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6 maio 2006

"A liberdade de imprensa é a razão pela qual eu cheguei à Presidência, é a
razão pela qual as instituições brasileiras dão demonstrações mais sólidas
de crescimento e sustentabilidade democrática."

Esta curta observação, feita pelo presidente Lula na ocasião em que assinou
a Declaração de Chapultepec <http://www.igutenberg.org/chapul.html>-
documento internacional que estabelece princípios fundamentais da liberdade
de imprensa -, já pode ser considerada, por si, um dos mais lúcidos
pronunciamentos do presidente da República, em seus 40 meses de gestão. Com
efeito, corresponde inteiramente à verdade o fato de o inflamado
sindicalista de São Bernardo dever à plena liberdade de expressão a carreira
política que o levou ao topo do Poder. Diga-se o mesmo em relação a
influência, dessa liberdade, no "crescimento e sustentabilidade" das
instituições democráticas brasileiras. Há que se dizer também, no entanto,
que o comportamento do presidente e seu governo, no que diz respeito ao
relacionamento com a imprensa, esteve bem longe de significar o grau de
respeito e consideração contido nas palavras de quarta-feira.

Reconheça-se que neste campo tem havido uma evolução. Durante quase toda sua
gestão - com exceção dos últimos tempos, já pré-eleitorais - o presidente
Lula se recusou ao saudável hábito das rotineiras entrevistas coletivas,
preferindo sempre as comunicações oficiais. Só muito raramente se permitia
convidar alguns jornalistas para um "café-da-manhã", mas nessas ocasiões
fazia prevalecer mais um espírito de ameno congraçamento do que a intenção
de passar informações realmente relevantes, do interesse da sociedade. Mas
outros fatos marcaram um relacionamento tumultuado. Um deles foi a tentativa
de expulsão do País do jornalista Larry Rohter, do New York Times, por este
ter publicado matéria dando conta de hábitos etílicos do presidente.

Foi marcante, por outro lado, o envio ao Congresso Nacional da proposta de
criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ) - que tinha por objetivo
expresso "orientar, disciplinar e fiscalizar" o exercício da profissão. Por
sobre ser um projeto gritantemente inconstitucional - já que a Constituição,
por autodefesa histórica, em seu texto contém uma das maiores repulsas a
qualquer espécie de censura -, a idéia do CFJ foi prontamente rechaçada
pelos mais amplos setores da opinião pública e acabou - queremos crer -
definitivamente sepultada. Embora não se referissem especificamente à
imprensa - mas à liberdade de expressão, em gênero -, o famigerado projeto
da Ancinav, tentando impor "orientações" à produção cultural, assim como o
que pretendia colocar alguma "mordaça" no Ministério Público, foram outras
tentativas, felizmente frustradas, de o governo Lula estabelecer cerceamento
à livre manifestação de pensamento.

Se reconhecemos que houve uma boa evolução no relacionamento do governo Lula
com a imprensa, nos últimos tempos - e esforcemo-nos para, de boa-fé,
desvinculá-la de eventuais propósitos reeleitorais -, é porque se torna
perceptível a tentativa de o presidente aproximar-se mais dos jornalistas e
responder a perguntas, quando indagado. Mas também só quem tenha amadurecido
sua percepção, quanto à capacidade de entendimento da sociedade, haveria de
expressar com clareza aquilo que o presidente Lula disse, nestes termos:
"Temos que acreditar que esse povo, por si só, consegue fazer uma
diferenciação daquilo que é correto, daquilo que não é correto, daquilo que
ele acha que é verdade e daquilo que ele acha que é exagero. Engana-se
aquele político que acha que faz as coisas e pensa que o eleitor não faz o
julgamento correto. E se engana, também, aquele que escreve alguma coisa sem
imaginar ou sem acreditar que o povo tem capacidade de discernimento para
saber o que é exagero, o que é verdade, o que é mentira."

Neste ponto a reflexão do presidente parece extremamente precisa. Restaria
apenas torná-la exemplar, no sentido de que o pensamento e a ação - ou as
palavras e o comportamento - se tornem cada vez mais associados, a ponto de
expressarem a mesma coisa.


Fonte: http://www.estado.com.br/editorias/2006/05/07/edi112358.xml



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Jonathan Pereira
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