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Longo!

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Querida amiga, você pediu por uma resposta. Ela é longa e bem intencionada. A 
faço pública porque suas dúvidas e receios são também de outros.

Na Campus Party Brasil de 2014 tive o prazer de te conhecer, Bárbara Tostes. 
Naquele, então, estavas na equipe de curadores do eixo temático do Software 
Livre e te mostrastes uma pessoa muito sagaz, empreendedora, cheia de inciativa 
e especialmente criativa. Assumistes para si a interação com os participantes 
do evento pelas redes sociais. Com nítidas habilidades gráficas estava claro 
que esse, era também, teu trabalho, ou seja, fizestes das artes gráficas teu 
meio de vida e aplicavas nela todo o sentido crítico do seu curso de jornalismo.

Teu entusiasmo e personalidade me remeteram imediatamente aos primeiros 
ativistas de Software Livre que inundaram as primeiras edições do FISL e 
Latinoware. Então antes de mais nada, aqui há meu respeito e admiração pelo seu 
trabalho e ativismo. Em segundo, um tremendo carinho por ser, você, uma 
convicta e verdadeira ativista do Software Livre. E por fim, e mais importante, 
minha extrema preocupação pela sua absoluta inocência por não conseguir 
discernir Software Livre de OSI.

Como tenho dito em outros artigos, OSI e Software Livre não são a mesma coisa. 
Na verdade suas convergências são muito menores que suas diferenças. Enquanto 
um trata de filosofia, ética, moral e liberdade, o outro trata de mercados, 
finanças, técnicas e modelos de negócio. Então misturar as duas coisas não 
poderia terminar bem. Você, Bárbara é apenas mais uma vítima, dessa mistura. E 
a culpa é minha. Não só minha, mas de toda a comunidade de Software Livre que 
deliberadamente se deixou encantar pelos argumentos mercantilistas da OSI a uns 
10 anos atrás.

Li seu artigo “como é difícil ser livre!”, externando sua inocência e 
perplexidade frente aos novos argumentos levantados pelos ativistas do 
movimento Software Livre, que estão tentando corrigir o erro histórico de ter 
misturado o mercantilismo OSI com a filosofia GNU. Eu incluído e citado.

Já no primeiro parágrafo você deixa claro que não percebeu a mistura homogênea 
que foi feita com o propósito de destituir o conteúdo filosófico do projeto 
GNU, quando fala nas Distribuições Linux. Permita-me te dizer que essa não é 
uma verdade. O Movimento Software Livre não usa um sistema Linux, não 
desenvolve um sistema Linux e não mantém um sistema Linux. O sistema é GNU. O 
kernel pode ser Linux ou não. Mas o sistema como um todo é GNU. Veja, no dia em 
que o kernel Hurd estiver usável e for feita uma distribuição usando-o, vamos 
chamá-la de distribuição Hurd? Pouco provável. Quer dois exemplos 
proprietários? Android e MacOS, usam kerneis livres. O primeiro Linux, o 
Segundo BSD. Não vejo ninguém chamando o MacOS de Distribuição BSD. Nem o 
Android de distro Linux. A lista de exemplos é imensa: Gnome ou KDE? Coloque o 
kernel no seu devido lugar: é apenas mais um componente do sistema GNU.

A marca Linux ganhou espaço na mídia e o consciente coletivo das massas, porque 
ele destitui o fator ideológico do nome do sistema operacional ao remover o 
GNU. Inclusive o Linus Torvalds tem um papel fundamental nesse processo por não 
dar a devida importância à liberdade. Como ele mesmo declara, ele “faz livre 
porque é divertido, o resto é bobagem”. Veja, o mesmo acontece com o termo 
“hacker”, que como todos nós sabemos, é algo bacana, legal, inteligente e 
excitante, mas que na mão da mídia marrom, se transformou em sinônimo de crime, 
ilícito, desajustado, terrorista…

Então se você defende a liberdade essencial, aquela que transforma a vida, não 
use mais “Linux” para definir o nome de nenhum sistema operacional Livre. O 
Linux é um excelente projeto de Software Livre, coordenado por um gênio que só 
olha par seu próprio umbigo. E nada mais.

E você, Bárbara tem toda a razão quando diz que ser livre é muito difícil. 
Guerras mundiais fora travadas em seu nome. Hoje o controle planetário pela 
disseminação e uso das redes sociais devassas tem tudo haver com a manutenção 
ou perda das mais elementares liberdades individuais. Você não precisa ter algo 
a esconder para ter direito a privacidade. Até porque, pense bem, se for assim, 
todos os que manifestarem interesse em tê-la serão alvos da curiosidade 
daqueles que não a querem permitir. Some à complexidade natural do tema, toda a 
pressão de marketing e ideologias do livre mercado, e teremos as reações mais 
absurdas, onde se justifica a perda da liberdade em nome de tê-la!

Confuso? Vou explicar, mas leia com calma os dois próximos parágrafos.

Por volta de 2004 a comunidade de Software Livre no Brasil estava completamente 
convencida de que a liberdade tecnológica era o caminho certo. O grande desafio 
era como fazer o GNU e sua filosofia chegar até as pessoas. A FSF, com o 
Stallman e Alexandre Oliva à frente, bradavam que o objetivo não era a a 
massificação, mas o entendimento, o convencimento. Qualidade sobre quantidade, 
pois de nada adiantaria criar uma massa de usuários de tecnologias livres se 
eles não soubessem o que estavam usando. A ignorância dos usuários seria o elo 
fraco que permitiria o a apropriação dos meios pelos poderosos, como sempre. E 
em contraponto estavam a Linux International, capitaneada pelo querido Maddog e 
Linus, e a OSI com seu maior expoente, Eric Raymon, que diziam exatamente o 
contrário: era necessário massificar o uso e a adoção a qualquer custo, em 
especial pelas empresas que são o motor da sociedade capitalista ocidental. Uma 
vez que a massa estivesse usando não seria nem necessário mais falar em 
liberdade, afinal, eles já estariam livres, certo? Dez anos depois, já podemos 
concluir quem tinha razão.

O Linux é sem dúvida um dos maiores e mais importantes projetos de Software 
Livre, usado em 9 de cada 10 distribuições GNU. Portanto é um programa crítico 
que não deveria ser “infectado” por software não livre de forma alguma! Mas o 
argumento de que a massificação faria a diferença foi tão contundente que, como 
comunidade, como grupo social organizado, permitirmos a inserção de código 
fechado nele, proprietário mesmo. Permitimos que nossa liberdade fosse 
cerceada, na busca por garanti-la e massificá-la. Faz algum sentido isso? Então 
agora a liberdade de escolha, aquela que você menciona, está entre escolher 
qual será sua distribuição GNU não livre. Que armadilha!

Deveríamos ter reagido! Deveríamos ter dito: ei! Nada disso! Os fabricantes de 
hardware que se ajustem, que abram seus drivers e façam maquinas compatíveis ou 
não compraremos seus equipamentos! Mas não fizemos isso. Porque não? 
Acreditávamos que se entregássemos os anéis, não perderíamos os dedos. E com a 
massificação do Software Livre – que agora nem é tão livre assim – estaríamos 
levando o melhor para as pessoas. Erramos feio. E estamos cometendo o mesmo 
erro com a adoção massiva das redes sociais devassas. Ativistas de Software 
Livre se lambuzando! Amanhã pagaremos o preço!

O Ubuntu surgiu como sendo a prova material de que era possível ter um modelo 
de negócio que respeita-se os conceitos filosóficos do Software Livre. Um 
distribuição GNU, jovem, com alto investimento financeiro, com estrutura 
profissional, com aquele jeito de empresa web, bom acabamento e um apelo 
intangível da inocência africana! Era quase como um ato de boa fé! Eu mesmo 
embarquei nessa em 2005 e fui usuário e disseminador do Ubuntu até novembro de 
2012. Cheguei até a fazer um bordão com o significado, para provocar os amigos 
do Debian: “Ubuntu é uma palavra africana que significa Debian bem feito”. 
Provocação pura! Assim ajudei a disseminar o Ubuntu e a massificar o uso de 
“Linux”, como todos os demais ativistas de Software Livre! Estava militando no 
movimento social mais justo e revolucionário de que tenho notícia! Isso sem 
falar no meu uso do Gmail.

O que aconteceu em outubro de 2012 foi uma das maiores traições à comunidade de 
Software Livre mundial. Os detalhes e suas consequências estão descritas no 
artigo “Microsoftização da Canonical“, mas em resumo, eles inseriram um spyware 
no ambiente gráfico padrão sem avisar nada a ninguém! E como se não bastasse a 
violação total de confiança, quando foram confrontados com os fatos, recorreram 
a argumentação mercadológica de que “todos estão fazendo isso, então não é nada 
grave demais. Vocês, os radicais, estão fazendo uma tempestade em um copo 
d’água”. Desde então, minha confiança na Canonical e no Ubuntu foi reduzida a 
zero. Como confiar que essa é a única armadilha plantada sem conhecimento de 
ninguém? Afinal de contas as empresas de TI são repletas de ações anti éticas, 
amorais e mercadológicas que “todas fazem”. Na Canonical não podemos mais 
confiar. E mais uma vez, a comunidade Software Livre em vez de se indignar, 
reclamar e deixar claro que não admitiria tamanha traição, fez o oposto: se fez 
de cega, surda e louca. Deu de ombros, creditou mais uma paranoia à FSF e 
Stallman e continuou usando e disseminando o spyware disfarçado de Software 
Livre, como se estivessem no maravilhoso mundo de Alice!

Perceba que seu desejo é que as pessoas, prefeituras, bancos e demais usem 
Software Livre. Então nada de Ubuntu, pois ele vem com um kernel cheio de 
componentes não livres e com spyware. Nada mais parecido com o Windows! Tanto 
que o amigo Júlio Neves o batizou de “Linux 8″! Mas alguns pseudo ativistas, 
inebriados pelo mercantilismo conseguem a proeza de deformar tanto a lógica 
livre, que tem propagado que usar Ubuntu é o mesmo que usar Debian! Um absurdo 
completo! E se fosse um desqualificado a ter feito tal afirmação, ainda vá lá! 
Mas estamos falando de gente da própria comunidade Debian!

Mas nem tudo está perdido, pois parte da comunidade Software Livre percebeu o 
engodo: não podemos mais pautar a liberdade tecnológica pelo dueto da 
massificação e mercantilização. Lentamente os sistemas operacionais estão 
perdendo a importância, sendo trocados por serviços e aplicativos na nuvem. 
Inclusive os computadores, o hardware mesmo. Hoje se troca de celular, tablet 
ou notebook sem maiores traumas, afinal de contas os arquivos e aplicações 
podem ser restaurados com alguns cliques. E são esses os grandes serviços que 
representam a maior opressão às liberdades que tanto defendemos. Google, 
Instagram, Facebook, Dropbox, Skype, Netflix e mais um monte de aplicações 
proprietárias tem se apropriado das tecnologias livres, das falhas em nossas 
licenças, e especialmente da complacência da comunidade e dos movimentos, para 
repensar seus modelos de negócio da forma mais lucrativa para eles usando 
nossos meios de produção, ideias e trabalho colaborativo. Nenhuma preocupação 
com liberdades ou direitos, apenas massificação e lucros!

Então, Bárbara, se você queria muito que as pessoas, prefeituras, bancos, 
negócios e demais usassem “Linux”, pode relaxar: 90% dos smartphones do mundo 
usam Android. Seu maior desejo já é realidade. Sabendo disso, se pergunte como 
essa massificação no uso aumentou a autonomia, segurança ou liberdade das 
pessoas? Até onde consigo perceber, ao usar Andoid de fábrica, as pessoas estão 
carregando consigo sistemas de monitoramento em tempo real. Ao adicionar suas 
contas do Google e permitindo, automaticamente, que a mega corporação dos USA 
monitore cada movimento, ligação, mensagem, foto, desejo, ideia ou sonho, elas 
estão sendo mais livres? Mas pode ser ainda mais sinistro: estudo de caso feito 
pelo Facebook com 700 mil pessoas provou que eles são capazes, também, de 
influenciar diretamente o rumos e expectativas dos usuários! Não estão apenas 
monitorando, classificando, perfilando e categorizando. Estão gerando 
tendências artificialmente.

Sua insegurança é causada pelo choque de contrapor liberdade como algo que não 
pode ser conseguida sem um modelo de negócios que gere receita para pagar as 
contas. Essa é a grande mentira do sistema capitalista, onde o objetivo maior é 
ganhar dinheiro e não fazer as coisas do jeito certo. A concepção de que o 
objetivo maior é ganhar a vida antes de educar, ser educado, respeitar e ser 
respeitado é o que afoga a todos no mar de lama do consumismo. Como somos 
impelidos a nos classificar em sociedade, terminamos fazendo isso pelo consumo. 
Onde quem consome mais é melhor. Não se destaca quem respeita mais, ou quem ama 
mais, ou quem mais luta pelas minorias, ou quem, de fato, dedica a vida a 
defender a liberdade. A capacidade de acúmulo e consumo passou a definir quem 
se destaca. Antepor qualquer valor moral, ético ou até mesmo religioso a isso, 
te desqualifica em vez de te destacar.

Eu não estou me contrapondo a ganhar dinheiro. Não estou propondo viver de luz, 
nem nenhuma outra baboseira (me desculpem os bobos) desse tipo. Eu vivo de 
Software Livre! Ganho a vida da mesma forma que você e dos demais 95% dos 
humanos: vendendo minha força de trabalho. Viver de Software Livre é igual a 
viver de qualquer outro tipo de Software. É como plantar orgânico ou 
transgênico. Plantar é plantar oras! Mas o que se planta e como se planta, 
definira certamente o que se colhe. Eu planto Software Livre, sem agrotóxico, 
sem semente transgênica e sem atravessador. Quem me ensinou foi o Stallman.

Concordo muito contigo quando dizes “que não podemos ser livres assim, que não 
podemos mostrar a liberdade que temos (ou não temos), sem exemplos”. Nós, os 
ativistas de Software Livre devemos dar o exemplo do que é ser livre 
tecnologicamente, e devemos defender essa liberdade. Devemos não fazer 
concessões, não sermos coniventes, não sermos acomodados ou complacentes, além 
de não nos deixar levar pelas ondas mercadológicas. Como ativistas, devemos nos 
recusar a usar ferramentas proprietárias e devassas como Facebook e Gmail. 
Devemos refutar com veemência o Ubuntu pela sua traição. Não devemos assinar o 
NetFlix. Devemos retomar o curso da defesa do Software Livre e seus símbolos: 
FSF, GNU e Stallman. Olhar para trás, identificar o erro e corrigi-lo, como 
bons hackers que somos!

Um dia, muitos optaram por se libertar do Windows! E isso foi muito além de 
apenas não usar Software Proprietário. Fomos criticos contumazes de seu modelo 
de negócio, dos seus ardis mercadológicos e de se seus anseios monopolistas. O 
que difere as empresas que citei antes da Microsoft? Foi a promessa de que uma 
nova ordem estava se estabelecendo e que nós faríamos parte dela. Uma nova 
ordem tecnológica que levaria liberdade, segurança e autonomia ao usuário. 
Então, uma vez empoderado, nós, os humanos conectados, seríamos mais fortes e 
poderíamos usar esse poder para transformar o Mundo em um lugar melhor, mais 
justo, mais limpo, mais fraterno. Eu sonhei isso contigo e com muitos outros.

Mas a realidade é bem diferente. Ingênuos, fomos usados, fomos corroídos por 
dentro pelo movimento contra-revolucionário chamado OSI. Esse movimento 
infiltrou o mercantilismo e a complacência com o Software Proprietário, sob o 
argumento da massificação de seu uso, e promoveu o “Linux” sobre o “GNU”, os 
modelos negociais sobre as comunidades de usuários, o ganha-pão sobre o 
voluntariado, o Maddog sobre o Stallman, e como eles mesmo dizem, não veem mal 
algum em usar as redes sociais e serviços on-line privativos. Hora de reagir!

Então minha amiga. Concordamos que ser livre não é fácil. Será que 
concordaremos mais ainda?

Saudações Livres!



-- 
Anahuac de Paula Gil

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