5 Ciência e poesia - Terapia nº
3
Bula:
Indicação: Inveja, incontinência
verbal, maledicência, injúria e difamação.
Modo de usar: Poema a ser lido em voz alta, sozinho, no quarto ou no
consultório, de frente para um espelho.
Posologia: Ler 3 vezes ao dia, ao
acordar, ao final da manhã e após o consultório, por 3 dias. Se não
cessarem os sintomas, é recomendável que a vítima procure um
médico sociólogo, pois deve tratar-se de sociopatia grave.
Via de administração: Utilizar tom
irônico, de quem critica a si próprio com as palavras de seus
detratores, certo de que estes sim possuem abundantemente todas as
características que lhe atribuem.
Efeito desejado: Perceber que as
pessoas que o criticam não possuem eles mesmos auto-crítica alguma, e projetam
no outro seu inconformismo com a própria mediocridade - inveja no seu estado
puro, em que o possuído pelo mal acredita piamente que o outro fez ou obteve
aquilo tudo apenas por que teve sorte imerecida...
Poema em linha
reta
Nunca conheci quem tivesse levado
porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido
campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas
vezes porco, tantas vezes vil,
Eu, tantas vezes irrespondivelmente
parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido
paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido
ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés
publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho,
submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e
calado,
Que quando não tenho calado, tenho
sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas
de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de
olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas
financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco
surgiu, me tenho agachado.
Para fora da possibilidade do
soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das
pequenas coisas ridívculas,
Eu verifico que não tenho par nisto
tudo neste mundo
Toda a gente que eu conheço e que fala
comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu
enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes
- na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz
humana
Que confessasse não um pecado, mas uma
infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma
covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me
falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que
uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente neste mundo?
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta
terra?
Poderão as mulheres não os terem
amado,
Poderão ter sido traídos - mas ridículos
nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido
traído,
Como posso eu falar com meus superiores sem
titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente
vil,
Vil, no sentido mais mesquinho e infame da
vileza.
Fernando Pessoa
(1888-1935)
Poeta português, escrito em torno de
1915
E agora pergunto aos príncipes
E seus bobos da corte
Aos demais bons colegas
Que claro já entenderam:
Alguém terá sido vil?
Promovendo concursos e manipulando vagas?
Fazendo do público ou do coletivo o seu
privado?
Aceitando patrocínios e suas orientações?
Aceitando convênios e reservas de mercado?
Explorando o trabalho de colegas e outras
profissões?
Criando mentiras, articulando farsas e
conluios?
Pressionando residentes e pós-graduandos?
Retardando a Medicina Preventiva?
Excluindo os mais competentes de suas
proximidades?
Bloqueando a concorrência livre, ampla e
ética?
Faturando com ensino sem preocupar-se com mercado de
trabalho?
Ou pior de tudo:
Dificultando a tomada de consciência e a reação
coletiva?
E mais o quê, que ainda não sabemos?
Terei sido eu? Logo eu?
Terei eu sido vil, literalmente
vil,
Vil, no sentido mais mesquinho e infame da
vileza? Marcos Sarvat
Um homem honesto não pode sentir prazer no
exercício do poder sobre seus concidadãos.
Thomas
Jefferson |