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Editoria de Biodireito_Medicina
Responsável Celso Galli Coimbra
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Aos Ministros do STF: o que é, realmente, Anencefalia? E o que está envolvido em seu julgamento?

 
Neste dias, o STF estará decidindo a "interrupção da gravidez" de fetos "anencéfalos" (expressão que não corresponde aos fatos neurológicos).  Pelas repetidas abordagens do assunto na mídia e por profissionais do Direito, está claro que não existe uma efetiva constatação neurológica do que é erroneamente chamado de feto "anencéfalo".
 
 
1. "Anencefalia" não corresponde à morte encefálica.
 
 
2. Pessoas ou fetos com lesão restrita ao cérebro, erroaneamente consideradas como "anencéfalas", não podem ser diagnosticadas como mortas.
 
 
3. A expressão leiga "anencéfalo" não corresponde à ausência de encéfalo (pelo contrário), que é onde pelas regras vigentes na medicina mundial, inclusive no Brasil, na Resolução CFM 1.480/97 determinada pela legislação transplantadora de 1997, deve obrigatoriamente ser diagnosticada a morte encefálica.
 
 
4. Uma decisão judicial que ignore os fatos neurológicos relativos a esse julgamento, estará contrariando ou mudando os critérios mundialmente aceitos para definir existência de vida humana, que nada tem a ver com sua "perspectiva de futuro" em nossa legislação constitucional, inclusive.  A aceitação da premissa incondicional de vida ser o que tem "perspectiva de futuro" trará consigo práticas espúrias dentro e fora da medicina, como demonstramos neste texto.
 
 
5. Bibliografia ao final.
 

Há que entender-se, preliminarmente, que existem 3 níveis de discussão relativos à questão morte encefálica:

a) Nível filosófico: devem ou não as pessoas que se encontram com lesão irreversível de todo o encéfalo serem denominadas de mortas e, conseqüentemente, em caso afirmativo, serem tratadas como cadáveres?

b) Nível conceitual: como deve ser conceituada a morte encefálica? Inicialmente, em 1968, ela foi conceituada como “necrose difusa de todo o encéfalo”. Posteriormente verificou-se que as funções diencefálicas (tais como o controle da temperatura) continuavam presentes. Mudou-se então o conceito para perda irreversível de um grupo (especificamente definido) de funções encefálicas.

c) Nível diagnóstico: como deve ser diagnosticada a morte encefálica, ou seja, quais os critérios clínicos e laboratoriais que devem ser utilizados para o estabelecimento desse diagnóstico? No Brasil e na maioria dos países é condição essencial que o paciente tenha perdido irreversivelmente a capacidade de respirar.

Entenda-se também que muitos neonatos "encefálicos" são capazes de manter a respiração, mantendo o tronco encefálico funcionante. Alguns possuem mesmo parte do cérebro presente. A maior parte dos "anencéfalos" nasce em parada cardio-respiratória (natimortos, portanto). Esses dados demonstram que o termo "anencefalia" é tecnicamente incorreto, pois pressupõe ausência total do encéfalo. Alguns autores têm proposto os termos meroanencefalia e holoanencefalia para a diferenciação dos casos em que há ausência parcial e total do encéfalo, respectivamente. Casos menos severos de meroanencefalia podem sobreviver vários anos. E a decisão que pode vir a ser proferida pelo STF não estará distinguindo essas diferentes situações.
 

Ao contrário do que foi emitido nos  comentários da recente Resolução do CFM, que autoriza a retirada de órgão de "anencéfalos", a afirmação preliminar do CFM (de que “os anencéfalos são natimortos cerebrais”) não pode ser aceita como verdade.   Pressupõe esses considerandos do CFM que o conceito de morte cortical, ou seja de pessoas nas quais as “higher brain functions” se encontram na aparência irreversivelmente inativas (apesar de que as funções neurovegetativas mediadas pelo tronco encefálico e pelo diencéfalo se encontrem ainda ativas - tal como ocorre com o chamado “estado vegetativo persistente” em que o indivíduo continua respirando e deglutindo por meses ou anos e, eventualmente, em até 20% dos casos, podem recuperar a consciência) devem ser consideradas como mortas.  Essa idéia, contida na Resolução do CFM sobre "Anencéfalos",  não tem sido aceita em qualquer país em nenhum dos 3 níveis de discussão enumerados acima: filosófico, conceitual ou diagnóstico.

Em outras palavras, não existe morte “cerebral” (apesar de que a cultura leiga utilize largamente este termo com falta de propriedade), mas sim apenas morte encefálica,  pois em todas as culturas a sustentação da capacidade de respirar é considerada virtualmente excludente do diagnóstico de morte encefálica.  A utilização desse termo, mesclando a terminologia leiga inapropriada (que confunde esse termo com o que na realidade é de fato a morte encefálica, não a morte cerebral) com a terminologia técnica inexistente (pessoas com lesão restrita ao cérebro não podem ser diagnosticadas como mortas), representa portanto um artifício que deve ser acusado de imediato, preliminarmente (nunca aceito como PREMISSA VERDADEIRA), sob pena de que toda a discussão subseqüente traga fatalmente a sucesso aos que querem utilizar o "anencéfalo" como simples fonte de órgãos e tecidos transplantáveis ou tratá-los como cadáveres desde logo, o que é necessário para atingir o primeiro objetivo.
 
 
Está evidente que a decisão de permitir a "interrupção da gravidez" de "anencéfalo", tem como verdadeira intenção poder dispor de seus órgãos depois de nascido, diante da recente Resolução do CFM que já existe para essa finalidade.  Uma vez decidida a permissão judicial da "interrupção da gravidez" do "anencéfalo", tudo que os gestores da medicina brasileira farão será orientar "técnicas de abordagens" às gestantes desses fetos, para que eles nasçam e seus órgãos sejam retirados.  Há Estados que possuem projetos de leis (ou leis em vigor) que conferem vantagens econômicas às famílias de doadores de órgãos.  No caso dessas gestantes, é muito fácil fazer-lhes uma proposta vantajosa.

O segundo considerando do CFM em sua Resolução sobre os "anencéfalos" (considerando que para os "anencéfalos", por sua inviabilidade vital em decorrência da ausência de cérebro, são inaplicáveis e desnecessários os critérios de morte encefálica") encerra uma afirmação inverídica: há “anencéfalos” (na realidade portadores de meroanencefalia leve) que sobrevivem vários anos. Fato que não pode ser ignorado pelos julgadores.  Estes também serão vítimas dos gestores da medicina brasileira, diante da Resolução já existente.
 

Além do mais, a utilização, neste segundo considerando do termo tecnicamente correto (“morte encefálica”) em oposição ao conceito tecnicamente incorreto (“morte cerebral”) utilizado no primeiro considerando, é claramente demonstrativo da ardilosidade que caracteriza essa nova Resolução do CFM: verifique-se que a expressão “por sua inviabilidade vital” é uma referência evidente ao conceito  de “morte cerebral” exarado no primeiro considerando.

 

Na realidade, a Lei Federal de 97 não dá ao CFM a autoridade para mudar o conceito de morte (nível conceitual de discussão), alterando-o de morte encefálica para morte cerebral, como ele o fez na sua  recente Resolução permitindo a extração de órgãos de "anencéfalos", mas apenas para estabelecer como será reconhecido o indivíduo portador da condição pré-definida pelo conceito de morte encefálica.
A permissão judicial para a "interrupção da gravidez" trará um forte corolário de graves situações que irão muito além do que pretende-se julgar no STF.

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Referências bibliográficas:

Berkow, R (ed). The Merck Manual of Diagnosis and Therapy: Specialties. vol. II, 16th edition, Merck & Co., Inc., Rahway, NJ, p. 307 (1992).

Bradley, W, et al (eds). Neurology in Clinical Practice: The Neurological Disorders. vol. II, 2nd edition, Butterworth-Heinemann, Boston, p. 1473 (1996).

Lemire, R, and Siebert, J. Anencephaly: Its Spectrum and Relationship to Neural Tube Defects. Journal of Craniofacial Genetics and Developmental Biology, 10;163-174 (1990).

Medical Task Force on Anencephaly. The Infant with Anencephaly. New England Journal of Medicine, 322:10; 669-674 (March 8, 1990).

Oakley, G, et al. More Folic Acid for Everyone, Now. Journal of Nutrition, 126:3; 751S- 755S (March 1996).

Thomas, J, et al. Anencephaly and Other Neural Tube Defects. Frontiers of Neuroendocrinology, 15:2; 197-201 (June 1994).

Yen, I, et al. The Changing Epidemiology of Neural Tube Defects. American Journal of Diseases of Children, 146:7; 857-861 (July 1992)

Organizations

Anencephaly Support Foundation 20311 Sienna Pines Court Spring, TX 77379 http://www.asfhelp.com/ http://www.asfhelp.com/ Tel: 888-206-7526

Association of Birth Defects Children 930 Woodcock Road Suite 225 Orlando, FL 32803 http://www.birthdefects.org http://www.birthdefects.org/ Tel: 407-895-0802 800-313-ABDC (2232) Fax: 407-895-0824

March of Dimes Birth Defects Foundation 1275 Mamaroneck Avenue White Plains, NY 10605 http://www.modimes.org/http://www.modimes.org/ Tel: 914-428-7100 888-MODIMES (663-4637) Fax: 914-428-8203

National Organization for Rare Disorders (NORD) P.O. Box 8923 (100 Route 37) New Fairfield, CT 06812-8923 http://www.rarediseases.org/
http://www.rarediseases.org/
Tel: 203-746-6518 800-999-NORD (6673) Fax: 203-746-6481
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Provided by: The National Institute of Neurological Disorders and Stroke National Institutes of Health Bethesda, MD 20892
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