Olá, pessoal.

João Marcos escreveu:
> Rodrigo, a sua resposta ajuda a corroborar a minha afirmação que a
> demonstração do teorema de incompletabilidade gödeliano NÃO depende
> da "aritmetização da sintaxe" (como defendeu a autora do artigo
> citado no começo da presente discussão).

Permitam-me assumir o ultrajante papel de advogado do diabo. :-)

Rodrigo Freire escreveu (ênfase minha):

> TMR apresenta a seguinte versão do teorema de Godel (citando de
> memória, pode haver alguma variação inessencial)

> *Se T tem nomes para suas fórmulas* (item 1 da codificação na minha
> mensagem anterior) e é consistente, então T não representa
> simultaneamente a operação de diagonalização nas suas fórmulas e a
> dedutibilidade em T.

Ora, é fácil se livrar da aritmetização se simplesmente a assumirmos
como hipótese!

O resultado de Kleene também foi aludido nesta discussão como
evidência em favor da tese de João Marcos.  Esse resultado, de fato,
implica uma *versão* do resultado de Gödel que trata de teorias
recursivamente axiomatizáveis nas quais *as funções recursivas
primitivas são representáveis*[1].  Ora, para se chegar ao enunciado
original de Gödel, é necessário ainda estabelecer que as funções
recursivas primitivas são representáveis nas teorias fundacionais tipo
Principia Mathematica.  É precisamente isso que é alcançado por meio
da aritmetização.  Ainda que seja repertório básico para os lógicos de
carreira contemporâneos, isso não é evidente.  Inclusive, pode-se
dizer que Gödel inaugurou com seu artigo os estudos do que hoje
chamamos de funções recursivas primitivas.

Se estamos pensando em demonstrações do enunciado original de Gödel,
com todo seu impacto e consequências, então não creio que seja
possível evitar a tal aritmetização (bem como diagonalização).
Supostas demonstrações livres dela estão fadadas a pressupô-la de
alguma maneira, seja explicitamente, ou embutida em definições.

Certamente, como já foi observado nesta discussão, há uma certa
vagueza em "demonstrações do resultado de incompletabilidade de
Gödel".  Não está perfeitamente claro quando um resultado deve contar
como uma demonstração do enunciado gödeliano.  Ademais, quando estamos
discutindo o que é ou não necessário para se demonstrar um resultado,
há que se considerar ainda uma certa ambiguidade na noção de
demonstração.  Afinal, há boas e más demonstrações.  Qual o valor de
se evitar esta ou aquela técnica se o preço é terminarmos com uma má
demonstração?

Assim como qualquer resultado, as demonstrações do teorema da
indecidibilidade do Gödel podem ser inseridas num espectro com relação
a sua perspicácia e poder elucidatório. Num dos extremos está algo
como a demostração do próprio Gödel (talvez com algumas melhorias
inessenciais na codificação) e no outro extremo está aquela em que
simplesmente se assume o enunciado do teorema como hipótese.

Afinal, o resultado é conhecido como teorema de Gödel e não teorema de
Finsler[2]. E, a julgar pela escassa correspondência entre os dois[3],
os detalhes técnicos, inclusive aritmetização, são uma importante
razão para essa nomenclatura.  Portanto, não diria que seja matéria
apenas para hackers[3].


Notas:

[1] Em conversa privada, João Marcos indicou a excelente nota de Peter
Smith sobre o assunto:

https://www.logicmatters.net/resources/pdfs/KleeneProof.pdf

[2] Paul Finsler. Formale Beweise und die Entsheidbarkeit. Mathematische
Zeitschrift, Band 25, 1926, S. 676-682.

[3] Kurt Gödel. Collected Works, Volume IV, p. 405-415.

[3] A codificação particular escolhida por Gödel é, de fato,
inessencial, como observou o próprio Gödel, e pode ser substituída,
eventualmente por versões melhores, sem qualquer prejuízo.  Porém, a
aritmetização em si me parece desempenhar um papel central.

--
Hermógenes Oliveira

"The competent programmer is fully aware of the strictly limited size
of his own skull; therefore he approaches the programming task in full
humility, and among other things he avoids clever tricks like the
plague." Edsger W. Dijkstra

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