo de apenas 100.000 dólares (a pesquisa brasileira custou cerca
de 13 milhões de dólares).

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