Colegas, divulgo aqui a Nota de Repúdio elaborada pela Diretoria da SBL às 
últimas declarações do Presidente Bolsonaro e seu Ministro da Educação 
Abraham Weintraub sobre a filosofia e a sociologia no contexto da educação 
brasileira. 

Atenciosamente, 
Cassiano.


Nota de repúdio da Sociedade Brasileira de Lógica às declarações de Sua 
Excelência, Presidente da República Federativa do Brasil, Jair Bolsonaro, e 
Sua Excelência, Ministro de Estado da Educação, Abraham Weintraub

 

Em apoio à ANPOF – Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia.

Em apoio à SBPC – Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, ao 
movimento #CiênciaOcupaBrasília e à mobilização nacional de 8 e 9 de maio 
de 2019 contra os cortes orçamentários em Ciência, Tecnologia e Informação.

 

 

  

 

 

A Sociedade Brasileira de Lógica (SBL) repudia veementemente as recentes 
declarações, por parte de Sua Excelência, o Presidente Jair Bolsonaro, e de 
S. Exa., o Ministro da Educação Abraham Weintraub, a respeito do ensino e 
da pesquisa nas humanidades, particularmente a filosofia e a sociologia. 

 

As declarações são desastrosas e ofensivas não só aos profissionais dessas 
áreas, como também deslegitimam toda a área das humanidades em todos os 
níveis da educação brasileira, sem excetuar o ensino mais básico da 
alfabetização mais chã, explicitamente mencionada por Sua Excelência o 
Presidente – como se fosse possível aprender a ler e a contar sem reflexão 
e autoconsciência. Chegando mesmo a dizer que apenas ricos deveriam se 
dedicar aos estudos filosóficos, S. Exa. o Ministro junta-se à Sua 
Excelência o Presidente na repetição de preconceitos rasos, caracterizados 
por um utilitarismo de vista curta e um atroz elitismo. Dos muitos 
problemas passíveis de ser levantados, ressaltamos dois erros nessas 
declarações.

 

O primeiro erro é supor que só tem valor o que é imediatamente útil. Como 
filosofia e sociologia não trazem “retorno de fato”, devem ser consideradas 
inúteis e, portanto, sem qualquer valor. Ora, a verdade é que esse discurso 
trai uma preocupação exagerada com o que é desqualificado – se filosofia e 
sociologia nada produzem de fato, por que então atacá-las? Se são inúteis e 
desprovidas de todo valor, por que interessariam justamente aos ricos? O 
ataque parece revelar justamente o oposto do que está dito: filosofia e 
sociologia realmente são valiosíssimas, a ponto de merecerem menção direta, 
e, por isso mesmo, devem ser eliminadas do currículo, ou reduzidas ao 
mínimo disponível apenas às classes mais favorecidas. Cabe perguntar, 
portanto, se as palavras de Sua Excelência o Presidente e de S. Exa. o 
Ministro revelam o que seus enunciadores pensam ou se há algo que pensam e 
não manifestam abertamente. 

 

O segundo erro, apoiado numa rígida e insustentável separação entre teoria 
e prática, é tão grave quanto o primeiro. Se o valor de uma área de estudos 
é reduzido exclusivamente às suas aplicações e resultados imediatos, então 
a própria lógica do processo de conhecer é invertida: raciocinamos para 
chegar às conclusões, para depois buscar descobrir o que fazer com elas, e 
não o contrário. Se as aplicações práticas e os resultados imediatos 
tornam-se critérios normativos para avaliar o conhecimento, então podemos 
deixar de raciocinar, basta aplicar fórmulas já conhecidas. Por que pensar, 
se basta só repetir? “Trabalhe, não pense”, diz um lema de assujeitamento 
já conhecido.

 

É claro, seria ingenuidade supor que apenas a filosofia e a sociologia são 
capazes de produzir pensamento “consciente” ou “crítico”, da mesma forma 
como seria ingênuo tentar defender sua “utilidade”. O conhecimento, em 
qualquer área, é sobretudo inútil, contudo tão somente no sentido de que 
seu produto maior não é nada de imediato e material, mas sim a autonomia de 
pensamento e a criticidade de consciência, atingidos apenas no contato com 
o mundo real e na apropriação do saber produzido por outras pessoas, em 
todas as áreas. 

 

A esse respeito, é impossível esquecer que o lema da nossa bandeira é uma 
adaptação de outro, de Auguste Comte: “O amor como princípio, a ordem como 
base e o progresso como meta”. Isso porque a Escola Militar do Rio de 
Janeiro, já durante o século XIX, foi o principal centro de ensino 
sistemático da doutrina de Comte, o positivismo. Com isso, toda uma geração 
de militares brasileiros tornou-se positivista, a mesma geração que, em 
1889, protagonizaria a Proclamação da República. De fato, Comte tornou-se 
filósofo após formar-se em engenharia e ser professor de matemática. Seu 
positivismo continha uma classificação das ciências que exerceu forte 
influência sobre a sociologia. Então, apesar de descartarmos do lema da 
bandeira justamente o amor, parece que a filosofia e a sociologia, no final 
das contas, são bem mais importantes para o país do que as últimas 
declarações de Sua Excelência o Presidente e de S. Exa. o Ministro admitem. 

 

Muito embora possa não saber, quem pensa sempre filosofa, e quem reflete 
sobre as condições práticas de sua profissão no contexto da comunidade em 
que vive sempre pensa sociologicamente. A filosofia e a sociologia agregam, 
sim, método e autoconsciência ao impulso da curiosidade própria do querer 
saber que é a vida do conhecimento. Seus questionamentos são tão frutíferos 
quanto inevitáveis, e esse parece ser seu maior perigo. Com efeito, desde 
Sócrates até hoje, perguntar por que devemos preferir as respostas às 
perguntas acaba por desestabilizar crenças assentadas e acríticas. 

 

Esse é o questionamento que os poderosos – em todas as épocas, em todos os 
lugares – costumam não tolerar e que é nossa responsabilidade, como 
cidadãos e como membros da comunidade acadêmica-científica brasileira, 
manter vivo. 

 

 

 

Diretoria 2017-2019, 26 de Abril de 2019.

 

 

 

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