Joao Marcos <botoc...@gmail.com> escreveu:


[...]

A propósito, há um outro paper do Sesardic (com Rafael De Clercq)
[2] que comenta sobre a *disparidade de gênero* na área de Filosofia
e coloca em questão as alegadas evidências da hipótese segundo a
qual haveria algum tipo de *discriminação* contra as mulheres na
área de Filosofia.

[...]

[2] Women in Philosophy: Problems with the Discrimination Hypothesis
https://www.nas.org/articles/women_in_philosophy_problems_with_the_discrimination_hypothesis

Obrigado pela referência João Marcos.  Esse artigo é um ótimo
exercício em sofismas!

Ele não sobrevive aos próprios padrões que pretende aplicar aos
trabalhos que critica e emprega os clássicos _falácia do espantalho_,
_apelo à ignorância_, _falsa dicotomia_ e _petição de princípio_.

Isto se revela a qualquer um que esteja familiarizado com a literatura
citada pelo próprio artigo, mas vou fazer um breve apanhado como
aperitivo.

a) Alguns pontos do artigo argumentam contra espantalhos de Haslanger,
Saul e Beebee.  Por exemplo, Haslanger realmente escreve que "the data
mostly speak for themselves".  Essa citação é tirada fora de contexto
para sugerir que Haslanger faz um salto ilegítimo da "disparidade de
gênero" para "discriminação".  Quando se lê o texto de Haslanger,
porém:

1. Está claro que ela toma os dados como evidência da *disparidade de
gênero*, o que, de fato, *pode* ser concluído dos dados a despeito da
afirmação de Sesardic de que "the data don’t speak for themselves at
all. Without additional information, it is impossible to draw *any*
conclusion".

2. Haslanger então prossegue a *problematizar os dados* e sugere
explicações para a disparidade, *uma* das quais é a discriminação
("outright discrimination").  Outras explicações incluem "Gender Bias"
e "Stereotype Threat", coisas que Sesardic, aparentemente, joga tudo
no mesmo saco.  Mas, mesmo aqui, Haslanger concede que "Based on the
limited data I’ve gathered (for example, I don’t have data on
submission), I cannot argue that evaluation bias *is* playing a role
in publication in philosophy." (ênfase dela)

3. Diferente do que sugere Sesardic, Haslanger está discutindo a
disparidade de gênero em *publicações* e não em comitês de
contratação.  A tabela citada por Sesardic relacionando o número de
mulheres nos programas de pós-graduação americanos é usado por
Haslanger somente para constrastar o número de mulheres ativas em
áreas da filosofia com o números de publicações por mulheres nas
mesmas áreas.

4. Em nehum dos trabalhos citados no artigo de Sedardic, Haslanger
sugere "a prima facie case for anti-woman hiring bias" ou recomenda
cotas ou quaisquer outras medidas de reparação do mesmo.

b) Sesardic oferece duas possíveis alternativas que explicariam a
disparidade de gênero, mas que seriam livres da hipótese de
discriminação: "gender differences in abilities" e "gender differences
in interests".  A segunda delas *não* está livre da hipótese de
discriminação, pois, como o próprio Sesardic explica mais adiante, um
ambiente de discriminação pode levar mulheres a desenvolver menos
interesse por filosofia.  A primeira delas, além de ser completamente
ridícula, possui muito menos evidência em seu favor do que a hipótese
criticada por Sesardic.

c) Ao mesmo tempo que exige alta robustez estatística de estudos que
apontem a presença de discriminação, Sesardic cita trabalhos baseados
em "estimativas", como o de Andrew Irvine.

d) Os estudos canadenses mencionados como evidência de que mulheres
não seriam discriminadas ou seriam até mesmo favorecidas em
contratações foram realizados num período em que universidades
canadenses implantaram fortes medidas, incluside envolvendo cotas,
favorecendo a contratação de mulheres.  A despeito da paridade
relativa em contratações recentes, em termos absolutos, a disparidade
é enorme (veja relatório sobre a Universidade de Western Ontario
citado por Sesardic).

e) Quando se trata de discutir "Bias" em pesquisa, Sesardic cita
estudos da área de medicina, onde a disparidade de gênero é bem menor.

f) Mesmo aqui, Sesardic cita o estudo de Sandström & Hällsten como
contraposto ao estudo anterior de Wennerås & Wold quando, na verdade,
o estudo de Sandström & Hällsten pertende mostrar como medidas
adotadas pelo governo Sueco ajudaram a amenizar os problemas relatados
por Wennerås & Wold (tanto na questão de gênero quanto na questão do
nepostismo).

Enfim, as falácias e deturpações são numerosas.  Quando terminei de
ler o artigo, fiquei me perguntando se não se tratava de uma piada...


--
Hermógenes Oliveira

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