Caro Jor. Eliakim Araujo,

Com relação a seu artigo "NÃO BASTA JOGAR PEDRA" publicado no Direto da Redação em 10/05/2007:
http://www.intellibusiness.com.br/diretodaredacao/noticias/index.php?not=3311

gostaria de tecer os seguintes comentários:

1- concordo com o teor em geral do artigo.

2- inegável que a eleição de tais "figuras caricatas" se deu dentro das regras democráticas vigentes. Não há como constestar a direito destes deputados estarem dentro da Câmara gozando da imunidade da palavra.

3- também, não há como negar que a eleição destas "figuras caricatas" está diretamente ligada com o voto de protesto de eleitores descontentes com a política em geral.

Assim, acho que seu artigo traz uma boa oportunidade para se considerar a contribuição que as urnas eletrônicas deram para cristalizar esta situação esdrúxula.

Antes das urnas-e, o voto de protesto se dava por meio expressões xulas escritas nos votos ou no voto em figuras caricatas não candidatas, como o macaco Tião (RJ) e o hipopótamo Cacareco (SP).

Totos estes votos eram anulados e este setor da população não elegia ninguem.

O modelo de urna-e brasileiro, definido em 1996, não permite que o eleitor xingue nem que vote em alvos peculiares quaisquer. Para o eleitor de protesto manifestar sua revolta, restou-lhe direcionar seu voto aos candidatos caricatos ou peculiares, passando a eleger, mais que o próprio nome escolhido, até uma bancada inteira de candidatos inespressívos.

Em 2002, este fenomeno ocorreu com o Dr. Enéas cujos votos elegeram mais cinco deputados (e teria eleito um sexto que estivesse inscrito pelo PRONA). Deste cinco deputados, de votação inespresiva, eleitos na carona do voto de protesto neo-moderno, 4 debandaram para a base governista em menos de seis meses de mandato (em plena vigencia do mensalão) e 3 foram citados no caso dos sanguessugas.

Em 2006, o Enéas dividiu o voto de protesto com o Clodovil e parte com o Maluf (que puxou mais dois deputados na sua carona). Ou seja, o voto de protesto elegeu 6 deputados federais em São Paulo em 2002 e 5 em 2006.

Enfim, o efeito das urnas-e brasileiras, com a rigidez no votar imposta ao eleitor, foi que agora o voto de protesto, antes inócuo, agora elege bancada de deputados totalmente descompromissados e irresponsáveis.

Outro efeito enganoso desta peculiaridade de nossas urnas é que diminui enganosamente a quantidade de votos nulos.

Muito se propagandeou que as urnas-e contribuiam para a "conscientização do eleitor", como demonstraria a diminuição dos votos nulos e brancos. Mas o que ocorreu de fato era que os votos de protesto, antes anulados, continuaram sendo voto de protesto, ingênuos, mas passaram a valer como votos válidos.

Os números não mentem:

-1998
- votos nulos e brancos: 19,7%

-2002
- votos nulos, brancos e no Enéas: 17,1%

-2202
- voto nulos, brancos, no Enéas, no Clodovil e metade dos votos do Maluf: 18,5%

Cadê a "conscientização do eleitor" que a urna-e teria trazido?
O que os números mostram é que agora existe uma bancada de deputados "caricatos" ou irresponsáveis, eleitos pelo voto de protesto (ingênuo), que estimo na ordem de 7% a 8% dos deputados federais.

Tudo isto mostra que o debate sobre a conveniência das urnas eletrônicas deve ir além questão da auditabilidade dos resultados.

No livro "Fraudes e Defesas no Voto Eletrônico", que lancei juntamente com a Adv. Maria Aparecida Cortiz antes da eleição de 2006, previmos este fenomeno no capítulo "O Candidato de Protesto", que transcrevo a seguir:

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O Candidato de Protesto

O voto de protesto é uma expressão popular. Existe.

Nas antigas eleições manuais, o voto de protesto se dava pela descarga de votos num alvo peculiar, como o hipopótamo Cacareco em São Paulo ou o macaco Tião no Rio de Janeiro. O protesto do eleitor podia também ser expresso por meio de palavras ofensivas escritas nas cédulas eleitorais. Todos estes votos eram anulados pelos juízes eleitorais e o efeito do voto de protesto no resultado eleitoral era apenas o de aumentar a quantidade porcentual de votos nulos.

As Urnas-E utilizadas no Brasil foram projetadas de forma muito rígida quanto às possibilidades de interação com o eleitor. Um limitado teclado, de apenas 10 teclas numéricas e outras 3 teclas específicas, é deixado para o eleitor se manifestar.

Por isto, houve dificuldade para muitos eleitores no Referendo de 2005.
Simplesmente não havia teclas SIM e NÃO para o eleitor responder à pergunta apresentada no visor.

Urnas-E mais modernas, como as usadas nos EUA, no Canadá e na Venezuela, com o sistema touch-screen de teclado variável, dão mais flexibilidade para a expressão do eleitor.

Esta limitada interação das Urnas-E brasileiras com o eleitor, que não consegue mais escrever um palavrão ou votar no Cacareco e não se satisfaz em digitar ZERO-ZERO e CONFIRMA, levou-os a conceber uma nova forma de expressar seu voto de protesto: votar em Candidatos Peculiares que de alguma forma simbolizem sua angústia.

O exemplo inegável deste novo fenômeno cultural-eleitoral é a enorme votação do candidato Enéas para deputado federal no Estado de São Paulo, em 2002. Sua figura marcante, seu tom agressivo ao falar e sua propaganda peculiar atraíram o voto de eleitores descontentes, que em outras eras recorriam ao voto de protesto.

O Dep. Enéas obteve a maior votação de um deputado federal de todos os tempos no Brasil. Quase 1,6 milhões de votos, o quádruplo do segundo colocado, 8% dos votos do maior Estado do Brasil.

Reconhece-se a legitimidade na eleição deste candidato que soube atrair votos, mas os votos de protesto que lhe foram dados elegeram muito mais do que um deputado.

Como o coeficiente eleitoral foi de aproximadamente 280 mil votos, 1,3 milhão dos votos restantes do Dr. Enéas foram transferidos para outros cinco candidatos de seu partido, PRONA. Todos com votação individual inexpressiva. Três deputados federais eleitos na carona do Dr. Enéas obtiveram menos de 500 votos diretos cada um!

Tantos foram os votos de protesto atraídos pelo Enéas que se na lista de candidatos do PRONA houvesse mais um candidato inscrito este seria eleito mesmo que não tivesse voto nenhum.

O Dep. Enéas sempre esteve na oposição parlamentar, fiel ao seu estilo e ao seu eleitor de protesto. Mas é tão baixo o compromisso com o eleitor dos outros deputados, eleitos na sua carona, que em poucos meses, bem no meio do troca-troca partidário alimentado pelo mensalão, 4 dos 5 caronistas do protesto ingênuo traíram seus eleitores e pularam para partidos da base de apoio ao governo.

Outra conseqüência desta atração de votos por candidatos de protesto é que diminui artificialmente a quantidade de votos nulos e brancos. Os 8% dos votos obtidos pelo Dep. Enéas em 2002 somados aos nulos e brancos resultam em 17,1%, muito próximo dos 19,7% de votos brancos e nulos na eleição com urnas-E anterior em 1998 quando nenhum candidato peculiar atraiu o voto de protesto.

Enfim, o voto de protesto, que antes das nossas sisudas Urnas-E apenas aumentava a quantidade de votos nulos, agora pode até eleger uma boa bancada de candidatos nulos.

Mas nada do que foi dito até aqui caracteriza fraude eleitoral.
Esta vai surgir quando, compreendendo que nossas urnas eletrônicas favorecem a concentração de votos em candidatos peculiares que atraiam o voto de protesto, um partido pressionado pela cláusula de barreira lançar candidato deste tipo, o Candidato de Protesto, mesmo que seja uma pessoa absolutamente irresponsável, apenas para angariar os votos de protesto ingênuo.

E fiscalização que defenda contra este oportunismo, não há.
Está aí uma perversão inesperada trazida ao processo eleitoral pela moderna tecnologia.

Uma possível solução seria alterar o Código Eleitoral e criar a figura do Coeficiente Eleitoral Mínino, abaixo do qual nenhum candidato seria considerado eleito.

Ou, talvez, a solução fosse adotar a proposta do humorista Millor Fernandes e incluir nas urnas eletrônicas uma quarta tecla “Vá a M....” que capture a expressão de quem queira protestar, evitando-se assim que se elejam deputados e vereadores oportunistas.
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[ ]s
  Eng. Amilcar Brunazo Filho - Santos, SP

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