Caro Mestre,

Eu já tenho as minhas dúvidas de que a lógica clássica seja mais fácil.
Peço ademais a venia para dizer que ela não é nem um pouco intuitiva.
Aliás, está claro para mim que a lógica clássica não encarna uma maneira
natural de pensar. A lógica fuzzy e outras multivalentes e as lógicas
modais, principalmente as não-normais, aproximam-se muito mais do que
parece ser raciocínio intuitivo e natural.

No curso ministrado pelo professor Walter, eu apontei esse fato e ele
ponderou comigo o seguinte: para matemáticos a lógica clássica parece ser o
modo mais natural de pensar, mas para um filósofo um linguista pode ser que
não e é compreensível que não o seja. Porém fica então uma questão para o
aluno que começa : por que cargas d'água alguém vai requerer relacionar
modelos matemáticos à lógica clássica, se ela mesma já é um pensamento
matemática? Ora, ao contrário, fica estranho alguém pretender matematizar o
que já é matemático.

Por outro lado, mostrar que existe uma pluralidade de álgebras e relacionar
isto à pluralidade de lógicas, faz mais sentido. E digo que faz mais
sentido filosoficamente e também é mais didático.

Agora, abordando o exemplo dado, eu acho quase ininteligível qualquer coisa
que seja apresentada sem mais nem menos, ou seja, sem que antes se diga o
porquê de abordar tal e tal tópico. Por exemplo, os BONS livros de
introdução a lógica, quando falam do sistema proporcional, têm uma falha
didática comum: à certa altura começam com a litania "agora provaremos a
compacidade e em seguida a correção e a completude do sistema". É? Pergunto
eu, e por que vamos fazer isso? As provas se seguem depois de cada uma
dessas noções ser definida, mas o leitor, que não é professor de lógica,
ainda não tem uma pista do porquê seria importante provar essas coisas.
Aliás, um aluno vendo essas coisas pela primeira vez, desavisado de que
elas existiam, termina a leitura das demonstrações, pode chegar a
compreender as demonstrações, mas fica ainda imaginando de onde surgiu essa
preocupação com correção e completude. Ora, o aluno pode pergunar-se
"Aristóteles e outros não diziam já que essa é a forma correta de pensar?
Por que então tenho de provar que ela é correta, se isto está dado?"

A questão de em seguida apresentar uma semântica para o sistema
proposiconal clássico é a mesma: o aluno não tem ideia do porquê da lógica
clássica precisar de uma semântica e menos ainda consegue pensar porque
alguém gostaria de propor que uma semântica de todo um sistema pudesse ser
um reticulado.

Em resumo, o problema não está no quanto de matemática avançada ou de pura
matemática pode estar envolvido. Como numa oblação de uma Igreja
não-calcedônica, quando de repente uma cortina enorme se fecha escondendo
todo o altar, um protestante ou um católico fica sem entender o que
aconteceu. Ninguém lhe disse que a cortina fecharia durante a liturgia e,
não falando uma língua como Armênio, dificilmente terá alguém que lhe
explique o que está acontecendo e por que está acontecendo. Qual é a
matemática avançada nessa situação? Não há e o problema didático é o mesmo.


Em 9 de abril de 2012 20:32, Décio Krause <deciokra...@gmail.com> escreveu:

> Tony e demais
> Falo por alto de coisas que aprendi com Newton da Costa, ainda que não
> queira compromete-lo com o que disser. Usamos a lógica clássica (LC) porque
> ela nos parece mais fácil e mais intuitiva, ainda que isso seja difícil de
> justificar. Em princípio, não haveria qualquer problema em iniciar com uma
> lógica não-clássica, mas operacionalmente seria desaconselhável. Pense no
> seguinte caso, mencionado por da Costa. Tome a Lógiça intuicionista BH.
> Podemos dar uma semântica para da na própria lógica intuicionista, mas como
> alerta dC, isso teria um valor (em princípio) meramente matemático, pois
> seria quase que ininteligível. Mas podemos dar a ela uma semântica
> "clássica"  (fundada em uma teoria de conjuntos usual, baseada na Lógiça
> clássica). Isso sim poderia nos esclarecer o significado dos conceitos,
> justamente porque estamos mais acostumados com ela. Segundo dC, sempre
> necessitamos desse "entendimento intuitivo", algo construtivo (ele fala
> disso em seu Ensaio sobre os Fundamentos da Lógica, que deveria ser lido e
> relido), e para isso em geral nos valemos (por enquanto, ao menos) da
> lógiçw clássica. Mas quem sabe no futuro isso  mude.
> O que acham?
> D
>
>
>
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> Departamento de Filosofia
> Universidade Federal de Santa Catarina
> 88040-900 Florianópolis - SC - Brasil
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>
> Em 09/04/2012, às 14:11, Tony Marmo <marmo.t...@gmail.com> escreveu:
>
> > Aos mestres, colegas e amigos,
> >
> > Existe uma tradição, mesmo em centros onde lógicas não-clássicas são
> > estudadas aprofundadamente, de iniciar o estudo da lógica por uma
> > apresentação à lógica clássica.
> > Depois, conforme a escola de pensamento seguida, estudam-se outras
> lógicas
> > e apresenta-se inclusive a ideia de que a lógica clássica pode ser vista
> > como um caso particular de outras lógicas.
> >
> > A pergunta que faço é a seguinte: por que não começar os cursos de
> > introdução por uma lógica ou por uma perspectiva não-clássica. Por
> exemplo,
> > por lógicas multi-valentes e mostrando como os sistemas bi-valentes são
> > casos particulares? Ou então pela lógica intuicionista? Ainda que faltem
> em
> > um ou outro caso textos mais acessíveis, deve ser possível
> confeccioná-los.
> >
> > O que acham?
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