Em 01-04-2010 12:17, Poiccard Michel escreveu:
> Uma dúvida que eu sempre tive e que talvez alguém aqui possa esclarecer:
> 
> Quem detém os direitos autorais do Unix, com essa decisão, a Novell,
> pode cobrar royalties das distribuições Linux?

A novell detém os direitos autorais do unix version 7 (circa 1979).

Para poder cobrar royalties de uma versão qq do kernel linux com base
nesses direitos, quem detém esses direitos (hoje a novell) teria que
provar a existência de uma cadeia de derivações onde cada passo da
cadeia poderia ser caracterizado como uma etapa de trabalho derivativo,
em que a obra seguinte é uma derivação incremental da obra autoral
anterior, desde o version 7 de 1979 até a versão do kernel em questão, e
com esta cadeia testar a validade jurídica da chamada "teoria escada".

A tese -- batizada de "teoria escada" -- que a SCO procurou testar no
processo judicial contra a novell, sob a hipótese (errada) de ser ela a
detentora dos direitos do unix version 7, consiste em que, uma vez
comprovada a existência de uma tal cadeia de derivações, isso daria ao
detentor dos direitos autorais do primeiro degrau da cadeia -- no caso,
supostamente a SCO --, o direito de cobrar pelo uso de todas as
subsequentes obras derivadas na dita "escada", inclusive a última, que
no caso seria a versão do kernel linux na qual primeiro se incorporou um
sistema de arquivos com journaling.

Especificamente, a "teoria escada" supõe que os direitos patrimoniais de
autor, na jurisdição norteamericana, se propagam por obras derivadas
independentemente de quantos degraus venham a ter essa escada, e
independentemente da vontade ou anuência dos detentores dos direitos
autorais dos incrementos intermediários.

Mas a SCO não conseguiu provar, no caso em tela, a existência de uma tal
cadeia. Nem mesmo, para os "degraus" que tentou apresentar como sendo
parte desta suposta cadeia, provar que o incremento entre a obra
anterior e a seguinte poderia ser caracterizado como derivação, para
efeito de aplicação do direito autoral visando a sua "teoria escada".
Prevaleceu, para os "degraus" que a SCO tentou apresentar, a
interpretação de que se tratavam de "mera agregação", para efeito de
criação de obra coletiva (como permite livremente, por exemplo, a GPL,
licença vigente para as componentes dos "degraus" apresentados).

Assim, nesse processo a SCO não conseguiu testar sua teoria, tendo
podido apenas aventá-la como tese jurídica. Nem pode testar a hipótese
de haver uma linha evolutiva entre o unix version 7 e algum kernel 2.x
onde cada passo constituiria trabalho derivativo da obra anterior, com a
qual pudesse testar a sua 'teoria escada'. Desta forma, o que a novell
ganha, neste caso, eu diria, não é bem o direito de cobrar royalties por
versões do kernel linux, mas o direito de, querendo, testar
juridicamente a "teoria escada" e a hipótese fática (pouco provável,
haja vista a escassez de provas produzidas por quem levou sete anos
tentando) de que a teoria se aplica numa escada que começa com o unix
version 7 e termina nalguma versão do kernel linux.


> 
> Ou seja: o Linux é livre de patentes? 

Nada a ver uma coisa com a outra.

Patente "de software" incide sobre uma idéia expressável através de
código fonte, e direito autoral incide sobre uma expressão criativa na
forma de código fonte. São "camadas" diferentes de direitos. Assim como,
no transporte público, o direito de alguém dirigir um ônibus é diferente
do direito de alguém andar de ônibus. O fato de direitos independentes
poderem incidir sobre o mesmo objeto não deve ser tomado como motivo
para confundi-los, embaralhá-los ou mesclá-los (exatamente o que o termo
"PI" tem o condão de fazer, no campo neurolinguístico, para legitimar,
na esfera normativa, uma radicalização crescente de ambos).

Porém, haja vista como transcorreram (e transcorrem) as batalhas
jurídicas da SCO contra meio mundo, o que o caso SCO-Novell
indiretamente mostra, aqui também em relação a patentes, é o seguinte:
Caso algum detentor, ou suposto detentor, de patente supostamente
incidente sobre o Linux, se meta a extorquir alguma empresa envolvida no
desenvolvimento e/ou negócios relativos ao linux, ela enfrentará uma
defesa que também sabe usar o processo colaborativo no campo jurídico,
envolvendo outros interessados na preservação da liberdade associada ao
linux (no caso das patentes, o trabalho colaborativo seria muito útil,
por exemplo, para mostrar que a patente é frívola, produzindo "prior art")

Até que ponto os direitos autorais
> do Unix influenciam o Linux?

Influenciam na medida em que os casos da SCO versus meio mundo vão se
resolvendo. O veredito do caso Novell vs SCO, por exemplo, terá amplas
repercussões no caso SCO vs IBM (a favor da IBM), onde o direito em
questão não é diretamente o autoral, mas o direito civil relativo a
contratos; no caso, para desenvolvimento de obra autoral coletiva
(coletiva no sentido jurídico, apenas entre ambas, e não no sentido
comunitário, como no software livre).
> 
> A Novell pode um dia tentar fazer o que a SCO tentou? Ou seja, tentar
> cobrar royalties de empresas como a Canonical ou Red Hat já que ela, a
> Novell, possui os direitos autorias do Unix?

Nos termos e limites acima delineados, creio que sim, mas os quais
tornariam a tentativa, a meu ver, de muito pouca eficácia (esse é o
ponto forte da filosofia que associa o licenciamento permissivo ao
desenvolvimento colaborativo, da filosofia do software livre)

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