Terça, 25 de janeiro de 2011, 08h09 Atualizada às 09h06 Monarco, o samba

Claudio Leal

Aos 77 anos, o portelense Monarco reviverá, nesta terça-feira (25), no Rio
de Janeiro, o primeiro disco de sua carreira, gravado pela Continental em
1976. Num "retrocesso na idade", como queria o também portelense Manacéa,
ele vai se apresentar no Instituto Moreira Salles, na Gávea, com o
repertório de 12 músicas que inclui "Tudo menos amor", "Desengano", "Amor
verdadeiro" e "Conselho".

Um dos sambistas míticos da Portela, Monarco teve mais sorte do que outros
companheiro de copo e de rodas musicais: conseguiu gravar cinco discos
individuais e integrar outras tantas coletâneas.

"Todo mundo sabe que não é qualquer artista que deixa uma gravadora
convencida de que vale a pena fazer um disco com ele, principalmente naquela
época (década de 70), em que a tecnologia não facilitava tanto o registro
fonográfico como ocorre atualmente. E Monarco tinha apenas um argumento para
convencer as gravadoras: o seu talento, o que, nesse universo, não quer
dizer nada", relata o jornalista e pesquisador Sérgio Cabral, no encarte
comemorativo dos 35 anos do LP "Monarco".

Nesta entrevista a *Terra Magazine*, o sambista conta como será o espetáculo
e admite a dificuldade da Velha Guarda da Portela para sobreviver.

- A Velha Guarda está bem desfalcada hoje. Aos trancos e barrancos, vamos
mantendo, mas está difícil, porque não tem peça de reposição. Não tem
sentido a gente colocar pessoas que não têm aquela característica do
passado. Se ficar enxertando de garotos, perde aquela característica...
Vamos segurando a barra, mas está difícil, vai chegar uma hora que vai
acabar - lamenta Monarco (de registro, Hildemar Diniz).

*Terra Magazine - De quem foi a ideia do show comemorativo do seu primeiro
disco, "Monarco", de 1976? *
*Monarco* - Queriam comemorar os meus 77 anos e o Instituto Moreira Salles
escolheu o primeiro disco de minha carreira. Eu achei legal também. Mas não
tem expectativa nenhuma de relançamento do disco. É uma maneira de eles me
fazerem uma homenagem carinhosa. Esse disco está fazendo 35 anos.

*Muitos dos músicos que participaram da gravação já morreram...*
Marçal, Dino, Abel Ferreira... Quem está vivo é o José Menezes! Vou até
falar com o pessoal pra convidar. Não sei se ele vai poder ir, porque está
morando longe. Mas muitos deles já morreram. Luisão morreu... Só está vivo o
produtor, José Menezes, e umas duas ou três pessoas, Wilson das Neves, que
tocou bateria...

*Quem vai lhe acompanhar no show?*
Vou ter o acompanhamento do ilustre violão do Paulão (*7 Cordas*), o diretor
musical do Zeca Pagodinho, junto com meu filho Mauro Diniz. Eles é que vão
fazer a parte harmônica. E a percussão é do Felipe de Angola. O palco é
pequenininho, né? Uma coisa pra relembrar, vai ser legal. Já fizeram o
encarte. A capa é do Lan. Sérgio Cabral, o velho, escreveu um texto. Juarez
Barroso, que escreveu a maior parte da contracapa, faleceu. Romeo Nunes, que
levou a ideia pro Ramalho Neto, o produtor, também já faleceu...

*O senhor sempre esteve mais próximo da Velha Guarda da Portela?*
A Velha Guarda da Portela é o meu reduto mesmo. Quando ela nasceu, Paulinho
da Viola foi o responsável. Mas já tinha. Os velhos se chamavam de "velha
guarda". No musical, a Portela foi a pioneira. O sonho de Paulinho da Viola
era registrar aquelas músicas antigas do terreiro, da comunidade, que faziam
sucesso, aquelas coisas espontâneas. Paulinho quis fazer esse disco e
conseguiu realizar o sonho dele. E eu era o mais novo da turma. Paulinho
escolheu um samba meu, que deu nome ao disco, "Passado de glória" (1970). A
partir daquele disco nós começamos a fazer, esporadicamente, um pouquinho
mesmo, uns shows por aí. Viemos a São Paulo pela primeira vez, a convite do
Elifas (*Andreato*). Vicentina era viva ainda, a pastora. Ela era
responsável pela feijoada, Paulinho até fez o "provei do famoso feijão da
Vicentina". Daquela turma antiga, já morreram todos, rapaz... Só estamos
vivos eu e Casquinha. A Velha Guarda está bem desfalcada hoje. Aos trancos e
barrancos, vamos mantendo, mas está difícil, porque não tem peça de
reposição. Não tem sentido a gente colocar pessoas que não têm aquela
característica do passado. Se ficar enxertando de garotos, perde aquela
característica.

*Os garotos não estão pegando a musicalidade da velha guarda?*
Não. Botamos alguns porque eram filhos de velhas guardas. Pusemos o Sérgio
Procópio, filho de Osmar do Cavaquinho. Mas é garoto novo. Das pastoras
morreu Doca, Vicentina... Eunice é viva, mas está velhinha, se aposentou.
Daquela turma, ficou Surica e nós botamos Áurea Maria e Neide Santana, duas
moças que são filhas do Manacéa e do Chico Santana, autor do nosso hino.
Vamos segurando a barra, mas está difícil, vai chegar uma hora que vai
acabar.

*No disco, você tem uma parceria com Chico Santana, "Lenço".*
Tenho sim. Nós temos uns quatro ou cinco sambas. Meu grande parceiro.

*Não falta valorizar a memória desses sambistas? Muitos morrem sem a chance
de gravar um disco.*
Pois é, rapaz, triste né? Eu gostaria que todos os nossos grandes
compositores da Portela, que fizeram a história da escola, lutaram pelo
Portela, faziam aqueles sambas tirados de dentro do coração, sem pensar em
gravar, sem nada... Gostaria que todos tivessem um disco gravado, como nós
tivemos com Paulo da Portela. Agora tem um garoto aí, daqui de Santos, novo
ainda, que teve a ideia bonita de fazer um disco só com as músicas do Chico
(Santana). Manacéa também merecia um disco. O Alcides. Enfim, pra manter
eles vivos. Pena que a gente não tem recursos.

*O senhor sente que poderia gravar mais do que já gravou?*
Pois é. Eu gravei quatro discos, não posso reclamar muito, não. E tive
participação em vários discos, gravei dois pro mercado japonês, dois no
Brasil e outro independente, pra uns publicitários aqui de São Paulo - eles
fizeram um disco comigo, Guilherme de Brito e Nelson Sargento. Tem o da
Eldorado ("Terreiro", 1980). Gravei "A voz do samba" (1992) e o DVD
"Monarco, a memória do samba" (2010). Dois discos lançados no mercado
japonês e relançados no Brasil. Mas, em termos de venda, não é aquela coisa,
não, sabe? As pessoas compram, mas não é uma coisa comercial.

*Qual o seu samba que, parando pra pensar, o senhor diz que está na medida?*
Tenho um samba, que o Martinho da Vila gravou e fez sucesso nacional, "Tudo
menos amor". Eu gravei nesse disco que vai ser comemorado. *"Tudo que
quiseres te darei, ó flor/ menos meu amor/ darei carinho se tiveres a
necessidade..."* (canta) Esse samba foi um sucesso, abriu caminho pra mim,
os intérpretes passaram a acreditar em mim, as fitas que eu mandava com
carinho eles foram gravando... Como Clara Nunes, Paulinho da Viola, o
próprio Martinho, João Nogueira, Roberto Ribeiro, mais tarde Zeca Pagodinho.
E agora "Coração em desalinho", uma parceria com Ratinho, que já faleceu, e
está na novela "Insensato coração". É a trilha principal, abre e fecha. *"Numa
estrada dessa vida/ Eu te conheci/ Oh Flor!..."*. Quer dizer, esses dois
sambas se destacaram mais na minha carreira.

*O senhor se sente ligado aos sambas-enredo atuais das escolas no carnaval?
Mudou bastante?*
As coisas mudam, as escolas hoje estão numa correria... Nos sambas de
antigamente, o andamento era um pouquinho pra trás, os sambas eram assim
mais longos e contavam realmente a história do Brasil: Caxias, os grandes
vultos da história, como Castro Alves, Pedro Álvares Cabral. Às vezes se
tinha uma aula de pessoas que conheciam a história. Hoje, os enredos são um
pouco abstratos, diferentes... Não se pode segurar, o que vai se fazer? A
evolução do mundo, o progresso, é do que eles falam. Eu acho um pouco
corrido, não faço mais samba-enredo. Já não era meu forte. Meu forte era
enaltecer a Portela, os amores, falar da vida cotidiana. Agora, o samba que
Candeia fazia, Silas de Oliveira fazia, se eles tivessem aqui hoje, não
ganhariam. É muito acelerado, as escolas passam correndo. O passista passa
um pouco pra sambar em frente à comissão, aí tem o casal de porta-bandeira e
mestre-sala e vem o diretor dizendo: "vambora, vambora, vambora...!", para
não estourar o tempo. As escolas mudaram muito, o negócio do faturamento,
essa coisa toda. Alguns sambistas se afastaram, até, porque não se
enquadraram nisso.

*Paulinho da Viola, por exemplo.*
Paulinho faz dois anos que não sai. Quando ele saiu, estava há 20 anos sem
sair na Portela. Nós convidamos uma vez, ele foi lá na Portela numa festa...
O falecido Alberto Nonato convidou ele pra sair na Portela. Aí ele desfilou
de novo. Ano passado já não desfilou. Este ano ele talvez não vá desfilar.
Eu liguei pra ele, ano passado, e ele me disse que não ia sair, não, porque
iria viajar. Mas o que me consta é que ele não viajou, não. Sei lá, né? Ele
não está se aclimatando mais nisso.

*No samba "Mangueira e suas glórias", o senhor demonstra admiração por
Cartola, Nelson Cavaquinho, Padeirinho... Como é a relação entre as duas
escolas?*
Fiz aquele samba... Nem tinha nada programado na minha cabeça. Nelson
Cavaquinho foi meu padrinho de casamento. Cartola era meu ídolo. Padeirinho
era meu amigo, meu parceiro de farra, de copo. Então, nasceu
espontaneamente, só fiz esse. E Paulinho fez "Sei lá, Mangueira" com
Hermínio (Bello de Carvalho). Inclusive, até causou um pouco de polêmica lá
na Portela, o pessoal dirigente não gostou muito... Sendo Portela e elogiar
a Mangueira? Isso é bobagem. Mas é uma coisa que aconteceu. Não tenho
arrependimento de ter feito. Louvei a Mangueira, tenho muito respeito pela
Mangueira, é uma escola tradicional, tanto ela quanto a Portela. Mangueira e
Portela sofreram o pão que o diabo amassou no início. Sambista era visto
como marginal, samba era negócio de vagabundo. Só fiz esse, não tenho
arrependimento, entendeu? Tá feito, tá guardado no meu coração, tenho
certeza que não fiz por mal. A inspiração nasceu e eu fiz. Se tivesse a essa
altura, faria de novo. Não foi nenhum erro enaltecer a Mangueira, Cartola,
Padeirinho, Nelson Cavaquinho, que são eternos, como também já teve
mangueirense fazendo samba para enaltecer Paulo, falando da Portela.
*"Mangueira,
sempre foste a primeira... Portela, nossa fiel companheira..."*. Sempre
houve essa troca de elogios. Cartola fez *"Devemos ter adversários como
Oswaldo Cruz"*. Oswaldo Cruz é o quê? É Portela.

*Na infância, o senhor chegou a pegar alguma rivalidade entre o samba baiano
e o carioca? *
Não. É diferente. O samba baiano é assim meio de roda. O samba da Portela,
do Estácio, da Mangueira, é diferente, tem uma levada diferente. Tinha o
samba amaxixado, um samba tocado na Bahia. Eu respeito, mas eu cresci
ouvindo os sambas na linha que até hoje eu faço, da Mangueira, da Portela e
da Estácio: o samba antigo de terreiro.

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