Fernando Yamauti <fgyama...@gmail.com> escreveu: > Oi Hermógenes,
Olá, Fernando. > Eu, pessoalmente, acho ECQ um princípio *muito* suspeito. O difícil é > que, sem ECQ, um construtivista ficaria basicamente sem negação (ao > estilo do cálculo mínimo de Johansson), ou a negação cessaria de ser > um operador *lógico*. Uma exceção interessante é o caso da "Core > Logic" de Tennant, onde a negação é dada um caráter lógico, mesmo sem > ECQ, pela admissão de modus tollendo ponens (ou silogismo disjuntivo) > e uma regra especial para a implicação que permite obter > ¬A⊢A→B. Muitos, porém, acham o preço a se pagar muito salgado: falha > da transitividade (monotonicidade, regra de corte). > > Existe uma maneira mais construtiva de se definir a negação. Basta > tomar \neg A como 'A não é habitado', usando tipos isso seria dado por > uma equivalência homotopica entre A e empty (não precisa de universos > para fazer isso). Sim, claro. Em termos lógicos, essa é exatamente a definição padrão de ¬A como A→⊥. Como você observou, meu comentário acima realmente não diz respeito a universos. Estava comentando o seu incômodo com o fato de A→B ser construtivamente válido quando A é falso (quando temos ¬A). Eu havia observado que esse seu incômodo também aparece na literatura construtivista, especialmente em conexão com objeções à ECQ. Note que a definição ¬A≡A→⊥ não é suficiente para definir a negação, mas apenas define a negação em termos de ⊥. É necessário ainda caracterizar ⊥. O princípio construtivista padrão que caracteriza ⊥ é ECQ. A inferência que incomodava (¬A,A⊢B) é obtida por modus ponens e ECQ. Um construtivista que queira rejeitá-la, portanto, teria que rejeitar modus ponens ou ECQ. O candidato mais óbvio é ECQ. Daí, eu comentei sobre algumas propostas "construtivas" que rejeitam ECQ. Espero que agora tenha ficado mais claro (há alguns detalhes adicionais na minha resposta ao João Marcos). > b) Um outro problema é que Martin-Löf explica (reduz) o conceito de > "prova hipotética" ao conceito de "prova categórica" (sem hipóteses > abertas). > > Mas essa parece ser a única opção do ponto de vista construtivista, > não? De uma prova hipotética (acho que o ML usa o termo consequências > lógica para esse operador de inferência) se constrói um mapa que > transfere provas categóricas entre as asserções da prova > hipotética. Não consigo ver outra opção. Uma outra opção seria trabalhar exclusivamente com deduções (provas hipotéticas), sem reduzí-las a provas categóricas. É importante observar que provas categóricas são um caso particular de deduções (provas hipotéticas). A circularidade pode ser evitada por meio dos conhecidos argumentos envolvendo harmonia (normalização, canonicidade) que já servem de base para as propostas atuais reducionistas (estilo Martin-Löf). Em poucas palavras, o que quero dizer é o seguinte: Por que o mapa transfere, necessariamente, provas *categóricas* das hipóteses? Por que não mapear provas *hipotéticas* das hipóteses, isto é, por que não considerar também deduções baseadas em hipóteses, das quais as provas categóricas (fechadas) são apenas um caso particular? Normalização vale para *deduções*, não somente para "provas" fechadas! Ademais, se temos uma fundamentação baseadas em deduções (a partir de hipóteses) em vez de provas categóricas (fechadas), desaparece todo o problema filosófico de se explicar a correção de certas inferências por apelo à impossíveis provas categóricas do absurdo. Agora, poderia uma proposta assim ser considerada "construtivista" ou "intuicionista"? Depende do que se entende por "construtivismo" ou "intuicionismo". Se o critério aqui é BHK juntamente com o ponto de vista epistemológico de Martin-Löf, é provável que a resposta seja "Não". Mas, se abordamos o intuicionismo por meio de um inferencialismo apoiado tecnicamente nos trabalhos de Gentzen, a resposta talvez seja "Sim". BHK está morta! Longa vida ao inferencialismo gentzeniano! :-) > Na minha opinião, o potencial explanatório e de fundamentação da > Teoria Intuicionista de Tipos (TIT) se estraçalha a partir do momento > que se introduz universos. A partir daí, me parece, a TIT assume um > caráter fortemente ad hoc e muitas da intuições iniciais vão para o > espaço. Neste ponto, a única vantagem de TIT em comparação à ZF (sua > concorrente igualmente ad hoc), principalmente se você é um > computeiro ou matemático preocupado com computabilidade, é o fato de > TIT ser construtiva. Por outro lado, os argumentos de que ZF seria > filosoficamente mais robusta e conceitualmente mais coerente (ver, > por exemplo, Harvey Friedman na FOM) não me convencem. Acontece que, > dado que ZF é a doutrina ortodoxa, estamos acostumados a fazer vista > grossa para as aberrações em ZF e maldizer excessivamente qualquer > idiossincrasia de propostas alternativas, como TIT. > > O problema que citei ('A true' =' 'A true' true' do ponto de vista > epistêmico) não tem relação com universos (eu não devia ter citado > universo no meu comentário) , apesar de ser mais fácil de internalizar > o juízo 'A true' nas proposições usando universos, i.e., enche o saco > escrever a definição de uma equivalência homotópica para definir 'A é > habitado'. Hum... Não consigo ver uma maneira de fazê-lo sem universos. Poderia me fornecer detalhes? Pode ser em privado, se você preferir. É possível ainda que eu não tenha compreendido muito bem o seu comentário. > Também acho que a definição de universo univalente é bem intuitiva e > consistente com a pratica matemática. O universo é só um objeto a mais > na teoria que mostra a compatibilidade da identidade com a > equivalência homotópica. Eles fazem o mesmo papel dos V_{\kappa}. E > como a TIT deve ser semântica e sintática ao mesmo tempo, acho natural > colocar um universo (ou melhor, uma estratificação em universos) na > teoria. Gostaria, portanto, de entender o que gera essa tal destruição > do potencial explanatório da TIT. O principal problema com os universos é que eles borram a distinção entre os juízos "A é um tipo" e "x tem o tipo A" (i.e. A é habitado). Na presença de universos, o juízo "B é um tipo" se reduz a um juízo da forma "x tem o tipo A" ou "x é um termo do tipo A", onde A é um universo. Tecnicamente, isso pode até ser muito conveniente, mas, filosoficamente, é desastroso. Sem me alongar muito, creio que a gravidade do problema pode ser depreendida de uma leitura atenta e refletiva do artigo de fundamentação do Martin-Löf[1]. Ali, ele discorre sobre a importância em se distinguir entre os juízos "A prop" ("A é um tipo", pois ali o único tipo tratado é o tipo das proposições) e "A true" ("x tem o tipo A", "o tipo proposicional A é habitado", "x é uma prova de A"). Esta distinção me parece importantíssima para o funcionamento da teoria como fundamentação filosófica. Quando se introduz universos, toda as intuições e coerência filosófica que estavam apoiadas nesta distinção vão para o espaço. Qual seria o valor como fundamentação filosófica de uma teoria construtiva se, todas as vezes que efetuo uma construção com base nos princípios básicos da teoria, tenho que verificar, *caso a caso*, se as construções são bem tipadas sob pena de inconsistência? A justificativa para a adição de universos é basicamente ad hoc: por que eles são necessários para se fazer matemática para além da aritméticazinha de primeira ordem. Nesse sentido, TIT+universos não me parece menos ad hoc do que ZF. Eu, particularmente, tenho a impressão de que a introdução irrestrita de universos é a maneira dos construtivistas de jogar a toalha, após o que Martin-Löf chamou de "segundo fracasso do programa de Hilbert"[2]. Agora, pode ser que universos sejam intuitivos e essenciais de um ponto de vista homotópico, mas, até o momento, a aspiração da Teoria Homotópica dos Tipos (THT) como fundamentação alternativa para a matemática está apoiada na Teoria Intuicionista de Tipos adjacente, uma vez que, até o momento, como você mesmo observou, as tentativas de oferecer explicações e justificativas para os elementos básicos da teoria por vias diretamente homotópicas, contornando a teoria de tipos, são insatisfatórias. > De qualquer maneira, mesmo num contexto muito elementar, abordar o > intuicionismo, ou construtivismo, de um ponto de vista > epistemológico, tal como Martin-Löf faz, me parece um > equívoco. Concordo ainda que a discussão epistemológica de Martin-Löf > em conexão com a fundamentação da sua Teoria de Tipos é muito > confusa, para se dizer o mínimo. > > Brouwer não fazia a mesma coisa? Aquela idéia de matemático ideal no > tempo me soa bem similar. Brouwer não fazia a mesma coisa. Fazia muito pior! De qualquer maneira, não considero Brouwer, Heyting, Martin-Löf, ou qualquer outro, como donos do intuicionismo. Creio que há razões para ser um intuicionista ou construtivista que independe da exegese desses autores. Referências: [1] Per Martin-Löf. On the Meanings of the Logical Constants and the Justifications of the Logical Laws. Nordic Journal of Philosophical Logic 1 (1), 11-60, 1996. (disponível em https://github.com/michaelt/martin-lof) [2] Per Martin-Löf. The Hilbert-Brouwer Controversy Resolved? In: One Hundred Years of Intuitionism (1907-2007), 243-256, 2008. (disponível em https://github.com/michaelt/martin-lof) -- Hermógenes Oliveira -- Você está recebendo esta mensagem porque se inscreveu no grupo "LOGICA-L" dos Grupos do Google. Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para logica-l+unsubscr...@dimap.ufrn.br. Para postar neste grupo, envie um e-mail para logica-l@dimap.ufrn.br. Visite este grupo em https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/group/logica-l/. Para ver esta discussão na web, acesse https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/d/msgid/logica-l/87fuhkilsk.fsf%40camelot.oliveira.