João Ubaldo Ribeiro, grande escritor brasileiro, apesar do marqueting do
TSE, soma-se aas brancaleonicas forças do Forum do Voto Eletronico. Bem
vindo.

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29/07/2001

Governantes virtuais
JOÃO UBALDO RIBEIRO

Ainda peguei o tempo em que computador tinha o nome popular de “cérebro eletrônico”. Nem se pensava na possibilidade de ele reduzir-se extraordinariamente em tamanho e ser vendido como um eletrodoméstico. Pelo contrário, havia especialistas que afirmavam que, no futuro, existiriam apenas algumas dezenas de computadores. Quando estudei numa universidade americana, faz bem mais tempo do que é da sua conta, um dos moderníssimos computadores dela ocupava um salão imenso, usava fitas magnéticas de alta velocidade como memória e tinha uma capacidade menor do que qualquer laptop plistocênico.

Já começava, embora vagarosamente e em meio a grande ceticismo, a chamada revolução informática. Um dos cérebros eletrônicos de fins da década de 50, misteriosa geringonça soviética, chegou a provar, por a mais b, que o Brasil perderia da URSS, na Copa do Mundo da Suécia. O resultado foi que, com dois minutos de jogo, Garrincha já tinha driblado para a lama a sovietada toda e mandado um tirambaço na trave. Ganhamos o jogo por 2 a 0, como todo mundo sabe. Assim mesmo, começava a desenvolver-se a crença na infalibilidade dos computadores, eles já ganhavam o nome que têm hoje e os céticos se transformaram em profetas que previam que, no ano 2000, toda casa, e praticamente toda atividade, seria controlada por computadores — o que talvez venha a acontecer, mas está muito longe ainda — tomara que esteja.

Os computadores se disseminaram vastamente, “todo mundo tem um em casa” e o público em geral, notadamente os tecnófobos que não querem nem chegar perto de um computador, passou a ter fé na infalibilidade dessas máquinas infernais e seus sistemas mais ou menos instáveis, especialmente o Windows. “Aposta feita por computador”, alardeavam e ainda alardeiam as casas lotéricas. “Noivo escolhido por computador”, apregoam certos anúncios inescrupulosos, como se o computador não fosse apenas uma máquina, mas uma espécie de deus da precisão e da exatidão. Algo feito por computador é feito muito mais rapidamente do que por mãos e mentes humanas, mas as mãos e mentes humanas são perfeitamente capazes de fazer tudo o que um computador faz e muito mais, inclusive imaginar e lidar com variáveis sutis, que a máquina não percebe, apesar dos avanços na chamada “inteligência artificial”.

Tudo vai sendo assumido por computadores, desde o controle do trânsito urbano até sistemas de transportes, comunicações, transações bancárias e votações no Senado Federal, a ponto de, segundo me dizem, os arsenais de guerra incluírem hoje um paralelo às armas bacteriológicas, ou seja, um acervo temível de vírus eletrônicos a ser dirigido maciçamente à nação contra a qual a guerra está sendo feita, paralisando-a por completo, do abastecimento de água e luz aos sistemas das forças armadas. E continuamos a confiar cegamente nos computadores, que não só são infalíveis como não mentem.

O resultado disso é que, muitíssimo modernosamente, o Brasil adotou um sistema informatizado de votação, que nos levou até a crer que humilhamos os Estados Unidos. Enquanto a eleição do presidente Bush ficava vai-não-vai, o Brasil, galhardamente, pôde anunciar seus resultados eleitorais em coisa de poucas horas depois das eleições. E os resultados são “por computador”, não podem falhar, coisa que todo mundo diz a respeito de seus sistemas, a começar pelos bancos. Não importa que, com a conivência de funcionários desonestos e a adoção de táticas insidiosas, todo dia apareça a história de alguém que foi prejudicado pelo funcionamento indevido dos sistemas informáticos dos bancos. Os bancos, confrontados com a possibilidade de devolver o dinheiro sumido ou surrupiado, alegam que seus sistemas são de absoluta confiabilidade. Hackers conseguem abrir até sistemas ultraprotegidos, como os do Pentágono, mas não conseguem penetrar no sistema de um tamborete qualquer. Claro que conseguem e computadores, domésticos ou não, são invadidos diariamente aos milhares, mesmo que se usem proteções sofisticadas.

No Brasil, o sistema de votação é também considerado, pela Justiça Eleitoral, inviolável e à prova de fraudes. É feito por computador, afinal. Mas a verdade é justamente o oposto. Perguntem a qualquer amigo que trabalhe ou entenda, em nível superior, de computadores (eu tenho diversos e saí perguntando) e ele talvez lhes diga o contrário. Não está fora de cogitação que, num sistema como o empregado por nós, em que a recontagem é impossível e a fiscalização pelos partidos ou candidatos absolutamente inócua, haja, por exemplo, um programinha que transfira, na moita, votos de Fulano para Beltrano e, depois de concluída a apuração, se apague sem vestígios. Essencialmente, o nosso sistema de votação e apuração é a mesma coisa que o do Senado, que, segundo me contam, já era violado há muito tempo antes do escândalo recente.

Nos Estados Unidos, em muitas regiões eleitorais, o voto é feito, há décadas, por máquina. Mas essas máquinas usam cartões perfurados, conferíveis à mão, no caso de dúvida. No exemplo brasileiro, não temos como conferir e há que presumir-se, temerariamente, num país como o nosso (ou em qualquer país, aliás), que todo o funcionalismo do TSE e dos tribunais regionais é incorruptível e que podemos confiar na eleição “feita por computador”. Pois não podemos, nosso voto é virtual, os partidos e candidatos não têm a mínima condição de fiscalizar e não há recontagem possível. Uma das maiores massas eleitorais do mundo, que somos nós, vai continuar dependendo da confiabilidade de um sistema que não tem nada de adiantado, ao contrário do que pretende nosso acachapado orgulho de perdedores de 2 a 0 para Honduras, com olé. Tínhamos o voto a bico de pena e agora temos o voto a clique de mouse — já disse aqui uma vez. Enfim, como o nosso governo é virtual mesmo, também o sejam nossos votos.

***



P.S. — Acabo de conversar com outro amigo informaticamente qualificado e ele, ao contrário dos outros, disse que isso tudo são idéias passadas a mim por um jerico brizolista. Podem até ser, mas nunca me dei mal escutando a paranóia. Acostumado com o nosso Brasil, acredito que somos capazes de qualquer coisa.
JOÃO UBALDO RIBEIRO é escritor.

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