Por que é tão difícil gostar do
Direito? Conselhos para estudantes de direito com crise
vocacional Por George Marmelstein Lima,
Professor e Juiz Federal no Ceará e-mail: [EMAIL PROTECTED] site: http://www.georgemlima.hpg.com.br 1.Ubi
Societas, Ibi Jus Quase todos os livros de introdução ao estudo do
direito começam com essa frase em latim que significa que “onde há sociedade, há
o direito”. Para não ser diferente, resolvi começar esse texto com a mesma
frase, mas não para comentá-la e sim para criticar. Não será uma crítica sobre o
conteúdo da afirmação, mas sobre a forma em que ela é apresentada. Por que em
latim? Já a primeira leitura de um estudante de direito
recém-ingresso retrata que a profissão que ele escolheu é formalista, dando a
impressão de que é preciso saber latim, ou fingir que sabe latim, para ser um
bom profissional. Depois do latim, começam a aparecer várias
palavras estranhas que acompanharão o estudante por toda a sua vida acadêmica e
profissional. Hermenêutica, jurisprudência, legítima defesa putativa, exclusão
de antijuridicidade...enfim, é uma salada de esquisitices que assustam num
primeiro momento. E, para piorar, ainda ficam inventando sinônimos para palavras
bem simples. Por exemplo, interpretação vira hermenêutica, ilação, exegese (esta
aqui, cada um pronuncia de uma forma diferente). Constituição vira Carta Magna, Lex Fundamentalis. E assim fica aquela
impressão de que é preciso falar e escrever difícil para ser um bom jurista.
Ao longo do curso, esse “esnobismo” vai se
acentuando, tornando as obras jurídicas ou mesmo as palestras de juristas um
verdadeiro concurso de demonstração de conhecimento de palavras
complicadas. Então, conseguir ler livro jurídico torna-se um
tormento, até que chega o momento em que o estudante se acostuma com as palavras
e dispensa o dicionário. A partir de então, esse estudante – que pode ser
considerado, agora, um verdadeiro dicionário ambulante, cheio de “data vênia”,
“a priori”, “ad causam”, “outrossim”, “destarte” –
continuará o legado de seus mestres, escrevendo e falando em linguagem empolada
e orgulhosamente compreendida por apenas um círculo mínimo de pessoas, como se
fosse a coisa mais normal do mundo. É um círculo vicioso difícil de quebrar (mas
não impossível!). As frases em latim e as palavras difíceis podem
ser consideradas o primeiro banho de água fria no estudante do
direito. Muitos conseguem ultrapassar incólumes a essa fase
de crise vocacional, até porque já existe uma imagem popular que reforça essa
necessidade de ser “orador” para ser um bom profissional do direito. Outros,
porém, já nessa fase, desistem, sem saber que existe muita coisa interessante no
direito em que não são necessários brocardos latinos ou verborragia sem
sentido. Como dica para conseguir ultrapassar essa fase,
recomendo que não dêem muita importância à linguagem do direito logo no início
do curso. Acredito que já está havendo muita melhora nos textos jurídicos (não
sei se já me acostumei, mas o certo é que vejo muitas obras jurídicas “fáceis”
de ler) e, com um tempo, serão poucos os autores que continuarão fazendo
citações em latim e escrevendo difícil. 2. Os
Clássicos Tão logo chegam na faculdade, os estudantes sentem
uma saudável necessidade de ler os “clássicos”. Filósofos gregos, pensadores do
renascimento e do iluminismo, cientistas políticos modernos, a toda hora querem
se aproximar do estudante neófito. Sempre há um ou outro estudante que carrega
consigo um livro de bolso de um autor clássico e você imagina que se não ler vai
ficar para trás. O estudante, sentindo essa necessidade, pensa que
será fácil “devorar” esses livros, já que, ao que parece, todos os grandes
profissionais do direito os leram. Porém, logo nas primeiras páginas, percebe
que a leitura não será tão simples. “Até que as palavras são compreensíveis”,
pensa o aluno, “mas o assunto é chato pra caramba”. Esse é o segundo banho de água fria do estudante.
Ele sente a necessidade de ler os clássicos, tenta ler esses livros, mas não
consegue. Alguns até que conseguem, mas após um tremendo
esforço. Na sala de aula, os professores, acertadamente,
reforçam a necessidade de ler esses livros. E aí, a crise vocacional surge
novamente, já que se imagina que é preciso gostar dos clássicos para ser um bom
profissional. Pois bem. E o que fazer? Eu seria um irresponsável se dissesse que não é
importante ler os clássicos. A base do pensamento atual é toda encontrada nesses
autores. Porém, deve-se reconhecer que alguns livros são mesmo difíceis de ler.
Não é qualquer um que consegue ler, com gosto, uma obra de trezentas páginas de
um filósofo grego, sobretudo nessas impressões mais econômicas com a letrinha
miúda. Por isso, não se desespere se você não gosta de
ler os clássicos. Leia-os, mas não imagine que vá encontrar uma leitura tão
emocionante quanto um livro de aventura. Por sinal, há muitos “enlatados” americanos que
são bons para o estudante do direito começar a gostar das “tramas” (no sentido
bom da palavra) do Direito. Não tenha vergonha de ler, por exemplo, John
Grisham, escritor norte-americano que escreveu vários livros que deram origem a
filmes holywoodianos, como “A Firma” e “O Dossiê Pelicano”. É lógico que esses
livros não ensinam muita coisa útil, especialmente porque o direito americano é
diferente do direito brasileiro. Mas só o fato de ler algum tema relacionado com
o direito já ajuda a desenvolver o gosto por essa matéria. Outro livro bom para começar a gostar do direito,
que já se tornou o livro preferido dos professores de Introdução ao Direito, é
“O Caso dos Exploradores de Caverna”, de Lon Fuller. É um livrinho pequeno,
fácil de ler e que tem tudo para empolgar o aluno. Dica fundamental: para gostar do Direito é preciso
gostar de ler. Se mesmo após haver ingressado na faculdade de Direito, você
ainda não tomou gosto pela leitura, comece com livros fáceis de digerir, como os
enlatados americanos antes citados. Pode ler também livros policiais (gosto
muito, por exemplo, de Agatha Christie) ou até romances. Enfim, qualquer leitura
é válida. Depois de muitos livros, você perceberá que os clássicos não são tão
chatos assim... 3.
Excelentíssimo Doutor O problema do direito não está apenas nos livros e
na linguagem dos profissionais. A forma de tratamento também é intimidadora. Há
muita formalidade e frieza entre os juristas. Quem assiste pela primeira vez a uma palestra de
algum jurista tradicional, ficará assustado com tantos “excelentíssimos” e
certamente dormirá antes de o palestrante terminar os cumprimentos de praxe.
Assista também a uma sessão de algum tribunal (pode ser até através da TV
Justiça) que você tomará um susto com tanta lenga-lenga e pensará que a
profissão jurídica é a mais tediosa do mundo. Não é preciso se assustar com esse tipo de coisa.
É natural que ainda existam juristas que valorizem esses protocolos formais, até
porque é difícil mudar uma cultura tão antiga. Mas já existem bons palestrantes
que estão sendo menos “chatos” e alguns juízes que estão dispensando tanta
encenação. Com relação aos juízes, o problema é um pouco mais
sério. De tanto ser bajulado, o juiz acaba se acostumando com tratamentos
pomposos e acha que todos devem tratá-los formalmente. Alguns consideram uma
afronta serem chamados apenas de “senhor” ou de “doutor”, exigindo o tratamento
“meritíssimo” ou “excelentíssimo”! É de se lamentar que ainda existam
mentalidades tão pequenas, como se a forma de tratamento fosse um grande sinal
de respeito. Existe, inclusive, uma anedota circulando no meio
jurídico que conta que um advogado, cansado de tratar bem um juiz que demorava
para julgar seu processo, ao invés de escrever na petição “Excelentíssimo Juiz”
escreveu “Esse lentíssimo Juiz”... Esses tratamentos pomposos, arcaicos, também me
fazem lembrar uma fábula poética de La Fontaine: “Um burro carregado de
relíquias Julgava-se adorado. Nesse pensar se repimpava Recebendo como seus o incenso e as
cantigas. Alguém se apercebeu do erro, e
disse-lhe: ‘Senhor Burro, suprimi do vosso
espírito Uma vaidade tão vã. Não é a vós, mas sim ao
ídolo Que esta honra é prestada, E a glória é devida’. Num magistrado ignorante É a toga que é saudada”. Pois bem. Como forma de consolo, informo que essa
mentalidade também está sendo aos poucos modificada. E cabe a vocês,
profissionais do futuro, lutar para que isso seja mesmo
mudado. É justamente por esses formalismos que o povo está
cada vez mais se distanciando da Justiça. Os pobres, antes de baterem às portas
da Justiça, costumam fazer filas nas portas dos programas de televisão para
tentarem resolver seus problemas. O Ratinho acaba tendo mais credibilidade entre
o povão do que o próprio Poder Judiciário. Será que não está na hora de ser mais
moderno e passar a falar a linguagem do povo ou pelo menos uma linguagem mais
simples? 4.
Dinheiro, dinheiro, dinheiro Infelizmente, muita gente ingressa no curso de
direito com o objetivo de ganhar dinheiro fácil. Imagina-se que basta ter um
diploma e um anel no dedo para se tornar rico. Quem pensa assim será o último a
conseguir se dar bem na profissão, a não ser que já tenha um parente que lhe dê
tudo de mão beijada, o que é raríssimo. O segredo do sucesso no meio jurídico é o amor
pelo Direito. Esse amor, algumas raras vezes, vem do berço, mas quase sempre é
obtido apenas após muito tempo de estudo e de vivência prática. Há alguns que,
desde criança, já sabem que vão ser juízes, advogados ou promotores. Outros,
somente descobrem sua vocação depois de vários anos de
labuta. O bom profissional do Direito deve, antes de mais
nada, amar o Direito. E como diz o Poetinha Vinícius de Moraes, “para viver um
grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco
riso – para viver um grande amor”. Não dá para amar sem conhecer. E só se conhece,
depois de alguns anos de convivência. Gostar e, sobretudo, amar o Direito: na minha
opinião, esse é o diferencial entre o bom e o mau
profissional. E não precisa se desesperar se você ainda não
gosta do direito. Esse gosto vem naturalmente, depois de muitos anos de
decepções e alegrias. Se não vier, aí não tem jeito: você está na profissão
errada. Não se deve escolher o campo de atuação pelo
dinheiro que você pode vir a ganhar. Houve um tempo em que quem estudava direito
ambiental, por exemplo, era considerado idealista e estava fadado a morrer de
fome. Hoje, o direito ambiental é um dos ramos mais
promissores. Há também aqueles que ingressam no curso de
Direito por razões ideológicas: o eterno sonho da juventude de querer mudar o
mundo e construir uma sociedade mais justa e melhor. Depois de algum tempo, esses estudantes idealistas
acabam se decepcionando, justamente porque o que predomina é a mentalidade da
ganância e do dinheiro e acabam se afastando de seus ideais ou desistindo do
curso, o que é uma grande pena, pois os idealistas são os mais importantes para
o direito. Para eles imploro que continuem com seus sonhos. Não apaguem nunca a
chama da juventude. No Direito, há sim muito espaço para os sonhos. A própria
Constituição Federal é um instrumento poderosíssimo para a construção de um
Brasil mais justo e solidário. E podem ter certeza de que vocês não estão sós.
Há muita gente que acredita no Direito como elemento de mudança social. Eu mesmo
ainda guardo em meu coração uma forte chama de amor à Justiça Social e faço de
minha profissão um meio de construir uma sociedade mais fraterna. Digo, com
sinceridade, que isso não é ladainha ou conversa para boi dormir, mas é o que
sinto e tento pôr em prática na minha missão como juiz e
professor. 5. A
infinita ignorância A partir do segundo ano de direito, ou até um
pouco antes, surge uma outra crise vocacional no estudante: a idéia de que não
sabe nada. Quando a pessoa pensa que não sabe de nada, sem
ter estudado, significa que não se dedicou o suficiente e perdeu tempo com
futilidades ao longo do curso. Se você está nessa situação, pode tomar dois
caminhos: ou começa a estudar de verdade, para recuperar o tempo perdido, ou se
acomoda com a situação, preferindo ser um profissional medíocre, sempre
descontente com seu trabalho, já que você não aprendeu a gostar do
Direito. Quando falo que se deve estudar para recuperar o
tempo perdido, não estou defendendo que se tranque em seu quarto e passe dez
horas por dia lendo códigos, leis ou outras chatices. Pelo contrário. Não é
preciso perder a melhor fase de sua vida trancado com livros cheios de traças.
Continue namorando, bebendo, se divertindo, farreando, praticando esportes.
O importante é começar a adquirir uma disciplina
para o estudo. Comece a ler as matérias que você mais gosta. Tente firmar uma
meta a longo prazo e crie um senso de auto-responsabilidade. Desenvolva técnicas
de estudo que sejam eficientes para você. Comece a se interessar pelas
discussões jurídicas. Isso não é difícil nem é enfadonho, pois há muito debate
jurídico interessante. Se entre os dois caminhos acima indicados você
optou pelo estudo e ainda assim, mesmo depois de muito estudar, você continua
pensando que não sabe de anda. Maravilha, bom sinal. Você está no caminho certo,
pois esse é o segredo do estudo: quanto mais se aprende, menos se sabe.O
conhecimento é sempre limitado, enquanto a ignorância é
infinita. 6. Na
prática, a teoria é outra Muita gente pensa que não vale a pena estudar a
teoria, pois, segundo o ditado popular, “na prática, a teoria é outra”. Dizem
que acompanhar o dia a dia nos fóruns é mais importante do que ficar estudando
em uma biblioteca. Não há nada de mais equivocado nesse pensamento.
Na verdade, a teoria é tão ou mais importante do que a prática. E, convenhamos,
cada coisa a seu tempo... O estudante, sobretudo aquele que está nos
primeiros anos do curso, deve se preocupar em montar uma boa bagagem
doutrinária. Somente depois, talvez no segundo ou terceiro ano, mesclando a
prática com a teoria, deve partir para o conhecimento
prático. Não adianta pensar em estágio logo no primeiro
ano, até porque o choque será tão grande que poderá se tornar traumático para o
estudante. É que há muitos estágios que fazem do estudante um verdadeiro
“escraviário” e não um estagiário. É lógico que, nos primeiros estágios, o estudante
será quase um “burro de cargas”, realizando tarefas medíocres e mecânicas e
ganhando pouco ou nada por esse trabalho infame. Mas isso não precisa durar
muito. Não fique muito tempo em estágios que não lhe proporcionem novos
conhecimentos. Aliás, é até bom que você mude várias vezes de estágio, até
encontrar um que realmente lhe faça crescer. Quando você se sentir um profissional “genérico”,
ou seja, que faz o mesmo trabalho de seu “orientador” por um preço bem mais
baixo, é sinal que você está no caminho certo, pois pelo menos está fazendo um
trabalho mais nobre. Nesse momento, você já pode caminhar com as próprias pernas
e pensar em algo maior. 7.
Escolhi direito ou escolhi errado? Ao final desse pequeno texto, talvez você se sinta
mais tranqüilo, mas ainda assim esteja em dúvida quanto à sua escolha. “Escolhi
direito ou escolhi errado?”, você deve estar pensando em
trocadilhos... Como o curso de direito se tornou “modismo”, é
natural que muitos que ingressam nesse mundo não tenham mesmo vocação para
qualquer profissão jurídica. E pode ter certeza: ao longo do curso, várias
crises vocacionais lhe acompanharão. Tente apenas não se desesperar. Quase todos
sentem a mesma coisa. Finalmente, para concluir, sugiro que você não dê
muita importância às minhas palavras, pois elas representam apenas uma das
múltiplas formas de ver o direito. E o estudante do direito deve ter como lema
não aceitar passivamente os argumentos que ouve ou que lê. A visão crítica é a
principal característica de um profissional do direito. Nunca se satisfaça com
uma única maneira de ver qualquer questão. Construa sua própria capacidade de
pensar e de tomar decisões. Faça você mesmo a sua história. Já dizia Geraldo
Vandré, “quem sabe faz a hora não espera acontecer”.
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Title: Mediação e Arbitragem – Ponto 5 do Planograma – Jurisdição Estatal e Prática – Competências do Tribunal Arbitral