Hoje quero falar de um tema que quase não é abordado
pela grande imprensa: o tráfico de órgãos humanos. É muito comum a mídia
descer o pau, quando trata de crimes das classes menos favorecida. Nos
finais de tarde, quase todas as emissoras de tevê exibem programas
policiais de qualidade duvidosa.
Seus apresentadores
não poupam agressões verbais, na maioria das vezes ridículas, quando o
foco está voltado para o ladrão, para o assaltante, para o seqüestrador ou
o traficante de drogas. Acompanho esses programas sempre que posso, não
por gostar do conteúdo, mas por dever de ofício e
nunca vi nenhum dos acalorados apresentadores usar a mesma veemência
verbal quando o acusado é alguém com formação acadêmica ou oriundo de
classe abastada.
O tráfico de órgãos humanos é um crime especial, e como tal,
não envolve o traficante da favela ou o ladrão da periferia. As quadrilhas
organizadas são compostas de gente especializada, principalmente da área
de saúde e a mídia em geral, não ataca doutores com a mesma facilidade que
o faz com ladrões, assaltantes ou traficantes. A polícia, por sua
vez, também trata de forma diferenciada, a artista de televisão que roubou
a bolsa da companheira numa academia de ginástica e o ladrão que tentou
surrupiar a bolsa de uma senhora no sinal de trânsito. Quando a questão
envolve médicos, advogados e outros supostos detentores de Drs
então, nem se fala. É o caso do tráfico de órgãos humanos, onde as
quadrilhas exigiriam o envolvimento de médicos, que escondidos sob seus
jalecos brancos, agiriam na quase certeza da impunidade.
A afirmação não
é leviana e nem se trata de elucubrações ou de achismos. Ela deve
constar dos anais da Câmara dos Deputados e faz parte do pronunciamento do
deputado Neucimar Fraga (PF-ES), em 8 de maio de 2003. O parlamentar diz
textualmente o seguinte:
“Ocupo a
tribuna para tratar de tema que me tem chamado a atenção nos últimos dias:
o tráfico de órgãos humanos, que tem deixado
cicatrizes no coração de muitos em nosso país, atemorizando a população
brasileira e provocando em pessoas e entidades reações
assustadoras.
Temos recebido
diversas denúncias de pessoas que foram vítimas de verdadeiras quadrilhas
que matam inocentes para retirar seus órgãos. Há casos registrados no
Estado de Minas Gerais, nas cidades de Poços de Caldas e Belo
Horizonte.
As vítimas que
tiveram coragem de denunciar a máfia do transplante e do tráfico de órgãos
no país hoje se tornaram vilões. Não estamos
denunciando traficantes ou usuários de drogas de favelas, mas sim, médicos
e donos de hospitais, pessoas conceituadas, autoridades
constituídas.
Na cidade de Taubaté foi instaurado inquérito policial em
decorrência de denúncia feita pelo Diretor do Hospital Universitário, que
delatou seus próprios colegas por tráfico de órgãos humanos dentro do
hospital. O Ministério Público indiciou quatro médicos do
estabelecimento por homicídio doloso. Pessoas foram
assassinadas dentro da unidade hospitalar para tráfico de seus órgãos no
Estado de São Paulo.
Em Belo Horizonte
houve o caso da universitária Tais, de 21 anos de idade, que tendo sido
atropelada, foi levada à coma induzido. Queremos fazer uma denúncia: 90
por cento dos casos de morte encefálica corridos nos hospitais brasileiros
poderiam ser evitados. Em vez de serem resgatadas e terem nova
oportunidade de vida, pessoas estão sendo assassinadas nos leitos
hospitalares brasileiros para o abastecimento do tráfico de
órgãos.
Nossa
legislação proíbe a eutanásia. Nem mesmo a família tem autorização para
determinar à equipe médica o desligamento ou não de aparelhos para que a
pessoa com morte cerebral morra dignamente. No entanto, a mesma legislação
que proíbe a eutanásia, permite a retirada de órgãos de pacientes em
estado terminal com morte encefálica. Como pode a lei, que considera crime
o desligamento de aparelhos que mantenham vivo o doente terminal, permitir
a retirada dos olhos, dos rins, do coração ou do fígado desse paciente? Ou
seja, mata parceladamente a pessoa.
A Comissão de
Segurança Pública e Combate do Crime Organizado da Câmara dos Deputados,
acatando requerimento deste deputado, criou grupo de trabalho para
investigar o tráfico de órgãos humanos no país. Esse
grupo já se reuniu três vezes. Estamos colhendo informações e já temos em
mãos documentos e depoimentos de delegados e de promotores que comprovam
essa prática criminosa no país. Nós, como deputados, representantes
da população, não nos podemos furtar à responsabilidade de investigar as
ações desses grupos criminosos.
Há, por exemplo, o caso de
um médico que matou treze crianças no Maranhão e foi preso no meu Estado,
o Espírito Santo, trabalhando num hospital conveniado do SUS. Ele
conseguiu uma credencial que lhe permitiu continuar cometendo crimes em
outros Estados.”
A denuncia oficial do deputado Neucimar Fraga,
do PF do Espírito Santo na Câmara Federal, pode sinalizar para um rigor
maior do CRM – Conselho Regional de Medicina – de cada Estado, no sentido
de monitorar com maior rigor, o trabalho desenvolvido pelos profissionais
da área de saúde. Nos bastidores da Câmara, comenta-se que outros
parlamentares estariam juntando documentos que comprovam a prática
antiética de endocrinologistas que estariam ministrando drogas viciantes a
pacientes com problemas de obesidade para mantê-los presos ao tratamento
interminável. A ser comprovada essa denúncia, o profissional de saúde
deveria receber o mesmo tratamento do traficante que vende o produto em
portas de escolas com o objetivo de aumentar o número de viciados e
expandir o consumo drogas ilícitas.
O deputado capixaba Neucimar Fraga, garante, ao
final do pronunciamento, que a Comissão de Segurança Pública da Câmara dos
Deputados, trabalhará arduamente para que esses assuntos sejam
esclarecidos. A população que vive sob tensão permanente diante da
sensação de medo imposta pelo recrudescimento da violência, tem mais uma
preocupação aterrorizante: a possibilidade de entrar
num hospital para tratamento e se transformar em mais uma vítima de
quadrilhas especializadas no tráfico de órgãos humanos.
* Jornalista |