2013/4/22 Artur Costa Steiner <steinerar...@gmail.com>: > Isso é uma curiosidade, mas eu me lembrei porque estão um tanto na linha > daquela discussão do que é número. São duas situações reais. > > 1) Qual é a soma das raízes da equação (x - 1)^4 = 0. Alguns dizem 4, > alegando haver 4 raízes iguais a 1. E as relações de Girard, que considera > multiplicidades, leva a 4. Mas o fato é que o conjunto verdade desta equação > é {1}. 1 é o único complexo que a satisfaz. Então outros dizem que a soma é > 1. Mas, soma é uma operação binária, não existe soma de uma só parcela. O que > acontece é que quando se usa o sigma maiúsculo do somatório, convenciona-se > que se na lista só houver um elemento, então o resultado é o próprio. Mas > soma de uma parcela não faz sentido. Como vc responderia a esta pergunta?
As relações de Girard são algébricas, portanto elas naturalmente incorporam multiplicidades. Além disso, elas são contínuas, o que é muito bom. Nada disso ocorre com uma definição "a soma das raízes sem contar multiplicidades". Então, da mesma forma que a gente começa com um "ensaio de definição" para o número de raízes de um polinômio (o cardinal do tal conjunto), o objetivo é refinar a definição para dizer que "um polinômio de grau d tem d raízes" (e o "contadas com multiplicidade" passa a ser a forma natural de se pensar nas raízes do polinômio). Isso tem uma razão profunda: a alternativa, ou seja, não contar multiplicidades, possui muito menos informação, e portanto teoremas. Existe uma parte (relativamente arcana) de análise complexa que tenta contar raízes e outras coisas sem multiplicidade, mas ela tem de longe muito menos generalidade e portanto aplicações do que as relações de Girard. E isso sem falar de funções reais (não analíticas), onde os teoremas de índice (Bott, Homologia ...) incorporam noções ainda mais complicadas de multiplicidade (negativas!) por questões de orientação... Quanto à notação de somatório, isso é fácil: isso é convenção para uniformizar a notação. \sum_J x_j = 0 para J o conjunto vazio, definida por indução no número de elementos de J, e definida como um limite (ordenado ou não, depende de como você quer escrever os índices, e tem a ver - claro - com absolutamente ou condicionalmente convergente) no caso de J ser infinito. Aqui, a resposta tem mais a ver com "levar o absurdo mais adiante ainda" ! > 2) Uma moça disse: não tenho filhos. Logo, por vacuidade, posso afirmar que > meu filho é um profundo conhecedor de análise complexa. Se eu afirmar isto, > não estarei mentindo. Mas se alguém disser, "puxa que bom! Tenho umas dúvidas > nisso, ele pode me ajudar?", vai ficar frustrado e chateado comigo. > > Por outro lado, como meus filhos não existem, alguém pode dizer que eu os > matei. Sou infanticida por vacuidade. Apesar de que nenhuma corte me > condenaria por matar quem não existe. > > O que acham disso? Eu acho que é um problema de quantificadores e de abuso de notação. A moça não pode dizer "meu filho é um profundo conhecedor de análise complexa", porque isso é equivalente à proposição "P(meu filho)". O que ela pode dizer é "todos os meus filhos são profundos conhecedores de análise complexa", porque, agora sim, você tem uma proposição quantificada que pode, portanto, ser verdadeira por vacuidade: "para todo x pertencente a F, P(x)". Note que, dada esta afirmação, a pergunta seguinte seria, bem naturalmente, "Será que tem um deles que pode me ajudar?". E veja que (claro!) a resposta é não, porque toda proposição existencial sobre o conjunto vazio é falsa. A segunda é essencialmente a mesma. "Você matou todos os seus filhos" não é a definição de um infanticida, mas "esta pessoa matou crianças", que exige a construção (ou demonstração de existência, pelo menos) de uma criança que tenha sido morta. Ainda bem! Ou seja, antes de sair usando lógica demais, lembre que o seu bom-senso deve ajudar na hora de decidir se algo é verdade ou não. Claro que "para todo x em vazio, P(x)" é o mais difícil de intuir, mas, honestamente, quase nunca (na mesma linha da discussão anterior) faz muito sentido ficar demonstrando algo sobre o conjunto vazio, porque, no bom e velho mundo real, não adianta! (Às vezes, acontece de alguém fazer um seminário sobre o conjunto vazio... desta forma, não menosprezem a pergunta "você tem um exemplo de aplicação disso", porque pode ser que você esteja com tantas hipóteses que, no fim das contas, você demonstrou um teorema sobre o conjunto vazio!) Abraços, -- Bernardo Freitas Paulo da Costa -- Esta mensagem foi verificada pelo sistema de antivírus e acredita-se estar livre de perigo. ========================================================================= Instruções para entrar na lista, sair da lista e usar a lista em http://www.mat.puc-rio.br/~obmlistas/obm-l.html =========================================================================