Entre uma tragada e outra, Neide olha para Emanoel deitado ao seu lado.
Estavam em um quarto escuro, pequeno e úmido. Era mais um daqueles hotéis
que não se cobra por dia, e sim por hora.
_Putz! Essa foi boa! Disse Neide ofegante.
_Hã? Ah! "ranrran"...Foi sim. Respondeu Emanoel olhando fixo para um ponto
entre o canto mesa e o criado mudo.
_O que você quer dizer com esse "ranran"? Perguntou Neide ofendida.
_É! Foi bom! Emanoel respondeu apático.
_Seu calhorda!! Foi bom??? Eu quase morri!! Depois dessa de hoje eu mal
posso me sentar!! Agora você tem o desplante de dizer apenas que "foi bom"?
Gritou Neide.
_ Desculpa! É que eu estava distraído... Me deu uma vontade louca de comer
alguma coisa...
_Agora eu sou "alguma coisa"??? Neide já estava ficando vermelha.
_Não é isso!! Tô cansado de comer a mesma coisa... Eu quero o "Pirulito do
Zorro"!!!
Neide ficou catatônica por alguns segundos.
_O quê??? Você é gay??? Era só o que me faltava, uma "paka" na minha cama!!!
_Ô mulher besta!! O Pirulito do Zorro é aquele tablete de caramelo com
coco. Explicou Emanoel.
_Aquele que se compra em qualquer botequim ou ponto de ônibus?
_É esse mesmo!!! Espera aí que eu vou dar uma saidinha e volto.
_Você vai sair às duas da madrugada para comprar um Pirulito do Zorro?
Neide parecia não acreditar naquilo que ouvia.
_É isso aí! Tchau! Emanoel saiu do "suadouro" e fechou a porta.
_Já fui abandonada por um maço de cigarro, mas "Pirulito do Zorro" é a
primeira vez!
Emanoel desceu as escadas e se aproximou do ancião que era uma espécie de
"bombril" do Hotel (mil e uma utilidades) e perguntou:
_O senhor sabe onde eu consigo um Pirulito do Zorro agora à noite?
Perguntou Emanoel.
_Ora essa!! Eu não sabia que era esse o nome agora... Bem, atrás do armazém
ao lado tem uns mexicanos vendendo isso que o senhor quer. Respondeu o bom
velhinho.
_Hã? Pode deixar, o senhor não entendeu bem o que eu quero. Mas obrigado
mesmo assim! Emanoel saiu com um sobretudo preto, pois além do frio, estava
chovendo um pouco.
As ruas estavam completamente vazias, a chuva era fraca mas era gelada como
gelo e parecia cortar a carne como faca. Emanoel andou por um bom tempo e
parou sob uma marquise e pensou a respeito. O seu desejo por um Pirulito do
Zorro aumentava cada vez mais, estava começando a sentir dependência
física, como se ele fosse um viciado em Crack. Emanoel tentava imaginar
onde conseguiria achar um lugar aberto a essa hora, e que além disso,
vendesse a tal guloseima. Descartou logo os pontos de ônibus, já que nesse
horário praticamente não havia mais circulares e, portanto, os vendedores
ambulantes estariam em casa. Ele só tinha uma saída: continuar a busca.
Emanoel encontrou quatro botequins abertos pela cidade; todos refúgios de
bêbados, drogados e prostitutas. Mas a busca não rendeu frutos, pois ao
mencionar aos balconistas o artigo de sua ânsia, teve vária decepções. No
primeiro "inferninho" foi ignorado; no segundo foi confundido com um gay;
no terceiro foi ameaçado com uma garrafa de cerveja e no quarto "pé de
porco", foi questionado onde estaria a câmera de televisão, pois o barmam
achou que se tratava de uma brincadeira de programa de auditório.
Emanoel estava ficando desesperado, estava começando a ver "miragens" no
meio da rua. Em uma das visões, ele via nitidamente um homem andando com
uma caixa de papelão na cabeça enquanto levava em sua mão quatro Pirulitos
do Zorro e gritava com toda saúde: "Olha o Pirulito do Zorro dona Maria!!!
Um é trinta, quatro paga um Real!! Chora nenén que a mamãe compra e o papai
paga!! É gostoso, é nutritivo e a criançada gosta!! Papai tá na merda,
mamãe tá na zona e as crianças se divertem!! Olha o pirulito caramelado do
Zorro!!"
Emanoel só pensava na saborosa sensação de sentir aquele gosto açucarado e
caramelado em suas papilas gustativas, enquanto aqueles deliciosos "fiapos"
de coco queimado arranhavam seu céu da boca. Ele estava ficando louco e já
desistindo de sua busca pelo famigerado Pirulito do Zorro, voltava para a
"casa de tolerância" onde Neide ainda o esperava, já que ele ainda não a
pagara pela "prestação de serviço". Emanoel andara pela cidade durante
horas e seus pés estavam lhe matando. Só agora ele notou que estava apenas
de meia. No caminho de volta, Emanoel pensou em várias insanidades, dentre
elas: arrombar a bomboniere "Mel na Chupeta" numa atitude desesperada pelo
"Pirulito Perdido", mas a fadiga e a incapacidade de organizar seus
pensamentos o impediram de tal torpesa. Já estava quase amanhecendo.
Quando se aproximava do "Hotel Monza" (era esse o nome do "suvaco de
cobra"), Emanoel notou que estava passando atrás do tal armazém que o bom
velhinho mencionou. Emanoel parou e ao olhar de soslaio, notou realmente
que haviam três homens de aparência hispânica no meio da escuridão (não foi
difícil reconhecer o grupo étnico dos rapazes na escuridão, já que estes
usavam "sombreros").
_Que passa "miguelito"? Perguntou o mais gordo.
_Nada não...estou apenas me perguntando o que três