] Pai, afasta de mim este cálice Consta que, na Sexta-Feira Santa de 1973, os geniais Gil e Chico adaptaram esse refrão para criticar o "cale-se!" da Censura então vigente, provavelmente inspirados em palavras do grande mestre cristão celebrado naquela data. Nada mais justo que eu, mero mortal, faça minhas as palavras dessa sapientíssima trindade para denunciar o risco de nova censura, tanto virtual quanto real, embutido no projeto de lei dos cibercrimes recentemente aprovado no senado.
[...] * o texto não fala absolutamente nada sobre vincular a informação do IP e do instante de conexão a um cliente específico do provedor. Acho que é por isso que os senadores são tão insistentes em dizer que isso não vai invadir a privacidade de ninguém. Se os provedores seguirem à risca o que diz o projeto de lei, a informação não vai servir para absolutamente nada. Qual a utilidade de saber que *alguém* (sujeito indeterminado) recebeu o IP 123.45.67.89 às 12:34 (UTC) do dia 11/11/11? Até parece que quem escreveu o projeto não tinha a menor idéia do que estava fazendo... [...] Não importa que os nobres senadores afirmem com veemência que a intenção é criminalizar apenas as atividades de crackers que invadem computadores. A redação não corresponde à intenção, e quem perde é a sociedade. [...] Um ponto importante a se levar em conta é que os termos "dispositivo de comunicação" e "sistema informatizado" não significam o que seria de se esperar. Suas definições no artigo 16 são tão amplas que qualquer coisa que carregue dados ou informação é dispositivo de comunicação, inclusive CDs, DVDs, livros em papel, e até os sistemas informatizados redundantemente listados no mesmo artigo. [...] Cabe perguntar que fim levarão os usos que não constituem infração de direito autoral. Se o titular decidir, na "expressa restrição de acesso", condicionar o direito de leitura ou de cópia de pequenos trechos a termos abusivos, que será das paródias, das críticas, das citações, da nossa cultura? Se esses titulares já estão tentando (sem muito sucesso, vale dizer) fazer essas coisas com CDs, DVDs e livros eletrônicos, através de medidas técnicas e jurídicas, por que não tentariam apertar mais um pouquinho o torniquete em nossos pescoços, tornando crimes passíveis de prisão tanto os atos já ilícitos cíveis quanto os usos ainda permitidos por lei? [...] Agora imagine a possibilidade de parlamentares comprometidos com o mensalão, e/ou que tenham recebido presentes de Daniel Dantas? Se informações a respeito dessas supostas transações caíssem nas mãos da imprensa durante a vigência do projeto de lei, não teriam com que se preocupar. Qual jornalista se arriscaria a ir para a cadeia para publicar essas informações, que certamente só poderiam ter sido obtidas sem autorização dos legítimos titulares dos computadores em que estavam armazenadas? Sei que os nobres parlamentares têm preocupações legítimas, tais como assegurar os lucros dos bancos que vêm publicamente promovendo a aprovação desse projeto de lei, lucros estes reduzidos por fraudes on-line pelas quais os bancos são (convenhamos, nem sempre justamente) obrigados a ressarcir seus clientes. A dúvida que fica é por que há tanta resistência dos nobres paralamentares em manter a possibilidade de interpretações alegadamente não pretendidas. Qual o sentido de negar a possibilidade evidente de outras interpretações plausíveis, que, mesmo que não venham a ser acolhidas em tribunais, certamente serão usadas para instaurar um regime de terror por quem busca cercear a divulgação de dados, informações e obras de interesse público. Ante a ameaça de processo judicial e pena de prisão, quem ousará correr o risco de perseguir seus direitos? Perde a sociedade. Será possível que os nobres parlamentares não têm noção de que o projeto de lei falha em seus objetivos declarados mais fundamentais e traz efeitos claramente indesejáveis para toda a população que deveriam representar? [...] Rogo aos nobres deputados, portanto, que removam os artigos de redação problemática (a saber, 2º, 13 e 22) no projeto de lei, antes de enviá-lo para sanção presidencial, e, caso se mostre necessário tipificar crimes adicionais, que seja dado início a novo projeto de lei, prevendo debates públicos e buscando uma redação que não delegue poderes de legislador e de polícia a entidades privadas, como fazem os artigos citados, nem criminalize atividades não maliciosas e de prática comum e claramente desejada pela sociedade. http://fsfla.org/blogs/lxo/2008-07-19-parlamento-em-busca-do-cale-se-sagrado -- Alexandre Oliva http://www.lsd.ic.unicamp.br/~oliva/ Free Software Evangelist [EMAIL PROTECTED], gnu.org} FSFLA Board Member ¡Sé Libre! => http://www.fsfla.org/ Red Hat Compiler Engineer [EMAIL PROTECTED], gcc.gnu.org}
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