http://www.uol.com.br/carosamigos/edicao/ed42/votoeletro.htm
Está criada uma discussão nacional sobre as eleições. Partidos alegam que as regras do TSE impedem a fiscalização das urnas. O VOTO ELETRONICO EM XEQUE por Marina Amaral A legitimidade da eleição mais informatizada do mundo, na definição orgulhosa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), está sendo questionada. No dia 6 de agosto passado, o PDT entrou com um recurso no TSE pedindo a impugnação das urnas eletrônicas brasileiras. A petição do PDT baseia-se fundamentalmente no Código Eleitoral, no artigo 2º da Constituição Federal – que prega a independência dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário – e na lei 9.504/47, artigo 66, que faculta aos partidos e coligações o direito de "fiscalizar todas as fases do processo de votação (...), sendo-lhes garantido o conhecimento antecipado dos programas de computador a serem usados". De acordo com o advogado do PDT, Ronaldo Jorge Araújo Vieira Júnior, a independência entre os três poderes não estaria sendo respeitada pelo fato de um dos programas – a biblioteca de criptografia, que tem como função declarada cifrar os dados gravados nas urnas – ter sido elaborado por um órgão vinculado à Presidência da República, o Centro de Pesquisas em Segurança das Comunicações (Cepesc), que compõe a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), chefiada pelo general Alberto Cardoso. Esse programa – que ocupa cerca de 12 por cento da memória da urna – não pode ser examinado pelos fiscais dos partidos, sendo de conhecimento exclusivo dos técnicos do Cepesc. A biblioteca – ou algoritmo – de criptografia não é o único programa a que os partidos não têm acesso. Também o programa-fonte (a matriz) do sistema operacional – base onde "rodam" os outros programas (análogo ao DOS que aparece na telinha preta dos micros pessoais) – foi excluído oficialmente da fiscalização dos partidos através de uma portaria publicada pelo TSE em julho deste ano (nº 142/00), que determina em seu artigo 2º: "Os sistemas ficarão disponíveis aos interessados para análise (...) de 2 a 6 de agosto". Mas ressalva: "Os sistemas disponíveis de que trata o caput deste artigo não incluem os sistemas operacionais por serem padrão de mercado, o Sistema de Segurança (SIS) e o algoritmo de criptografia por constituírem o bloco de segurança". O sistema operacional, diz o PDT, só é conhecido na totalidade pelos fabricantes, duas empresas privadas: a Procomp e a Microbase. A petição do PDT é baseada no relatório técnico do engenheiro Amilcar Brunazo Filho, formado pela Escola Politécnica da USP e especialista em segurança de dados. Brunazo passou a investigar o processo eleitoral eletrônico brasileiro depois da primeira eleição informatizada, a de 1996, e criou um fórum de debates na Internet que atrai quase duzentos participantes (www.votoseguro.org). Ele afirma que "qualquer programador de sistemas de nível médio poderia introduzir vícios que alterariam os resultados eleitorais tanto no sistema operacional como na biblioteca de criptografia sem deixar rastros". E acrescenta: "Isso não quer dizer que houve ou haverá fraudes nas eleições, mas o fato é que não há a transparência exigida em uma eleição". Para Brunazo, o quadro se agrava, já que é impossível recontar os votos no caso de reclamação de algum candidato. As urnas só apresentam a soma total dos votos e os números dos títulos eleitorais dos votantes. Não há como conferir voto a voto e o eleitor não tem nenhuma garantia material de que o voto computado pela urna seja efetivamente aquele que apareceu na tela, fato de que nem os técnicos do TSE discordam. Também não é possível auditar o processo eleitoral, uma vez que, como diz o analista de sistemas Cláudio Andrade Rêgo, perito em informática há três anos junto ao Tribunal da Justiça e ao Tribunal Federal de Minas Gerais, "auditoria só se faz em papel". "Por que os bancos, tão avançados na informatização de seus processos, não aposentaram o papel?", pergunta Rêgo. "Porque não há como fazer auditoria sem o papel. É muito fácil programar um sistema para fraudar as eleições e, na mesma programação, fazer com que ele apague essa ordem, não deixando traços para uma futura auditoria", explica. Rêgo conta que pesquisou como outros países resolveram a questão da informatização das eleições e chegou a uma conclusão surpreendente: "Nos Estados Unidos, por exemplo, a maioria dos Estados mantém o voto no papel e os que optaram pela informatização, como o Estado da Virgínia, exigem que todos os programas sejam examinados por um comitê composto de representantes dos partidos e engenheiros independentes da área de informática sem prazo para a conclusão de seus trabalhos". (Os interessados em confirmar essa informação podem acessar o site http//leg1.state.va.us/cig-bin) Na Alemanha, as eleições continuam sendo no papel, assim como na França e no Japão. Para o secretário de informática do TSE, Paulo César Camarão, a explicação para esse inusitado avanço tecnológico brasileiro é: "Eles não informatizaram as eleições porque não precisavam, não ocorriam fraudes como no Brasil". TRAPALHADAS? O PDT, por outro lado, tem motivos para desconfiar da tecnologia nas eleições. Em 1982, na primeira totalização eletrônica de urnas no Rio de Janeiro, o candidato ao governo do Rio Leonel Brizola só não perdeu a eleição ganha nas urnas porque o Jornal do Brasil somou manualmente os boletins do TRE, já que a empresa contratada para fazer o somatório final dos mapas produzidos manualmente pelas juntas eleitorais, a Proconsult, havia alterado o resultado, dando a vitória a Moreira Franco. O caso vem a calhar nas eleições atuais porque o programa produzido pelo Cepesc, a criptografia, tem como função básica evitar o aparecimento de resultados diferentes. Explicando: de acordo com o TSE, a criptografia – um programa que torna os dados inalteráveis e incompreensíveis depois de fechado o resultado de cada urna e que é trocado a cada eleição – teria como objetivo a segurança das eleições. Só que, antes que esse programa "embaralhe os dados", são impressos boletins de urnas, entregues aos fiscais dos partidos, com os resultados. Ou seja, os dados que seriam protegidos pelo programa já teriam sido divulgados publicamente, o que faz pensar que a função principal desses programas seria protegê-los de uma alteração que poderia ser descoberta e que tumultuaria as eleições. O TSE afirma que não pode divulgar os programas por compromissos de sigilo assumidos com os fabricantes. Também afirma que seria muito difícil ocorrer alguma fraude, uma vez que as empresas são independentes e o Cepesc, já que vinculado à Agência Brasileira de Inteligência, é o responsável pela segurança pública nacional. NO FIO DO BIGODE Brunazo argumenta que, uma vez que não se conhece o programa, só resta aos eleitores brasileiros confiar na palavra do TSE. "Seria possível introduzir qualquer vício em um programa como a criptografia do Cepesc", diz. Com ele concorda o doutor Fuad Gattaz, doutor em ciência da computação do Instituto Internacional de Integração de Sistemas, em Campinas, e criador de softwares como os utilizados pelos projetos Genoma e Guerra nas Estrelas. "Nenhuma argumentação justifica o sigilo em torno de qualquer programa usado em um processo eleitoral nacional. Não existe segurança naquilo que necessita de segredo para ser protegido, menos ainda para os eleitores", afirma o doutor Gattaz. Polêmicas técnicas à parte, o fato é que a argumentação jurídica levantada pelo PDT se sustenta, como explica o jurista Fábio Konder Comparato, que leu a petição do PDT a pedido de Caros Amigos. "Embora não conhecendo os detalhes técnicos de informática que envolvem o caso, eu diria que a fundamentação jurídica me parece correta, já que a tal portaria (que exclui alguns programas da fiscalização dos representantes dos partidos) subtrai dos partidos o conhecimento essencial para fiscalizar as eleições e a intromissão de um órgão vinculado à Presidência da República (o Cepesc) contraria o princípio constitucional da separação entre os poderes." Além da petição do PDT, que aguarda resposta do TSE, outra iniciativa política busca corrigir a falta de transparência das eleições eletrônicas. No ano passado, o senador Roberto Requião (PMDB-PR) entrou com um projeto de lei pedindo que os votos eletrônicos fossem impressos para garantir que os maiores interessados nas eleições, os eleitores, pudessem ao menos conferir que os votos dados aos candidatos na tela fossem computados corretamente. O projeto foi colocado em votação três vezes, mas todas as vezes a votação acabou sendo suspensa pelo presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães. Enquanto o PDT espera a resposta de seu pedido de impugnação e o senador Requião aguarda que o projeto seja colocado em votação novamente, uma carta enviada ao Senado pelo procurador da República Celso Antônio Três poderia servir de base para a reflexão de todos nós, envolvidos nas eleições deste ano: "A essência do debate não se localiza na segurança do engenho informático. Mesmo que a ciência pudesse asseverar a absoluta invulnerabilidade – sabidamente não pode –, a cidadania não estaria plenamente contemplada. A transparência da soberania popular exercida pelo cidadão perfectibiliza-se tão-somente quando o eleitor, de per si, por mero uso de suas faculdades, possa fiscalizar a fiel observância de seu voto. (...) A Justiça Eleitoral, partidos políticos, demais candidatos etc. são apenas co-interessados nessa lisura. Porém o cidadão – porque titular exclusivo de um direito constitucional público subjetivo – é que deve estar apto a sindicar o processo eleitoral." Marina Amaral é jornalista. -- Roger Chadel ______________________________________________________________ O texto acima e' de inteira e exclusiva responsabilidade de seu autor, conforme identificado no campo "remetente", e nao representa necessariamente o ponto de vista do Forum do Voto-E O Forum do Voto-E visa debater a confibilidade dos sistemas eleitorais informatizados, em especial o brasileiro, e dos sistemas de assinatura digital e infraestrutura de chaves publicas. __________________________________________________ Pagina, Jornal e Forum do Voto Eletronico http://www.votoseguro.org __________________________________________________