Joao Marcos <botoc...@gmail.com> escreveu:

>> Discordo plenamente.  O artigo é um desastre.  Repleto dos disparates,
>> hipérboles e sensasionalismos comuns em artigos de divulgação dos
>> teoremas de Gödel.
>
> Pareceria ser agora então seu papel, como cientista e pregador moral,
> mostrar exatamente *quais* seriam os "disparates"?

Ótimo. Vamos lá, então.

Problemas mais pontuais com o artigo de Lynch:

"The axiomatic approach is inherently limited [...] *In essence,
mathematics is incomplete!*"

Non sequitur.  Assume que a matemática está restrita aos sistemas
axiomáticos afetados pelos teoremas de Gödel.  Ainda que interpretada em
termos "essenciais", essa tese, senão completamente incorreta, é
certamente controversa.

"[...] a second theorem of Gödel showed that the consistency of such a
system of axioms can never be proved by working within the system
itself. Thus, *we cannot be certain that the standard axiomatic systems
of mathematics never lead to contradictions.*"

Mais non sequitur.  O fato de que argumentos pela consistência de
sistemas como AP (Aritmética de Peano) não possam ser formalizados em AP
não significa que não possam haver argumentos matemáticos que demonstrem
a consistência de AP.  Não creio que hajam muitas pessoas preparadas a
negar que a demonstração de consistência de Gentzen seja um argumento
matemático embora use métodos que extrapolam o que possa ser formalizado
em AP (indução transfinita).

"This axiomatic approach has been the model for mathematics ever since."

Historicamente incorreto.  O método axiomático só ganhou destaque em
matemática fora da geometria a partir da segunda metade do século XIX,
em grande medida devido ao trabalho do próprio Hilbert.  Dizer que,
mesmo antes desse período, o método axiomático era considerado como
modelo de excelência e rigor matemático não é nada além de anacronismo
histórico.

Problemas mais gerais com o artigo de Lynch:

Como em toda pecinha de divulgação científica que se preze, o artigo tem
aquelas frases de efeito, invariavelmente imprecisas, portanto imunes a
ataques pontuais, que provoca aquela sensaçãozinha mística gostosa de se
ter capturado algo aparentemente profundo e relevante, mas que, quando
minunciosamente destrinchado, se desfaz em platitudes ou falsidades.

"There are problems at the very core of mathematics that cast a shadow
of uncertainty."

Tentar descobrir o que exatamente Lynch quer dizer com sua "sombra de
incerteza" e como essa incerteza seria supostamente provocada pelos
teoremas de Gödel seria morder o anzol, engajando em vã especulação
mística.  Outro exemplo segue:

"We can never be absolutely sure that the foundations of our subject are
rock solid."

Isso, obviamente, também *não* se segue dos teoremas de Gödel.  Lynch,
estritamente falando, não alega que seja uma consequência dos teoremas.
Mas joga a frase de efeito lá no meio, pois, vai saber...

***

É importante notar que muitos dos pontos que indiquei acima não são
novos.  Eles podem ser encontrados, por exemplo, no livro de Franzén já
mencionado.  Ademais, *não* faz parte do meu papel como cientista, ou
como pregador, apontar os disparates.  Contudo, faz parte das
prerrogativas daqueles que leram minhas alegações (de que o texto
continha disparates e etc.) de exigir de mim justificativas e
explicações.  E eu, quando fiz as alegações, assumi tacitamente um
compromisso público de fornecê-las [1].  Isso, no entanto, não é
privilégio (ou deveria dizer aflição?) somente de cientistas ou
pregadores.

> [...]
>
> Certamente tal tese carece de dados comprovatórios sobre o que gera
> nas pessoas o "interesse por ciência".  Eu próprio conheço várias
> pessoas que se interessaram em procurar mais sobre aquilo que você
> chama de "verdadeira ciência" justamente como efeito colateral da
> leitura de artigos de divulgação que lhes imbuíram de suficiente
> motivação (e não é fácil chegar a este nível de motivação) para
> suplantar sua curiosidade a partir do duro trabalho de adquirir uma
> formação científica adequada.

Acho que você não compreendeu, ou eu me expressei mal, João Marcos.  Não
se trata de uma tese empírica sobre o que estimula "interesse por
ciência".  Estou rejeitando o *valor intrínseco* em se estimular o
interesse por ciência.  Obviamente, não estou dizendo que *não se deve*
estimular o interesse por ciência: estou apenas rejeitando a tese de que
*se deve* estimular o interesse por ciência.  Isto é, não creio que haja
qualquer valor social, moral ou ético que nos demande estimular o
interesse por ciência, algo que você, aparentemente, assume como dado.

Saudações,

Notas:

[1] Para ser sincero, fiz minhas alegações na esperança de que fosse
    cobrado por justificativas e, por esse meio, pudesse mostrar a todos
    como sou um cientista esperto e instruído que é capaz de desdenhar
    artigos de divulgação científica completamente bem intencionados, os
    quais eu mesmo não conseguiria melhorar sequer uma linha sem
    explodi-lo para as dimensões dos monólogos que escrevo para a lista
    de lógica.

-- 
Hermógenes Oliveira

Este espaço deveria ser preenchido por uma frase inteligente e
espirituosa.

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