CARTA ABERTA DO JUIZ NICOLAU À NAÇÃO
(autor:Carlos Castelo Branco)
"Não queria me manifestar. Mas depois de ver minha fotografia pelos
postes,como no Velho Oeste, escrito "procura-se", decidi sair da defesa e ir
ao ataque. Estou sendo vítima de um linchamento moral.
Tudo bem, Eduardo Jorge, Hidelbrando, Luiz Estevão, todos dizem a mesma
coisa. Mas, no meu caso, é diferente. A imprensa precisava achar um
bode-expiatório e acabou me pegando para Cristo.
A figura do juiz é perfeita para causar este tipo de impacto na opinião
pública. Mas digo e repito: sou inocente. E provarei, nem que para isso
tenha que contratar o advogado do Fernando Collor. Enquanto isso não
acontece, estou sendo obrigado a me refugiar neste bunker na Suíça. Sim,
vocês devem estar pensando: bunker na Suíça, que bela vida doutor Nicolau! E
aí eu respondo: ponham-se no meu lugar. Algum de vocês gostaria de ter gasto
4 milhões de dólares numa fortaleza no meio dos Alpes (onde o metro quadrado
é caríssimo), com sauna, piscina, privadas de ouro, heliporto e campo de
golfe? Tudo isso para se proteger de setores da sociedade que têm interesse
em exagerar uma situação? Francamente, preferia estar gastando o que ganhei
com o suor dos outros em minha casa no Guarujá, na companhia dos meus.
Hoje vivo num cantão onde a temperatura é gélida. Estou rodeado de mordomos,
garçons e seguranças. Mas daria tudo por uma casquinha de siri com uma
caipirinha de lima-da-pérsia no Perequê. Pena que o destino não quis assim.
A semana passada, já tiritando de frio, resolvi mudar de ares. Para começar,
fui obrigado a comprar um Learjet, pois não posso viajar em companhias
aéreas comuns, como um simples mortal. Só aí foram 8 milhões de dólares.
Minha esposa, estressadíssima com tudo, queria ir para Seychelles. Tive de
comprar uma pequena ilha no arquipélago, a fim de podermos descansar longe
do assédio.
E a coisa não fica só no comprar uma ilha e pronto. É reformar casa,
contratar seguranças locais, providenciar passaporte novo. Tudo isso custa
dinheiro. E não é pouco. Sou a bola da vez. Tenho consciência disso. Ontem
tomei um porre homérico de champanhe Cristal, acompanhado de caviar
iraniano.
Minha esposa ficou tão descompensada com meu desânimo que fui obrigado a lhe
dar um colar de diamantes da The Bears.
A realidade, amigos, é que poucos sabem o quanto dói ver a chuva caindo em
Lausanne de dentro de uma Lamborghini Diablo. A dor é tão imensa que cheguei
a me entregar ao jogo no Cassino de Mônaco. Perdi quase a metade do que me
acusam ter desviado. Cheguei a dar um iate e duas propriedades em Saint
Tropez para um nobre de Brunei, tão grande era a dívida.
E onde está a imprensa numa hora dramática dessas? Falando do programa "No
Limite"? No limite estou eu e minha família!
Eu apelo: deixem-me só! Sou um jogador fracassado, um magistrado deprimido!
Quero viver o exílio em paz. Pedi habeas-corpus, foi negado. Ofereci um "por
fora", se ofenderam. Ora, então me esqueçam. Ou melhor: me arrumem outra
obra, porque com essa carestia suíça o meu salário de juiz já está
acabando."
Carlos Castelo Branco é jornalista e escritor
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