Denúncia contra FHC
Juristas pedem a deposição de Fernando Henrique
Cardoso
Cinco dos mais notáveis advogados brasileiros protocolaram
na Câmara dos Deputados uma denúncia por crime de responsabilidade contra
o presidente Fernando Henrique Cardoso. Eles argumentam que FHC cometeu
crime ao conseguir a retirada da assinatura de 20 deputados do
requerimento da CPI da Corrupção oferecendo "vantagens patrimoniais" aos
congressistas.
Os advogados querem que a denúncia seja lida no
plenário e despachada à Comissão de Constituição e Justiça, que deverá
decidir sobre o encaminhamento da ação ao Supremo Tribunal Federal e ao
Senado. O processo, se acatado, poder levar ao impeachment de Fernando
Henrique.
Fazem parte do grupo os juristas Celso Antônio Bandeira
de Mello, Dalmo de Abreu Dallari, Fabio Konder Comparato, Goffredo da
Silva Telles Junior e Paulo Bonavides.
Leia, na íntegra, a
denúncia
Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos
Deputados:
Celso Antonio Bandeira de Mello, divorciado, advogado e
professor
universitário, com domicílio em São Paulo (SP), na Avenida
Paulista, n° 1499, 5° andar, conjunto 505, Dalmo de Abreu Dallari, casado,
professor universitário, residente e domiciliado em São Paulo, na Rua
Doutor Esdras Pacheco Ferreira, n° 95, Fábio Konder Comparato, casado,
professor universitário e advogado, residente e domiciliado em São Paulo
(SP) na Rua Bennett, n° 349, Goffredo da Silva Telles Júnior, que também
se assina Goffredo Carlos da Silva Telles, casado, professor universitário
aposentado, residente e domiciliado em São Paulo (SP), na Avenida São
Luís, n° 268 - 13° andar, e Paulo Bonavides, casado, professor
universitário aposentado, residente e domiciliado em Fortaleza (CE), na
Avenida José Artur de Carvalho, n° 2810, casa 281, todos cidadãos
brasileiros, no pleno gozo de seus direitos políticos (docs. n° ), vêm,
com fundamento no disposto no art. 85 - 11 da Constituição Federal, e no
art. 6° - 11 da Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950, denunciar o
Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, pelas razões de fato e
de direito a seguir expostas:
"Todas as crises, que pelo Brasil
estão passando, e que dia a dia sentimos crescer aceleradamente, a crise
política, a crise econômica, a crise financeira, não vem a ser mais do que
sintomas, exteriorizações parciais, manifestações reveladoras de um estado
mais profundo, uma suprema crise: a crise moral." Rui Barbosa, Ruínas de
um Governo.
1- A essência dos crimes de responsabilidade,
enunciados no art. 85 da Constituição Federal, é indubitavelmente de
natureza ética. Quando o supremo mandatário da nação desonra-se, a ponto
de atentar contra a existência da União, o livre exercício dos Poderes
constitucionais, os direitos fundamentais do homem e do cidadão, a
segurança interna do País, a probidade da administração, a lei
orçamentária, ou o cumprimento das leis e das decisões Judiciais, é porque
desceu à ignomínia do perjúrio, ao quebrar, conscientemente, o compromisso
solene prestado por ocasião de sua posse: "manter, defender e cumprir a
Constituição, observar as leis, promover o bem
geral do povo
brasileiro, sustentar a união, a integridade e a Independência do Brasil"
(art. 78).
Por isso mesmo, em rigor, a multiplicidade dos crimes
definidos na Lei n° 1.079, de 10 de abril de 1950, imputáveis ao
Presidente da República, acha-se compendiada num só delito, de natureza
infamante: "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o
decoro do cargo" (art. T, alínea 7).
É, pois, com imensa tristeza
e sincero constrangimento que os denunciantes sentem-se moralmente
obrigados a bater às portas da Câmara dos Deputados, órgão representativo
do povo brasileiro, para pôr em acusação, por crime de responsabilidade,
um cidadão que, por duas vezes e sucessivamente, foi eleito pelo povo para
governar o País e representá-lo perante os demais povos. A suprema sanção
que ora se pleiteia contra o denunciado não tem outro objetivo, senão o de
defender a honra nacional, separando moralmente o mandatário perjuro do
povo mandante, por ele ofendido.
2.- Como foi largamente divulgado
pelos meios de comunicação de massa, a Mesa do Senado Federal recebeu um
requerimento de instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito sobre
fatos apontados como caracterizadores de corrupção no selo da
administração federal, tanto direta quanto indireta. 0 requerimento foi
subscrito por 182 (cento e oitenta e dois) deputados e 29 (vinte e nove)
senadores.
A reunião do Congresso Nacional, destinada a criar
oficialmente a referida Comissão Parlamentar de Inquérito, foi convocada
para realizar-se no dia 16 de maio do corrente ano. No dia 10, porém, o
expediente da Presidência do Congresso foi prorrogado até às 24:00 (vinte
e quatro horas), a fim de permitir que as lideranças do Governo fizessem a
entrega oficial de documento, comprobatório de que 20 (vinte) deputados,
signatários do requerimento de instalação da Comissão, haviam se retratado
e pediam fossem seus nomes desconsiderados.
Da mesma forma, os
meios de comunicação de massa divulgaram amplamente, tomando -o fato, por
conseguinte, público e notório, que todos os desistentes acabavam de ser
contemplados, pelos órgãos do Governo, com assinaladas vantagens,
consistentes na liberação de verbas orçamentárias, correspondentes a obras
de interesse de suas bases eleitorais. Os recursos financeiros, destinados
ao atendimento dessas liberações de verbas, concentrados na Secretaria
Especial de Desenvolvimento Urbano, são administrados pela Caixa Econômica
Federal.
Segundo noticiado nos jornais, em especial em 0 Estado de
São Paulo (doc. N°), órgão insuspeito, pois condenou expressamente a
proposta de instalação da C.PI, os recursos assim despendidos, até o dia
11 de maio p.p., somavam a expressiva quantia de R$78.500.000,00 (setenta
e oito milhões e quinhentos mil reais). Somente no dia 11 de maio, a
Secretaria de Desenvolvimento Urbano destinou R$ 18.400.000,00 (dezoito
milhões e quatrocentos mil reais) à liberação dessas verbas, cifra essa
superior ao total desembolsado pela
Secretaria nos quatro primeiros
meses do ano (doc. N°).
3.- Dispõe a Constituição Federal em seu
art. 85 - I que o Presidente da República comete crime de
responsabilidade, quando atenta contra "o livre exercício do Poder
Legislativo".
Ao definir tal crime, a Lei n° 1.079, de 10 de abril
de 1950, dispõe, em seu art. 6°, segunda alínea, que uma de suas
modalidades consiste em:
"2 - usar de violência ou ameaça contra
algum representante da Nação para afastá-lo da Câmara a que pertença, ou
para
coagi-lo no modo de exercer o seu mandato, bem como conseguir ou
tentar conseguir o mesmo objetivo mediante suborno ou outras formas de
corrupção."
Atente-se para os amplos termos em que é vazado o
dispositivo legal. A Lei n° 1.079 refere-se aí, largamente, a "suborno
ou outras formas de corrupção"; vale dizer, não limita a caracterização do
tipo delituoso somente à oferta de dinheiro, de modo direto, ao
parlamentar. Quaisquer vantagens de natureza patrimonial, suscetíveis de
beneficiá-lo, direta ou indiretamente, são abrangidas pela definição
legal.
Da mesma forma, a influência corruptora não está ligada,
tão só, ao
exercício do voto, mas a toda e qualquer modalidade de
cumprimento do mandato parlamentar, como é, indisputavelmente, o
requerimento de instalação de uma comissão parlamentar de inquérito.
Finalmente, a lei equipara, para efeitos punitivos, a simples
tentativa à
consumação do ato de se determinar, mediante suborno ou
qualquer outra forma de corrupção, o comportamento de algum representante
do povo no Congresso Nacional.
4.- Ora, a oferta de liberação de
verbas orçamentárias, correspondentes a emendas apresentadas por
parlamentares, e destinadas à realização de obras públicas de interesse de
suas bases eleitorais, constitui, indubitavelmente, uma apreciável
vantagem pessoal daquele que depende do voto popular para obter a
renovação de seu mandato.
Quando essa vantagem é oferecida pelo
Governo, com o objetivo de obter a retratação do parlamentar em
requerimento de instalação de comissão de inquérito sobre alegados fatos
de corrupção na esfera governamental, a relação de comutatividade ressalta
às escâncaras: é o "dá lá, toma cá", típico dos negócios de compra e venda
ou de troca.
5.- Nem se alegue que o Presidente da República
permaneceu alheio ao episódio, como se o assunto não lhe dissesse
respeito.
Em primeiro lugar, Sua Excelência, em profusas e
reiteradas declarações públicas, fez questão de condenar a projetada
comissão parlamentar de inquérito, taxando-a, ora de inútil, ora de
extremamente prejudicial ao País. Concomitantemente, o Ministro da
Previdência Social buscava entendimentos com o Senador Antonio Carlos
Magalhães para obter a retratação de deputados a ele ligados, os quais
haviam assinado o requerimento de instalação da comissão, enquanto o
Ministro do Trabalho afastava-se de seu cargo e reassumia sua cadeira na
Câmara dos Deputados, com objetivo declarado de votar contra a aprovação
do requerimento.
Em suma, o vasto empreendimento, visando à
retirada de assinaturas no pedido de instalação da comissão de inquérito,
empreendimento esse que um órgão de imprensa chegou a caracterizar como
"megaoperação" (doc. N° ), foi levado a efeito, de forma concertada, por
Ministros de Estado, altos funcionários ligados à Presidência da República
e pelos líderes do Governo nas duas Casas do Congresso.
Seria,
portanto, ridículo, para dizer o mínimo, pretender que o Chefe de Estado
ignorou, o tempo todo, o desenrolar de uma complexa e trabalhosa operação,
praticada no interesse do Governo por ele chefiado.
6.- Diante do
exposto, os signatários vêm denunciar o Presidente da
República
Fernando Henrique Cardoso, como incurso no disposto no art. 6° - 1 da Lei
n° 1.079, de 10 de abril de 1950, requerendo a Vossa Excelência que, nos
termos do art. 19 do mesmo diploma legal, bem como do art. 218 do
Regimento Interno da. Câmara, seja a presente denúncia lida no expediente
da sessão seguinte à data de seu recebimento, e despachada à comissão
especial aí prevista, a qual deverá sobre ela opinar, prosseguindo-se em
seguida na
conformidade do disposto na citada Lei n° 1.079 e no
Regimento Interno dessa Casa Parlamentar.
Termos em que,
Pedem
Deferimento.
Brasília, 18 de maio de 2001
Celso Antonio
Bandeira de Mello
Dalmo de Abreu Dallari
Fábio Konder Comparato
Goffredo da Silva Telles Júnior
Paulo Bonavides
Revista Consultor Jurídico, 22 de maio de 2001.