On May  4, 2007, "Guilherme H. S. Ostrock" <[EMAIL PROTECTED]> wrote:

> Realmente qualquer software pode sofrer engenharia reversa, isso é
> inquestionável, como colocado por você o fato de não haver
> dificultação para isso justifica que se realize?

Não.  A justificativa para fazê-lo foi a seguinte.

Eu teria, em tese, as seguintes alternativas para fazer minha
declaração:

a) no formulário em papel

b) usando o programa distribuído pela SRF

c) contratando alguém pra usar o programa distribuído pela SRF

d) fazendo a descompilação e transformando-o em Software Livre


A opção (a) não me é permitida pela portaria da SRF que regulamenta
quem pode usar o formulário em papel.  Usá-la seria descumprir a
portaria, e provavelmente uma impossibilidade, dadas as limitações do
próprio formulário.


A opção (b) consistiria crime de infração de direito autoral, pela
ausência de licença explícita para uso do software, assim como pela
publicação e distribuição de código de terceiros sem respeitar seus
termos de licenciamento.  Tratando-se de uso, sem licença, de software
de titularidade do poder público, nem se faz necessária queixa do
titular: eu estaria automaticamente sujeito a pena de multa e
detenção.

Além disso, estaria cometendo um crime moral pois, de acordo com
minhas convicções filosóficas, utilizar software que não respeite
minhas liberdades como usuário e desenvolvedor de software é imoral e
inaceitável.  Entendo que eu não poderia invocar minhas convicções
para escapar de uma obrigação imposta a todos, mas como a obrigação de
usar o software para preparar a declaração eletrônica é apenas para
alguns (outros podem usar o formulário em papel), há espaço no mínimo
para debate sobre a legitimidade constitucional dessa obrigação.


A opção (c) consistiria formação de quadrilha para cometer o crime em
(b), sujeitando tanto eu quanto o contratado a pena por formação de
quadrilha, e sujeitando o contratado a pena aumentada por infringir
direito autoral com finalidade de lucro.


Sendo todas as outras opções contrárias à lei, resta a dúvida se a
opção (d) seria contrária à lei também.  Vamos analisar...

Há uma licença no pacote, a GNU LGPLv2, em localização normalmente
utilizada para indicar que se aplica ao todo e sem qualquer indicação
contrária, que concedia permissão para uso do software e que era
compatíveis com minhas convicções filosóficas.

A licença dizia que eu deveria ter recebido o código fonte
correspondente.  Mas, bom, ela esqueceu de publicar o código fonte
correspondente aos binários de terceiros incluídos no pacote e
distribuídos sob a mesma licença, então parece natural entender que
ela tenha se esquecido de publicar os seus próprios.  Erro crasso, mas
não muito incomum.  SRF falou que estava estudando o problema e iria
resolvê-lo, mas não em tempo para a entrega da declaração dentro do
prazo.

De toda forma, ela ofereceu informação suficiente para a recuperação
de código fonte, que era o que faltava para, junto com a licença,
tornar o software compatível com meus direitos constitucionais.


Não havendo outra forma de a Receita Federal estar em cumprimento de
(quase todas as) suas obrigações jurídicas pertinentes e não estar
exigindo que cidadãos cometessem crimes, parece que a única opção é
que ela tenha de fato licenciado o código sob essa licença, e tenha
meramente deixado de publicar os fontes correspondentes por engano, ou
por supor que a informação contida nos binários fosse suficiente para
cumprir com suas obrigações perante os titulares de direito autoral
dos outros softwares LGPL que ela distribuiu.


Se houvesse me concedido a possibilidade de apresentar a declaração em
papel, em caráter excepcional, como solicitei e me foi negado, ou se
houvesse estendido o prazo para entrega da declaração até que o de
licenciamento fosse resolvido, como solicitei e me foi negado, ou se
houvessem publicado uma licença explícita para uso do software, como
solicitei e me foi negado, eu teria outras maneiras de cumprir a lei,
mesmo que ainda pudesse me sentir insatisfeito e entender que a
Receita Federal esteja deixando de cumprir as suas obrigações e
violando direitos meus.

Porém, uma vez que se aceite que a SRF licencia seu próprio código sob
a LGPL, ainda há algumas violações de direitos autorais de terceiros,
mas eu, tomando o código da própria SRF, juntando-o com outros códigos
de terceiros e fazendo pequenas adaptações autorizadas pela própria
licença, o resultado é um programa que pode ser usado legalmente.

E que também pode ser compartilhado, para que outros que tivessem as
mesmas convicções políticas e morais que eu pudessem cumprir suas
obrigações da mesma maneira.

Entendo, portanto, que tinha não só a liberdade, como a obrigação
legal de fazer o que fiz: preparar uma versão livre e legalizada para
a preparação de declarações de IRPF.

Pela licença, eu tenho a liberdade de escolher entre publicar ou não o
resultado de meus esforços.  Eu entendi ter o dever moral de
publicá-los, por isso eu o fiz.



Veja que, mesmo depois de entender que a licença do código de
propriedade da Receita Federal era a LGPL, ainda assim eu entendia
estar impedido de usar o software como um todo, visto que outras
licenças haviam sido desrespeitadas, portanto a distribuição era
ilegal.

O prospecto não era tão ruim, porque, tratando-se de titularidade de
entidades privadas, haveria necessidade de queixa para qualificar a
distribuição e o uso como ilegais.  Mesmo assim, seria um desrespeito
à lei e às minhas convicções filosóficas, coisas que eu buscava de
todas as maneiras respeitar.

Entende? :-)

> Imagine a situação de você estacionar seu carro em local ermo sem qualquer
> tipo de trava, isto justificaria o furto? (somente para deixar claro não
> estou dizendo que o Alexandre cometeu crime ou que as condutas se
> equiparem.)

Mas que tal se alguém deixasse o carro com a chave na porta, o
documento no porta-luvas, um aviso em cima do console dizendo "Pode
usar!", mas muito pouca gasolina no tanque.

Seria errado usar o carro e devolvê-lo em seguida com o tanque quase
cheio?

> "pode ser" que as quadrilhas especializadas venham a utilizar este
> código. Se provado que a "quadrilha" começou a atuar depois de ter
> acesso ao código por ele publicado, em uma análise simples, ele
> teria responsabilidade objetiva? Não, mas se provada a situação
> hipotética exposta, teria responsabilidade subjetiva.

Não seria negligência da Receita Federal utilizar protocolos e métodos
inseguros?  Se o Sr X deixa a porta de casa escancarada e seu capacho
diz "Bem vindo", pode reclamar se alguém entrar e sujar o carpete
depois de ver o aviso "Conheça a casa do Sr X" que eu coloquei na rua
ao lado?

> Pelo que me lembro, o país é o equador e ele não divulga o código do
> programa mas os padrões do arquivo, acho que li isso em um dos artigos do
> Alexandre, se estiver errado, por favor corrijam.

Está correto.

Parece-me que os EUA também divulgam o padrão do arquivo, de modo que
várias empresas desenvolvem seus próprios softwares para preparação de
declarações.

-- 
Alexandre Oliva         http://www.lsd.ic.unicamp.br/~oliva/
FSF Latin America Board Member         http://www.fsfla.org/
Red Hat Compiler Engineer   [EMAIL PROTECTED], gcc.gnu.org}
Free Software Evangelist  [EMAIL PROTECTED], gnu.org}
_______________________________________________
PSL-Brasil mailing list
PSL-Brasil@listas.softwarelivre.org
http://listas.softwarelivre.org/mailman/listinfo/psl-brasil
Regras da lista: 
http://twiki.softwarelivre.org/bin/view/PSLBrasil/RegrasDaListaPSLBrasil

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